“Você aplica muito melhor o seu potencial com a liberdade”, considera a jornalista Mariana Castro

Isaias Feitosa

Juliane Milhomem

Keila Lopes

Luan Lucas

Luiza Ribeiro

Marcos André da Silva

Paulo Vitor de Oliveira

Sebastião Rocha

Com uma década atuando na comunicação, a jornalista Mariana Castro expôs, em entrevista coletiva, o que apreendeu em seus trabalhos, que incluem assessoria na Câmara Municipal de Imperatriz, de projetos sociais e do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). “O que eu valorizo muito é a liberdade. Eu chego, proponho, já faço, publico e ok. Você aplica muito melhor o teu potencial quando tem essa liberdade”, assegura a também correspondente do Brasil de Fato no Maranhão para cobertura da região Amazônica.

Ao abordar a relevância social do trabalho de assessoria, Mariana relembrou a sua primeira parceria com projetos sociais, que ocorreu durante a pandemia de Covid-19, de modo remoto. Ela integrou a Cooperativa Central do Cerrado, de Brasília, desenvolvedora de trabalhos voltados para a agricultura familiar e o projeto que Mariana participou atendia quebradeiras de coco. “Era muito bacana poder propor, junto com elas, alternativas de melhorar o produto, de divulgar. A gente acaba fazendo até um pouquinho de marketing”, considera.

Nos trabalhos que Mariana desenvolve nos assentamentos e acampamentos do MST e no Bico do Papagaio, região que denomina o extremo norte do Tocantins, o propósito é a formação de comunicadores populares dentro das próprias comunidades. “A nossa proposta é de democratizar a comunicação ao nível em que eles possam falar, e não necessariamente eu falar por eles”, explica a jornalista. E os resultados já podem ser observados. “Tem um acampamento que a gente já fez algumas oficinas. Eles tomaram a iniciativa, criaram um Instagram e estão divulgando as plantações da família. É muito gratificante ver esse processo, sendo que lá nem internet tem”.

Conhecer projetos sociais é o primeiro passo para jornalistas que desejam seguir carreira compromissada com a justiça social e a promoção da cidadania, segundo Mariana. “Existem várias iniciativas aqui na cidade, na região. Eu inclusive sinto falta de mais pessoas se aproximarem. É a partir desse conhecer que você vai enxergando as necessidades”. Ela confirma seu argumento com um exemplo pessoal. “Eu decidi fazer jornalismo quando me vi fazendo jornalismo. Foi na Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro, em 2013, na época do Rio+20”. Ao perceber que mais de 50 pessoas da região Tocantina “estavam lá e ninguém sabia”, Mariana elaborou uma matéria sobre o assunto e a enviou para o jornal O Progresso, que a publicou na época. “Eu fiquei: ‘Olha só o que é que eu fiz?!’”.

Mas a assessora e repórter correspondente não omite os desafios de trabalhar nesse ramo em uma região como a da Amazônia Legal. “A gente não tem um local fixo de trabalho. Há lugares que não têm um ônibus, nem rodoviária”. Apesar das dificuldades de acesso e deslocamento, ela define como gratificante o trabalho que desenvolve. “O desgaste físico é grande, mas eu quero aproveitar enquanto eu ainda tenho essa juventude. Quero pegar uns três anos de experiência para ir a qualquer lugar”.

Quatro Bocas

Em um cenário no qual o monopólio da comunicação muitas vezes dita as regras, a jornalista Mariana Castro e seus colegas estudantes ousaram enfrentar o sistema estabelecido, criando o jornal 4 Bocas, em 2014. Mariana confirma que essa iniciativa independente, mesmo tendo durado pouco, se tornou uma voz de contraponto.

O jornal surgiu a partir das ideias de quatro estudantes, por isso quatro bocas. “Foi justamente pela prática nossa tanto em movimentos sociais, quanto na comunicação. Quando eu vim para a faculdade eu já atuava um pouquinho na área de maneira independente, basicamente com os movimentos sociais”, detalhou, referindo-se ao curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, no qual se formou.

Essa determinação de amplificar as questões sociais e políticas frequentemente negligenciadas pelo monopólio da comunicação foi o principal impulso por trás do projeto. “A gente sentia que não tinha espaço. Aqui até hoje, inclusive, só temos o jornal O Progresso e ele é completamente pago. Tem duas páginas da prefeitura, duas da Câmara municipal, outras de São Luís”, critica Mariana. Ela reforça o argumento de que o 4 Bocas surgiu diante do déficit de um jornalismo mais combativo e que a equipe foi motivada pela “necessidade do coletivo”.

O desafio de iniciar uma iniciativa independente não foi subestimado por Mariana e sua equipe, mas o apoio de entidades e coletivos engajados na mesma causa tornou o caminho mais viável. “A gente não tinha R$ 1. Então, um movimento X dava R$ 100, um sindicato tal dava uma ajuda para impressão. E a universidade, então, foi uma escola. A gente ainda estava no processo de estudo, consultando professores e colegas”, relata a jornalista, acrescentando que o processo, como um todo, foi muito importante.

Coletivos

A jornalista menciona o papel crucial do coletivo de comunicação no MST, ressaltando sua missão de representar e amplificar a diversidade de vozes presentes no movimento. “O jornalismo, para nós, não é apenas um meio de informar, mas uma ferramenta para promover mudanças sociais”, enfatiza Mariana, a respeito do comprometimento com a pluralidade de perspectivas.

Ao abordar a composição do coletivo, Mariana destaca a diversidade de seus membros, sendo que muitos não possuem formação formal em jornalismo. No entanto, estão unidos pelo propósito comum de construir a primeira Escola Nacional de Formação em Comunicação. O desafio, conforme ela explica, está em especializar esses militantes, dotando-os das habilidades necessárias para amplificar as vozes do MST.

Com quase 40 anos de existência do movimento, o coletivo de comunicação do MST ainda busca sua plena consolidação, enquanto outros setores dentro do movimento já ostentam uma posição mais estabelecida. Mariana, junto aos demais membros, luta para conferir ao coletivo a importância merecida, aspirando que este se torne um setor de destaque, proporcionando maior visibilidade às suas atividades.

“Entendemos a formação como a espinha dorsal do nosso trabalho”, frisa Mariana. Nesse sentido, a busca por investimentos em graduações e mestrados em comunicação apresenta-se como uma prioridade. A intenção é  preparar os  militantes  para atuar de forma efetiva em causas sociais.

No âmbito da formação, Mariana diz que durante o encontro de criação da Escola Nacional de Comunicação estiveram presentes dois representantes de cada estado que atuam no MST. Eles compartilharam iniciativas inspiradoras, como a “TV Quilombo”, projeto apresentado por Raimundo José, um quilombola cujo trabalho tem recebido prestígio e reconhecimento. “E ali, junto com outros amigos, ele criou uma rádio improvisada. Foi tentando fazer estilo podcast e quando viu, já estava filmando também com o celular e acabou se consolidando enquanto TV”, comenta Mariana.

Mariana Castro atua na formação de novos comunicadores populares (foto: divulgação)

O coletivo de comunicação do MST não apenas informa, mas molda ativamente o futuro, na visão da jornalista, impulsionando mudanças sociais por meio da amplificação de vozes até então silenciadas. Sua narrativa, em sua opinião, atua como um chamado à ação, convidando a sociedade a reconhecer o poder transformador do jornalismo quando utilizado como instrumento de inclusão e mudança.

Liberdades e responsabilidade

A jornalista Mariana Castro considera que o conceito de imparcialidade é relativo em jornalismo, principalmente quando se trata do campo de cobertura e defesa dos direitos humanos. “Do meu lado é um pouco mais amplo. A situação é que eu deixo bem claro de que lado eu estou”. Sobre o Brasil de Fato, o formato da iniciativa não esconde a sua posição política e, inclusive, o lançamento contou com a presença da filha de Che Guevara, que foi um dos líderes da Revolução Cubana. Mariana também declara que, em todos os lugares nos quais trabalhou, a posição ideológica sempre foi bem clara.

Quando estava atuando na Ong Justiça nos Trilhos, eram inevitáveis os questionamentos internos em grandes encontros de congressos na região, segundo a jornalista. “Quem são os patrocinadores?  São Suzano, Vale, tanto que esses conflitos são diários”. Na opinião de Mariana, a partir do momento que uma organização independente aceita patrocinadores com esse perfil, “vai limitar o próprio encontro, porque está pagando”.

No caso da parceira para realizar grandes reportagens, conforme salienta Mariana, todos os custos da produção são pagos, devido ao fato de a região amazônica, área de sua cobertura, apresentar dificuldades logísticas, como falta de sinal de internet em muitas localidades. Mas ela alerta que as parcerias de custeio também podem limitar o espaço de liberdade da matéria que é produzida. Outras questões cruciais são raciocinar sobre  como a comunicação vai ser produzida e compartilhada. “Até mesmo um desenho pode explicar muita coisa”, exemplifica a jornalista.

Correspondência da Amazônia

“A ideia de ter um correspondente é justamente essa… A gente dentro do território, então, a gente ali mais próximo da notícia, do que acontecendo”, diferencia Mariana Castro, sobre sua atuação como correspondente do Brasil de Fato, agência de notícias em formato de site, rádio, podcast, audiovisual e impresso, no Maranhão e na região amazônica.

Mariana exerce a correspondência de forma remota. Ela está inserida na porção amazônica maranhense e tem contato com a realidade local. Seu papel de correspondente torna mais prático o acesso da agência aos acontecimentos da região, fazendo com que circulem para outros estados em forma de notícia.

Jornalista costuma trazer vozes pouco ouvidas pela mídia tradicional (foto: divulgação)

“A maioria das pautas sou eu mesmo que sugiro. Geralmente, na reunião, eu levo duas propostas e a gente vai definindo o que é melhor para aquele período”. Mariana revela que as ideias das matérias são debatidas de forma tranquila no mesmo encontro e, na sequência, ela segue o seu trabalho. Uma reportagem entregue em um dia, acaba sendo trabalhada em uma semana, pois pode ser desenvolvida nos demais veículos da agência.

Uma das que ela mais gostou de produzir, por conta do resultado da circulação em outros espaços, foi a reportagem “Guardiões da Floresta”, sobre o grupo indígena que protege a Terra Arariboia, localizada no sul do Maranhão. “Eles gostam mesmo que sejam bem compreendidos, eles mesmos querem ser representados nesse sentido, querem que seja dito aquilo ali”.

*Este texto é resultado de um exercício de entrevista coletiva realizado na disciplina Redação Jornalística, do primeiro semestre do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz (MA). Os e as estudantes pesquisaram sobre a entrevistada, elaboraram as perguntas, executaram a entrevista e transformaram as declarações em textos jornalísticos. Esta é a primeira publicação oficial deles e delas.