Vidas Negras Importam: reflexos do Black Lives Matter no Brasil

Movimento busca combater o racismo estrutural

Texto: Lorena Guimarães e Valéria Rosa

Foto: Isabel Praxedes

E o movimento Black Lives Matter no Brasil? Para a psicóloga e consultora de representações raciais e de gênero, Deborah Medeiros, no Brasil não temos nada concreto ainda e só estamos nos posicionando a partir de hashtags. “O movimento vidas negras importam é um movimento dos Estados Unidos, organizado em várias cidades. Então você consegue chegar numa sede, num presidente, numa organização, você consegue chegar nas pessoas que lideram isso. Enquanto no Brasil é uma ideia, é algo que a gente afirma com uma hashtag, a gente afirma politicamente”.

Em 2013, nos Estados Unidos, um caso gerou revolta na população, fazendo com que a hashtag Black LivesMatter (Vidas Negras Importam, traduzido para o português) surgisse e ganhasse notoriedade. Tratava-se da absolvição de George Zimmerman, um segurança branco, que em 2012, enquanto trabalhava em um hotel na Flórida, atirou e matou Trayvon Martin, adolescente afro-americano, de 17 anos. Ainda em 2013, só que dessa vez no Brasil, no Rio de Janeiro, o caso do pedreiro Amarildo também gerou algumas manifestações de revolta. Amarildo estava retornando de uma pescaria no dia 14 de julho quando foi detido e levado para Unidade de Polícia Pacificadora da Favela da Rocinha. Desde então desapareceu e nunca mais foi visto com vida.

Os anos se passaram e casos como esses continuam acontecendo em vários países, principalmente aqueles que no passado foram escravocratas. Nos Estados Unidos, este ano, um outro acontecimento fez com que o movimento Black Lives Matter reacendesse com mais força, após um episódio de violência institucional:  um policial branco acabou tirando a vida de George Floyd, homem negro que morreu asfixiado pelo joelho do policial, enquanto dizia repetidas vezes que não estava conseguindo respirar. O caso levou milhares de pessoas às ruas, até ultrapassar as fronteiras norte-americanas e fez com que atos contra o racismo e em memória de George se estendessem para outros países em que casos semelhantes acontecem, como no Brasil, França e Alemanha.

Após as ondas de protestos nos Estados Unidos, o movimento Black Lives Matter ganhou maiores dimensões no Brasil, a fim de acabar com a banalização do genocídio de jovens negros nas favelas e mortes com motivações racistas em geral. Como por exemplo, a morte do estudante João Pedro, de 14 anos, alvejado nas costas por um tiro de fuzil dentro de sua casa, em operação policial na favela do Salgueiro, no dia 18 de maio deste ano.

Segundo Deborah, o que há de comum entre Brasil e Estados Unidos é a natureza política dos movimentos, ambos pautados na afirmação e tensionamento político. Trazem o discurso de que a população negra não vai aceitar que suas vidas sejam colocadas com menos valor das demais. Para a psicóloga é este objetivo que une o movimento mundialmente. “Então assim, são movimentos políticos. O que tem de união entre Brasil e Estados Unidos e outros países é afirmar e intencionar politicamente, dizendo que não vamos aceitar que nossa vida seja colocada com menos valor, acho que isso que nos une”.

O movimento Black Lives Matter busca combater o racismo institucional e as demais violências impregnadas na sociedade contra a população negra, que se manifestam por meio de pessoas comuns e agentes da lei, como policiais ou o sistema judiciário. Diante dessas injustiças, busca também ressaltar o valor da vida negra.

De acordo com o site oficial do movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos, sua atuação consiste em: “uma intervenção ideológica e política em um mundo onde as vidas dos negros são sistematicamente e intencionalmente alvos de morte. É uma afirmação da humanidade do povo negro, nossas contribuições para esta sociedade é nossa resiliência diante da opressão mortal.”

Dados

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) possui um estudo com dados do ano de 2018 acerca das condições de vida da população brasileira, considerando cor ou raça na identificação de vulnerabilidade econômica e social da população. Por meio dos números apresentados pelo IBGE, frutos de pesquisas domiciliares, percebemos que as condições da população negra, além de não serem favoráveis, chegam a ser prejudiciais ao desenvolvimento humano.

Averigua-se que no mercado de trabalho a população negra é menos favorecida, não conseguindo ocupar nem metade dos cargos de gerência no país. A distribuição de renda mostra que os negros são maioria na ocupação de pessoas abaixo da linha da pobreza. No cenário educacional os problemas permanecem, uma vez que a população negra é a que tem maior índice de analfabetismo. E quanto à representatividade no espectro da política, os negros permanecem sendo minoria. Esses dados revelam que os negros apenas “ultrapassam” os brancos em estatísticas negativas, quando se trata de um dado positivo, a população negra é a que aparece em último.

A violência é um grande problema do Brasil, mas os dados mostram que a população negra é a mais afetada por essa questão. Segundo o Atlas da Violência de 2020, os negros, no ano de 2018, foram os mais assassinados em números gerais no país. A porcentagem de homicídios contra pessoas negras também se sobressai no número de mortes decorrentes de intervenções policiais, o que reforça a ideia de genocídio negro por parte do estado. A polícia brasileira comete erros que geram a morte de pessoas negras com frequência desproporcional.