Repórter: Eduardo Jorge e Lauanny Alencar
Fotos: Eduardo Jorge
O médico urologista Orcece Carneiro tem uma trajetória marcada por dedicação, escolhas importantes e retorno às origens. Após concluir o ensino médio em 2007, ingressou no curso de Medicina no ITPAC (Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos), em Araguaína (TO), onde se formou. Iniciou sua vida profissional em Brasília, onde realizou residência médica em cirurgia geral no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), e posteriormente chegou a iniciar uma especialização em cirurgia do aparelho digestivo na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), que acabou abandonando ao perceber que aquela não era sua verdadeira vocação.
De volta ao Maranhão, trabalhou como cirurgião geral por alguns anos, até decidir seguir um novo caminho: a urologia. Em 2020, prestou nova prova de residência e foi aprovado novamente no HRAN, mas com a chegada da pandemia, o hospital tornou-se referência nacional para tratamento da Covid-19. Por isso, sua formação foi transferida para o Hospital de Base de Brasília, onde concluiu a residência em 2023. Ainda na capital federal, foi incentivado por colegas a retornar a Imperatriz, onde havia demanda pela sua especialidade — e também pelo desejo da esposa, Jarlleny, que é natural da cidade.
Desde julho de 2023, o médico está de volta à sua terra natal, onde atua em múltiplas frentes: atende em clínica privada como urologista, é concursado como cirurgião geral no Hospital Municipal de Imperatriz (Socorrão) e também realiza atendimentos urológicos no próprio Socorrão e no Hospital Macrorregional. Sua experiência em diferentes regiões do Brasil e a vivência intensa durante a pandemia moldaram sua abordagem profissional, marcada pelo compromisso com a informação e a prevenção.
Na entrevista a seguir, o médico fala com franqueza sobre os principais tabus da saúde masculina, como o medo do exame de toque retal e a resistência dos homens em buscar atendimento preventivo. Ele também comenta os altos índices de câncer de pênis no Maranhão, explica com clareza os cuidados necessários com a higiene íntima, fala sobre a vasectomia e desmistifica crenças populares sobre o procedimento. Dados indicam que o Maranhão lidera os casos da doença, com uma das maiores taxas do Brasil, frequentemente associadas à má higiene e à falta de informação.
O urologista também aborda temas pouco explorados, como a baixa presença de mulheres na urologia, especialidade que ainda é 97% masculina, segundo a NeuRo (Núcleo de Estudos em Onco-Urologia) e a importância de construir um ambiente acolhedor para homens homossexuais, bissexuais e pacientes LGBTQIA+. Ele defende que o consultório urológico deve ser um espaço de escuta, respeito e orientação, livre de julgamentos e preconceitos. Para o médico, a informação é a melhor ferramenta de prevenção — e falar abertamente sobre o corpo, o sexo e a saúde é o primeiro passo para salvar vidas.

“Esse aumento na procura significa que o homem se cuida mais, porque antes tinha um tabu muito grande que a vasectomia poderia causar impotência, alteração ejaculatória, que ela não causa“
Imperatriz Notícias: Dados recentes indicam que o Maranhão, tem uma das maiores incidências de câncer de pênis no Brasil, cerca de 6,1 casos por 100 mil habitantes. Qual a relação direta entre a higiene masculina e a prevenção dessa doença?
Orcece Carneiro: É o Maranhão, ele é um dos estados mesmo. Ele fica, na verdade, ali equiparado com o Tocantins, toda essa região tem a maior incidência de câncer de pênis do Brasil. A principal causa do câncer de pênis é a falta de higiene, principalmente nos pacientes que têm fimose que não conseguem expor bem o pênis para fazer a limpeza. Isso vai gerar uma inflamação crônica na região e ela tem uma tendência a formar câncer. Então, o principal fator que causa o câncer de pênis é a má higiene.
IN: Mais de 90% desses casos são associados ao HPV, a fimose ou falta de higiene. Então, considerando que a má higiene é um fator de risco, qual o passo a passo fundamental para uma higienização eficaz que todo homem deve saber?
OC: Então, a principal coisa é o que? É expor o pênis. O homem tem que retrair o prepúcio, expor a glande e fazer a limpeza adequada, só que muitos não conseguem porque tem a fimose. A fimose é o prepúcio em si que tem uma pele elástica, tem uma elasticidade naquela pele, a fimose é um tecido cicatricial duro que não permite que tenha essa complacência, então a pessoa não consegue expor a glande completamente. Então, algumas vezes não é nem questão só de ato de higiene em si, mas é porque tem uma alteração anatômica ali que não deixa a pessoa limpar o pênis e ele realmente não sabe que isso precisa ser feito. A principal coisa que a gente pode utilizar é a informação, não tem pra onde correr, informação é o principal para praticamente todas as doenças e no câncer de pênis também.
IN: A vasectomia tem tido um aumento expressivo no Brasil, com um crescimento de 40% nas cirurgias entre 2022 e 2024, especialmente após a mudança na lei que facilita o acesso. O que motivou esse aumento na procura e o que a vasectomia realmente implica para a vida sexual masculina?
OC: Esse aumento na procura significa que o homem se cuida mais, porque antes tinha um tabu muito grande que a vasectomia poderia causar impotência, alteração ejaculatória, que ela não causa. Porque a vasectomia é o que? Ela é uma cirurgia onde a gente retira um ducto chamado ducto deferente, que é um ducto por onde passa o espermatozóide do testículo até a vesícula seminal, para poder sair no esperma do homem. Quando a gente retira isso, o semem produz normalmente, a ejaculação é normal, só que não vai ter nenhum espermatozóide. Tem a questão do tabu, que fazer vasectomia vai ficar impotente, que já está caindo por terra. Tem a questão do homem atualmente, com mais acesso de informação, ele está puxando para si mais essa preocupação com a saúde, que antes quem se preocupava com a saúde do homem era a mulher dele, a esposa, mãe, no caso. Então, é mais uma mudança de como o homem está encarando a saúde dele e a gente pode ver também, que está tendo alteração em demografia populacional no mundo inteiro, a gente está tendo a questão do alargamento do topo da pirâmide etária, a gente está tendo menos concepção. Antigamente era normal o número de filhos ser algo em torno de 4 a 5. Hoje, a média mundial, por casal, está gerando algo em torno de 1.2 a 1.4, se eu não me engano. Então, como a gente está tendo uma menor taxa de concepção, o homem mais preocupado com isso, tem mais ou menos procurando vasectomia. E como a vasectomia é um procedimento menos invasivo, uma cirurgia esterilizadora na mulher envolve abrir a barriga da mulher, fazer uma laparotomia, que a gente chama. Então, é muito mais invasivo, e o homem está mais disposto agora, os casais estão optando mais pela vasectomia do que pela laqueadura tubária.
IN: A urologia ainda é uma especialidade majoritariamente masculina no Brasil, com mulheres representando apenas cerca de 2,9% dos profissionais da área, segundo a Demografia Médica — sendo, inclusive, a especialidade médica com o menor número de mulheres. Na sua avaliação, a que se deve essa baixa representatividade feminina na urologia? E quais caminhos podem ser trilhados para romper esse estigma e incentivar a presença de mais mulheres na especialidade?
OC: Então, na verdade, as mulheres urologistas, a Sociedade Brasileira de Urologia chama elas de Orquídeas. Nós temos 175 mulheres urologistas, pelo último censo, se eu não me engano — o censo de 2025. O que a gente tem que entender é que há duas questões principais. A primeira é que, como tratamos da parte sexual masculina, há um certo desinteresse do público feminino. Também existe muito preconceito. Por exemplo, na minha residência, que é uma das mais antigas do Brasil, em 40 anos formou apenas uma mulher — a doutora Catarina, minha R+, um ano à minha frente. Mas isso tem mudado. Desde que saí da residência, todo ano entra de uma a duas mulheres. A outra questão é que a residência médica é extremamente desgastante. Há quem faça até 100 horas por semana. Para ser urologista, é preciso antes fazer cirurgia geral, que já é puxada. A urologia exige ainda mais. Existe humilhação, assédio moral, desistências — o bullying faz parte da residência, assim como, para alguns, faz parte do desenvolvimento humano. Isso afasta muitas mulheres Ainda assim, o cenário está mudando, e temos cada vez mais urologistas mulheres.

“Médico não tem sexo, não é homem nem mulher, médico só tem que ser competente”
IN: Considerando a necessidade de quebrar tabus, na sua opinião, a presença feminina na urologia pode contribuir para desmistificar esses preconceitos e incentivar mais homens a buscar a prevenção, especialmente aqueles que se sentem mais à vontade com médicas?
OC: Com certeza. Na verdade, porque a gente fala muito, ah, não, tem que ter mais mulheres na medicina. Médico não tem sexo, não é homem nem mulher, médico só tem que ser competente. A gente precisa de mais médicos competentes, não importa se seja homem ou seja mulher. A mulher tem mais delicadeza, com certeza. Tanto que grande parte das mulheres urologistas, elas estão atuando na área de uropedriatria, que é uma área que eu atuo também. Mas, quanto mais mulheres a gente estiver próximo para tratar, é melhor, porque a mulher tem uma delicadeza que o homem nunca vai ter. Então, quanto mais, sempre melhor.
IN: E sobre homens homossexuais e bissexuais? O preconceito ou medo de exposição faz com que eles procurem menos urologista?
OC: Em relação à população LGBTQIA+, pode ser que se sinta um pouco intimidada e tenha uma certa dificuldade. Principalmente os médicos mais antigos podem ter um certo preconceito, mas isso é geral nacional. Por exemplo, se a gente for comparar a geração Boomers com a geração Z, por exemplo, a gente tem uma visão de sexualidade completamente diferente. Então, pode ser que seja um pouco mais complicado com médicos antigos. Mas tem muitos pacientes da comunidade que nunca percebiam neles nada assim que eles não sentissem a vontade. Consultório de urologista, por mais que não seja um termo bom para se usar, esse é um lugar de se falar sacanagem. Aqui não tem que ter medo de nada, não tem que ter tabu com nada, porque a gente está aqui para tentar ajudar. Como a gente mexe diretamente com a sexualidade, a gente não pode ter uma parede entre eu e o paciente. Não importa a sexualidade dele, ele goste de homem, mulher, cachorro, cavalo, não importa. O que a gente tem que ter é essa proximidade para eu conseguir melhorar a vida dele do que eu puder. Também esse ponto.
IN: O que você faz para acolhê-los com segurança e respeito, dependendo se esse paciente for LGBTQIA+?
OC: O paciente LGBTQIA +, é um paciente como qualquer outro. Eu tenho que fazer o quê? Acolher, entender o que ele está querendo, saber a dúvida dele. Isso é o principal, porque dúvida é pior do que doença. Uma dúvida que não é sanada, deixa a pessoa completamente louca. Então, é explicar, do jeito mais simples possível. Algumas pessoas têm mais conhecimento do termo técnico, a gente pode explicar o termo técnico? Pode, mas eu vou conversando com a pessoa para ver o que ela entende. Mas, é tentar sanar a dúvida. Não importa qual seja a orientação sexual, qual seja o gênero, não importa. É tentar sanar a dúvida. Isso é o mais importante.
IN: A SBU, que é a Sociedade Brasileira de Urologia, aborda a baixa lesão dos homens aos exames preventivos, resultando em diagnósticos tardios de câncer. Muitos homens ainda evitam exames de rotina, como o de toque retal para a próstata, por medo de desinformação ou preconceito. Como se pode combater essa resistência e simpatizar a importância vital desses exames para um diagnóstico precoce?
OC: A gente evita praticamente qualquer doença. Informação, tá? Câncer de próstata, ele é uma doença lenta, que não causa sintomas até que seja tarde. Mas, quando ele está avançado, metastático, quando ele espalha para o corpo, ele causa o que a gente chama de metástase óssea. Metástase óssea é quando o tumor se implanta nos ossos do corpo. É uma das piores dores que existem. A pessoa morre com uma dor excruciante. Ela, inclusive, pode, ao caminhar, por exemplo, se tiver metástase nos ossos dos pés, por exemplo, em uma simples caminhada ela pode fraturar os ossos do pé, fazer o que a gente chama de fratura patológica. Então, é informação. É a gente fazer a pessoa entender que, ah, não, toque retal, por exemplo, não necessariamente todo homem que vai ao neurologista, apesar do toque retal. E por mais que, ah, não, toque retal vai desmasculinizar. Não vai. É um exame físico, um exame como qualquer outro. O mais importante é a informação, a gente está tendo uma mudança expressiva na saúde do Brasil, porque a gente tinha esse tabu muito grande, mas dá para perceber que está dando uma mudada.
Tem pacientes cada vez mais jovens procurando, os pacientes idosos estão conseguindo entender que precisam se cuidar, porque é típico do homem não se cuidar. O homem cuida de todo mundo, menos dele. Só que aí a gente está tendo essa mudança. O homem está começando a se preocupar mais com a saúde, se preocupar com o que ele come, diminuir excesso de álcool, parar tabagismo. Então, o homem está mudando um pouco essa mentalidade dele para se cuidar mais. Eu acho que daqui a uns 10, 20 anos vai ter um melhor expressivo em relação a isso, porque o homem que está procurando mais informação e quer se cuidar, ele não adoece. O homem que não adoece, cuida melhor da família. E tudo isso vira uma cascada para melhorar a sociedade no geral.
IN: Que dado estatístico gostaria que todos os homens soubessem antes de evitar o urologista?
OC: Quando a gente fala de estatística, eu não lembro se quem falou foi Voltaire, mas que estatística é mentira com números. A estatística depende muito de como você interpreta ela. Eu posso te dar, por exemplo, um estudo que tem um grau de confiança, que a gente fala que tem um grau de confiança como o 001, só que com os dados se inter passando, ele não vai servir de nada. Estatística é muito importante, mas se eu tivesse uma informação que eu queria que o homem soubesse, para ele saber disso, é saber que o câncer de próstata mata com uma das piores dores que ele pode sentir na vida. Porque estatística, para uma pessoa, pode importar, mas o emocional da pessoa pesa mais pra ela se cuidar. Se ela souber a dor que ela pode sentir, o sofrimento que ela pode passar, não tem estatística que vá refletir mais do que isso.