Vila Junina movimenta a cidade de Vila Nova dos Martírios

Miqueias Razias

Festa reúne todos os anos, na praça central, amantes e brincantes do São João

Vestidos rodados, babados, bandeirolas, laços e comidas típicas marcam a Vila Junina, evento anual que acontece no mês de junho na cidade de Vila Nova dos Martírios, no Maranhão, trazendo consigo uma explosão de cores, sons e tradições que animam moradores e visitantes.

A praça Davi Alves Silva, coração da cidade, se transforma em um verdadeiro arraial, com bandeirinhas coloridas enfeitando o céu e um palco montado para receber as apresentações. As escolas de ensino fundamental e médio preparam suas quadrilhas com meses de antecedência, apresentando a cada ano temas criativos e coreografias que encantam a todos.

Raízes do Sertão

Com cor e alegria, as quadrilhas juninas mantêm viva a tradição local (foto: divulgação)

A junina Raízes do Sertão, que fez sua estreia em 2023, destacou-se pela autenticidade e paixão com que apresentou as tradições sertanejas e nordestinas. A apresentação teve como tema O Auto da Compadecida, obra de Ariano Suassuna. Com passos sincronizados e figurinos caprichados, a quadrilha rapidamente conquistou o público, tornando-se uma das favoritas e prometendo se firmar como uma atração indispensável nos próximos anos do evento. A junina foi criada pelo Grêmio Estudantil do Centro Educa Mais Josué Montello, da cidade de Vila Nova dos Martírios. A presidente do grêmio, Virgilina Soares, conta que dançou pela primeira vez em festa junina somente quando a quadrilha foi criada, no ano passado.

Os ensaios da Raízes do Sertão aconteceram diariamente, durante quatro meses, até o dia da apresentação. Virgilina também acredita que a tradição junina continua sendo mantida, mas que está perdendo a essência conforme o tempo. “Antes era algo mais raiz, como Luiz Gonzaga, Mastruz com Leite”. Ela considera que criar uma quadrilha e levá-la adiante é um trabalho muito difícil, e confessa se emocionar toda vez que o período festivo chega. “Eu lembro que quando tentamos, nós conseguimos, e sempre me emociono.”

A estudante Maria Clara Oliveira, que foi brincante da junina, começou a dançar ainda criança. Com 17 anos, decidiu integrar-se ao elenco da Raízes do Sertão, inspirada principalmente pela nostalgia de relembrar os momentos marcantes de sua infância no período junino. Maria ainda recorda da ansiedade e da emoção que sentia antes de subir ao palco. “Foi uma das sensações mais legais que eu senti”. Ela acredita que o esforço que cada integrante colocou durante a a produção das apresentações os tornaram únicos. “Todo ano, é algo muito lindo de fazer parte”. Em 2024, a junina não se apresentou, mas permaneceu destacada na memória de quem participou ou a assistiu.

Maria e a noiva da junina, Francielle Piolli, antes do show (foto: acervo pessoal)

“Quando cheguei há 24 anos, a festa durava oito dias. Era uma disputa de quadrilhas locais e de outros lugares”, conta Anália Barbosa. Empresária do ramo hoteleiro na cidade, ela destaca que o período junino  compõe a cultura local e tem um impacto positivo na economia de Vila Nova dos Martírios. Em relação à hotelaria, Anália afirma que o fluxo de turistas e a procura por hospedagem aumentam significativamente durante esse período, gerando um aumento nos negócios. Além das festas juninas, outros eventos, como o aniversário da cidade, enduros (modalidade de motociclismo), vaquejadas e o Carnaval também marcam alta temporada para o setor hoteleiro local.

Luar do Sertão

A Luar do Sertão também fez sua estreia em 2023. Desde sua criação, a junina valoriza a representação de aspectos culturais como religião, crenças, danças e passos regionais, mesmo com as limitações de não ser uma quadrilha de grande porte. Em 2024, o tema foi O Amor nos Uniu Pela Fé e teve como inspiração o clássico Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Evelyn e Kauã Monteiro foram os noivos da Luar, em 2024 (foto: acervo pessoal)

Evelyn Oliveira, que foi a noiva da junina Luar do Sertão em 2024, expressa um amor profundo pelo São João, uma paixão que a acompanha desde criança. Embora suas lembranças da época sejam vagas, ela apenas recorda com carinho de ser “a rainha da pipoca”.

Para Evelyn, as festas juninas têm uma importância cultural que deve ser preservada,  e  a  preparação  para  o evento é intensa, durando de três a quatro meses. Durante esse período, o grupo enfrenta vários desafios, mas o maior deles é garantir que tudo esteja pronto no dia da estreia.

A satisfação de Evelyn vem do reconhecimento do público, especialmente quando é elogiada após as apresentações. Como no emocionante espetáculo em São Pedro da Água Branca, onde, apesar de um imprevisto com o figurino, ela conseguiu apresentar uma performance memorável. “Minha roupa abriu e mesmo assim eu consegui entregar o que eu prometi e fui aplaudida e elogiada”, relembra. Para o futuro, Evelyn sonha alto. “Em 2025 espero dançar no Arraiá da Mira, e que nossa junina continue crescendo e sendo reconhecida”.

Renan Freitas, que em 2024 representou a dama na junina, descreve a quadrilha como uma fonte de alegria e uma importante manifestação cultural para a comunidade de Vila Nova dos Martírios. Para ele, as festas juninas simbolizam união e são aguardadas ansiosamente todos os anos. Com uma trajetória que começou aos 12 anos de idade, Renan destaca a evolução do evento, lembrando que no passado havia pouco apreço pela quadrilha, mas hoje o público valoriza a cultura e aguarda com entusiasmo. “Uma coisa essencial é a população e a prefeitura de Vila Nova, sempre apoiarem a nossa cultura.”

Apesar da excelente organização no ano anterior, Renan observa que, em 2024, o foco no evento foi prejudicado por ser um ano de eleições. “O povo parece que nem ligou pra quadrilha, só botaram lá pra dançar mesmo”. Mesmo assim, ele acredita que o apoio da prefeitura e a paixão de quem realmente gosta de dançar são essenciais para manter viva a tradição.

Representar a dama foi um marco em sua vida, especialmente por ser um dos primeiros homens gays a assumir esse papel na Luar do Sertão, recebendo elogios e reconhecimento. “Sempre quis fazer o papel da dama na quadrilha. Foi uma das experiências mais incríveis que já tive”.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, chamado “Meu canto também tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.