Carolina Alves
Uma das casas mais icônicas do movimento foi a Big Field Show
Funk. Apenas quatro letras, uma palavra pequena, mas com um significado e uma história gigante. Marcada por diversas transformações sociais e lutas, esse movimento tornou-se o retrato das periferias cariocas nos anos 1970 e 1980. Com os sons black e as melodias soul, o ritmo ia sendo formado. A influência dos gêneros norte-americanos atuou em uma nova revolução musical, representando o novo balanço dos bailes.
Como uma forma de sobrevivência, o funk foi se adequando, com as mensagens embaladas pelo ritmo envolvente e batidas viciantes. As composições deixaram de ser apenas as exportadas, mas passaram a tratar do cotidiano das favelas. Sua ascensão engatinhava, mas o asfalto já o temia e o aclamava. Rádios como a Manchete e a Tropical Funk Music tocavam o som, porém a resistência preconceituosa da sociedade condenava a sua origem, frequentemente associada à criminalidade.
Os estigmas intolerantes não foram capazes de parar o som. O movimento tomava força, equipes de funk como a Curtisomrio, que surgiu a partir do Miami Bass, trouxeram ao Rio de Janeiro uma nova sonoridade, com batidas aceleradas e assuntos sociais. Ela e outras companhias eram as responsáveis pelas organizações dos bailes, nos quais a expressão cultural e as músicas surgiam como disseminação de um subcultura única, com danças, roupas e falas que representavam um povo.
Com o tempo, a cara do estilo musical foi mudando, justamente para manter-se vivo. O Dj Marcelo Negão, referência do funk, ativista de forma ativa no movimento e criador da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), destaca que foi uma necessidade, “A sobrevivência fez eles produzirem, serem criativos, fazer o bagulho acontecer”. As músicas estavam mudando, acompanhando a cena internacional e os recursos da época.
DJs, MCs e Companhias de Funk eram a cara do movimento, passando suas mensagens de conscientização pelas letras. “A massa funkeira pede a paz geral”, trecho da música “Rap da Massa”, de MC Ailton e Binho, é um exemplo de uma das diversas canções que traziam essa grito social. Vários artistas se destacaram, suas músicas fixaram na mente do público como chiclete. As misturas de estilos circulavam pelos salões de todo o Rio, os melody, pagofunks, funks ostentação também tomaram força e a Companhia de Funk de Romulo Costa virou uma das favoritas do pedaço.
Dj Kadu, que foi Mc e DJ pela Furacão 2000, considera uma honra trabalhar nesse projeto, e dividir palco com vários artistas como Mc Marcinho, Anitta, Bob Run e outros. “A Furacão é faculdade”, relembra e agradece as oportunidades e conquistas que o estilo ofereceu. “O funk abriu o mapa do Rio de Janeiro”, comenta o Dj Marcelo Negão. Já se distanciando dos estereótipos de bairros perigosos e se tornando espaços citados em canções, como, em “Endereço dos Bailes”, na qual MC Júnior e MC Leonardo trazem visibilidade para as favelas pedindo paz e união nos bailes, citando lugares como, Rocha Miranda, Santa Cruz e Campo Grande. “Vem pro baile meu amigo. E diga: violência não”

Big Field
Moldando uma cultura e contribuindo de forma econômica nos bairros deixados à margem do Estado, essa forma de expressão artística impactou sobretudo a Zona Oeste. Os bailes e casas de show desempenharam papel central na difusão do funk, dando voz à população. Esses eventos integravam diferentes pessoas em prol de reunir e compartilhar experiências, todos envolvidos pelas batidas, passinhos e falas. Mesmo enfrentando preconceitos, o funk persistiu e se tornou o principal gênero das comunidades.
E entre todas as casa de show, a queridinha da Zona Oeste era a Big Field. No final dos anos 1990, só se falava nela em toda a região. Suas atividades começaram com um campo de grama sintética, com o nome inicial de Big Field Soccer, onde ocorriam jogos de futebol. Eram organizados, a princípio, shows de pagode aos domingos, e, ao longo do tempo, a popularidade da casa foi aumentando. Quando houve a troca de gestão com o produtor Zé Maria, a concepção de Big Field mudou. O futebol se tornou um entretenimento secundário e os shows viraram a prioridade. Assim, os pagofunks (os Caldeirão), o funk e o pagode foram se tornando a alma do espaço.
Com a popularidade desses ritmos e a ascensão do funk, a Big Field se tornou a maior na região. Localizada em Campo Grande, pessoas de outros bairros se deslocavam só para presenciar os shows, que recebiam uma variedade de eventos, festas temáticas até apresentações dos artistas mais badalados da época. Cássia Pinto, uma fã de carteirinha da casa, frequentava até cinco dias por semana o local e se recorda com muita nostalgia. “Lá era fundamental. Quem passou os anos 1990 e os 2000 e não pisou lá uma vez, não sei, era porque não gostava. Porque por mais que não fosse, todo mundo conhecia a casa de show.”

O som alto das caixas de som, as luzes piscando e os jovens dançando pelo salão eram as cenas mais comuns da Big Field. Com o pensamento mais democrático sobre o acesso, a festa tinha entrada grátis para mulheres até a meia-noite e as famosas promoções de cerveja por um centavo. Era impossível o lugar não lotar, e sua capacidade máxima de sete mil pessoas era composta por apaixonados pela música vindos de outros lugares.
Outra fã da casa, Francirene Jardim, recorda da época e aponta sua relevância, afirmando que em caráter cultural a Big Field era o destaque. Com a programação de quarta a domingo, tocava os maiores hits da época com o foco sempre no funk e pagode. Artistas como Sorriso Maroto, Exaltasamba, Furacão 2000, Mc Marcinho, Mc Sapão e Belo eram algumas das atrações. “Quando era dia dos maiores, todo mundo sabia. Dia de funk, principalmente, o bairro inteiro parava”, afirma Francirene.
Cássia recorda uma experiência que a marcou muito “Dei meu primeiro beijo no meu marido lá e estamos casados há 17 anos já. Somos o chaveirinho da Big Field”. Ela demonstra todo carinho e saudade pelo lugar em que viveu tantos momentos bons. Por exemplo, se sentir em um clipe ao dançar os passinhos na ambientação do local com suas amigas. Ou ir andando de sua casa à pé até lá apenas para ver o show do Exaltasamba e aclamar seu ídolo Thiaguinho, antigo vocalista do grupo.
A Big Field foi um ponto de referência na Zona Oeste do Rio de Janeiro, deixando uma marca duradoura na memória cultural e social da região. Seu impacto foi sentido não apenas na cena musical, onde proporcionou palco para diversos artistas e estilos musicais, mas também no fortalecimento do social e na dinamização da economia local. A casa de show se tornou um espaço de convivência, onde diferentes grupos sociais se encontravam, contribuindo para o fortalecimento dos laços da comunidade.

Esses eventos não apenas alavancaram a cena musical local, mas também movimentaram uma cadeia extensa de serviços. Pequenos empreendedores da região perceberam a oportunidade e investiram em negócios voltados para atender o público dos bailes. Isso incluiu desde serviços de segurança, alimentação e transporte, até a venda de itens de moda. Dessa forma, o funk se tornou um motor econômico local, contribuindo para o desenvolvimento da economia informal na região. Tanto que, em 2008, a Fundação Getúlio Vargas apontou que o funk movimentava cerca de R$ 10 milhões por mês no estado do Rio de Janeiro.
Com o passar dos anos, a cena dos bailes funk enfrentou desafios, como repressão policial e mudanças na legislação. Apesar disso, o funk continuou a evoluir, adaptando- se às novas realidades. Recentemente, houve uma expansão das plataformas digitais, o que levou o funk a alcançar audiências globais, no entanto, sem perder suas raízes na Zona Oeste. O movimento marcou varias gerações de formas não esperadas. “O funk chegou em um patamar que eu confesso que não achava que chegaria, tanto que hoje é cultura”, argumenta o Dj Kadu.
Atualmente, o funk carrega essa grande história, o movimento segue sendo uma importante forma de resistência e expressão cultural. Como afirma o Dj Marcelo Negão, na atualidade o funk é mais aceito, é legal, diferente de antigamente, quando os artistas e ouvintes aprenderam a enfrentar os preconceitos, construíram o movimento e o levaram ao estrelato, saindo da bolha das comunidades do Rio de Janeiro e ultrapassando a fronteira nacional.
Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, chamado “Meu canto também tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.