O universo das influencers mirins: trabalho ou diversão?

Compartilhar a vida pessoal, ganhar dinheiro ao divulgar marcas e produtos e conquistar milhões de seguidores é uma realidade vivida por crianças em Imperatriz.

Por Ana Beatriz Ibiapino, André Ribeiro, Brenda Lima, Elda Carvalho e Nathiely Dias

 

Com a popularização das redes sociais que teve início nos anos 2000, plataformas como Youtube, Facebook, Instagram e Tiktok se tornaram espaços com grande potencial de produção e distribuição de conteúdo. No Brasil, a plataforma de compartilhamento de vídeos, Youtube, se tornou um dos espaços favoritos dos brasileiros, para a criação e divulgação de vídeos com conteúdo autoral. A atividade se tornou tão popular, que deu origem ao termo “influencer digital”. A profissão tem ganhado cada vez mais espaço no mercado. De acordo com a pesquisa “ROI e influência 2021” feita pela YouPix com anunciantes indicou que 71% planejam investir mais na categoria em 2021, do que investiram no ano anterior.

A nova profissão rende a muitos brasileiros, milhões de seguidores nas redes sociais, além de faturarem milhões de reais com a divulgação de marcas famosas. Em meio a esse cenário, novos protagonistas têm dominado a internet: são as crianças, também conhecidas como “influencer digital mirim”.

Esses pequenos influenciadores fazem parte de um grupo já inserido no meio digital. Alguns, antes mesmo de nascerem, ganham um perfil na internet. Os pais compartilham tudo, desde o período da gravidez, o nascimento e os primeiros meses da criança, trazendo grande exposição aos filhos.

Para a pedagoga e professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Daniela Cortez, a relação das crianças com a tecnologia é algo inevitável. Ela também entende que o acesso ao digital em si, não pode ser encarado como um problema: “o problema não é a relação com a tecnologia, é como você destina o tempo da infância com essa tecnologia”, enfatiza a professora.  Por isso, é necessário que os pais façam a mediação do tempo dessa criança com o digital.

Segundo estudo realizado pela pesquisa TIC Kids online Brasil de 2016, 86% das crianças e adolescentes de 9 a 17 anos possuem perfis próprios nas redes sociais. Uma outra pesquisa da ESPM Media Lab de 2016 mostrou que no Youtube, a audiência aumentou de 20 para 50 bilhões de visualizações de vídeos voltados ao público infantil entre 2015 e 2016.  A categoria de Youtubers mirins cresceu 564%.

Em relação às crianças “influencers digitais”, Daniela entende como uma questão delicada, que precisa ser analisada. “A ponderação que eu faço é: até que ponto a exposição dessa criança é um movimento natural com os dons artísticos dela, ou é algo dos pais em estarem fazendo uma projeção com os filhos”, alerta Cortez.

Pequenas blogueirinhas

Em Imperatriz, perfis de crianças influenciadoras têm se tornado cada vez mais comum. No Instagram, as pequenas bloguerinhas seguem uma rotina de divulgação de loja, semelhante à das influencers adultas.  A imperatrizense Isadora Martins, 11 anos, é uma das bloguerinhas mirins que se destaca na cidade. No seu perfil do Instagram acumula um total de 66, 3 mil seguidores.

A mãe Erenilde Martins, bacharel em Direito, é a responsável pela administração da conta da criança, compartilhando o dia a dia no stories, mostrando as sessões e ensaio de fotos, além de postar no feed os looks das lojas patrocinadoras. Segundo Erenildes, a filha começou na televisão aos 4 anos participando de um comercial, porém não tinha notado o lado artístico da filha. Ela também enfatiza que foi algo natural da Isadora. “Depois que ela gravou o comercial para TV, ficou encantada, daí surgiu seu interesse”, relembra a mãe.

Erenilde comenta que quando as coisas começaram a dar certo, procurou entender como funcionava as diretrizes do Instagram, e também a filtrar certos tipos de conteúdo, para proteger a imagem da filha. Além de não permitir que Isadora tenha acesso direto à sua conta na plataforma e nem do canal do YouTube, a mãe também é responsável pela produção das fotos. “Eu não queria que ela tivesse contato com outros fotógrafos, em relação a ela estar protegida”, argumenta.

A pequena Hellen Caroline, 12, é outra criança que se destaca nas redes sociais, atua há três anos como influencer no Instagram. Em relato, a sua mãe, Elenir Carreiro diz que a conta da menina é vinculada à sua e que tudo passa por ela. “Temos sempre que ficar de olho bem aberto”, respondeu ao ser questionada sobre quais as precauções ela toma em relação a proteção da filha nos ambientes virtuais.

A mãe da influencer mirim conta que as atividades realizadas para o perfil do Instagram, como ensaio fotográficos, reuniões e etc., nunca impediram a menina nos estudos, pelo contrário. “Hellen é uma ótima aluna”, ressalta a mãe, que sempre encontra um horário que não seja o da aula para realizar as atividades junto aos patrocinadores. Assim, a filha consegue ter um bom desempenho escolar.

Nenhum dos trabalhos da menina, segundo Elenir, é feito por obrigação, mas por vontade da criança: “ela só faz quando ela quer”. A mãe também aconselha aos pais de crianças que querem ser blogueiras, que ajudem a criança a conciliar as parcerias sem atrapalhar os estudos.

Trabalho ou Diversão?

De acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) considera-se como criança, a pessoa até 12 anos de idade, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. O estatuto foi instituído pela Lei 8.069 no dia 13 julho de 1990, para garantir que a criança seja criança e todos os seus direitos sejam respeitados. Estão previstos os direitos à vida, à saúde, à liberdade, à dignidade, a convivência com a família, a educação, ao lazer entre outros. O ECA também determina que é proibido o trabalho para crianças com idade inferior a 16 anos.

Ser criança é ter liberdade de explorar um milhão de coisas ao seu redor. Estudar, ler, brincar, correr, sorrir e chorar. A infância é a fase mais importante para desenvolvimento e formação de futuros adultos. Atualmente, o sucesso midiático de uma criança, o glamour e fama, tem sido visto como algo normal. Isto exige que os pais e a sociedade estejam atentos aos danos sociais e psicológicos que tais atividades, da rotina de influencer, podem causar na vida e no aprendizado da criança.

Para a professora e doutora em Linguística da Universidade Federal do maranhão (UFMA), Regysane Botelho, o feed das redes sociais da criança não representam a realidade dela. Para a pesquisadora na área da análise do discurso crítica, a imagem delas está associada à lógica mercadológica: o oferecimento de um produto, de um look etc., em fotos não do seu dia a dia, mas planejadas e editadas para incentivar a compra pelos seus seguidores. “Não tem um perfil de uma criança, mas de um garoto ou garota propaganda que está vendendo uma imagem, um estilo de vida”, explica a professora.

Se tratando do influencer digital, no país ainda não existe uma lei para regulamentar a atividade, não podendo ser considerada como um trabalho. Por tanto, é necessário discutir a relação de trabalho que existe na vida dessas crianças influencer. Para muitas, a rotina na internet é vista como algo divertido. No entanto, mesmo que não se tenha um contrato de trabalho, essas crianças podem ficar sujeitas a obrigações e ao compromisso de trabalho com patrocinadores. Sendo assim fundamental, que os pais estejam atentos e sejam responsáveis pela proteção dos filhos.

“É importante que vejamos a criança e adolescente como um ser humano que está em fase de desenvolvimento físico, psicológico e cultural. Diante disso, é necessário que toda sociedade lute, esteja em defesa dos direitos da criança e adolescente”, enfatiza o advogado Márcio Ferreira.

Limite da Publicidade Infantil

Tiktok e Kwai vira febre entre a criançada. Foto: Ana Beatriz Ibiapino
Tiktok e Kwai vira febre entre a criançada. Foto: Ana Beatriz Ibiapino

A criança passa em média de 5h 35m por dia em frente à televisão e, 77% das crianças e adolescentes são usuários da internet, tais dados deixam exposto como a publicidade se faz presente na vida deles, segundo a pesquisa do Painel Nacional de Televisão de 2014. Ou seja, o uso da publicidade infantil, dialoga com este público afim de persuadi-lo através do desejo e consumo de serviços oferecidos diariamente.

O uso de ídolos infantis, desenhos animados, cores vibrantes e trilhas sonoras induzem aos vários produtos do mercado. Desta forma, às indústrias acabam compartilhando seus espaços, por exemplo com objetos de consumos desejados pela criançada.

No Brasil, publicidade destinada ao público infantil não é proibida. Contudo, existem leis e órgãos que regulam e garantem que essa publicidade não seja abusiva. Tanto o ECA como o Art. 37 do Código de Defesa do Consumidor consideram como abusiva toda publicidade que se aproveita da vulnerabilidade da criança.

Em 2014 também foi aprovada a resolução n° 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que considera abusiva a publicidade e a comunicação mercadológica dirigidas à criança. O Conselho considera prejudicial o uso de efeitos especiais e excesso de cores, representação de crianças ou celebridades com apelo ao público infantil.

Um outro órgão regulador, é o Conselho Nacional de auto-regulamentação publicitária (CONAR). A organização se dedica a fiscalizar a veiculação de anúncios e campanhas de conteúdo enganoso, ofensivo e abusivos. O que inclui também a regulamentação de publicidades que desrespeitem os direitos das crianças. O foco é a ética na publicidade.

Mesmo com a legislação brasileira e a atuação desses órgãos reguladores em relação a publicidade para crianças. Quando se trata da publicidade infantil na internet, não possuem especificações claras e diretas. O que permite que empresas usem da publicidade de forma nociva nessas mídias. Com o crescimento do público infantil nas redes sociais, é cada vez mais comum usarem a imagem de outras crianças com influência na internet, como estratégias de marketing para fidelizar esse público.

“A publicidade, ela tem a criança como um consumidor de longo prazo, você fideliza a criança porque ela será consumidora de determinado produto, de determinada marca até a sua fase adulta”, explica a especialista em análise do discurso, Regysane Botelho.

A pesquisadora analisa que, a maioria dos perfis das bloguerinhas não trazem uma representatividade para as crianças. “eles têm perfis mais associados à questão mercadológica e midiática, de projeção de uma imagem, de venda de produtos do que necessariamente de um espaço para crianças”. Destaca.

 

Reportagem produzida para a disciplina Direito e Legislação em Comunicação (2020.2), ministrada pela professora Nayane Brito.