Emanuely Victoria
Comerciantes acompanharam o crescimento do bairro e falam sobre concorrência
A Avenida J.K é uma das principais da cidade, com grande fluxo de transportes industriais, se conectando com bairros como Santa Rita, Boca da Mata e Cinco Irmãos, sendo uma das portas de entrada até a BR-010. Em uma ponta da avenida ficam distribuidoras como P.C.M. Frios e a Sítio Santa Maria, junto ao supermercado Casa Souza. Na outra, existe um cantinho mais humilde e calmo.
Com cadeiras já espalhadas pela calçada no aguardo de pessoas, um senhor está sentado à frente do balcão de seu comércio, que também é um bar. Alvino José de Carvalho, 76 anos, conhecido como ‘Seu Alvino’, é o símbolo desse pedaço da rua há cerca de 25 anos. “É bom demais, gosto de ficar aqui”. Nascido em Barão de Grajaú, próximo de Floriano, no Piauí, mora em Imperatriz desde 1969. “Aqui nem pensava em ser cidade… Bernardo Sayão não tinha nada, era só mato. Único lugar que achamos conveniente, foi aqui na JK”, contou.
Não muito distante, logo na próxima esquina, ao lado da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, Betesda, outro vizinho comerciante, aguarda os seus colegas e clientes já com as cadeiras postas debaixo da sombra de uma árvore na calçada. É o Açougue do Riba. José Ribamar Oliveira Santiago, 70 anos, ‘Riba’, está na JK com sua mercearia desde 2008. Vindo da cidade de Mirador, cresceu em Amarante, e com nove anos, mudou-se para Imperatriz, em 1968. Relembrou como era a cidade naquela época, enquanto procurava um lugar para morar, antes de se instalar no bairro Piauí. “A Dorgival Pinheiro era só chão de piçarra, se chamava BR-14. Imperatriz era do Timbira pra lá, pra cá era só mato, lugar da gente caçar, pescar, quebrar coco…”
Andando um pouco mais até o final do próximo quarteirão, as paredes vermelhas e o tapete na calçada são a porta de entrada dos clientes para mais uma figura bem conhecida da avenida, com o nome do comércio acima da entrada: ‘Mercearia do Padeiro’. O dono, Pedro da Silva de Jesus, 59 anos, o tal ‘Padeiro’, mora na avenida desde 1994. Nascido no interior de Barra do Corda, povoado Três Lagoas do Manduca, diz que trabalhava para sobreviver na roça, mas chegou em Imperatriz por puro acaso. De primeira, era para ser apenas um passeio na casa da sogra. “Chamei [a esposa]: ‘Bora dar um passeio na casa de tua mãe? Bora’. Aí combinemos, ajeitemos e viemo, mas aí, não voltamos mais.”
Três principais figuras da mesma rua, em três quarteirões diferentes, seguidos. Mas como fica a questão da clientela, a humanidade, o social, para estes comerciantes e seus negócios? Todos são conhecidos no bairro, mas cada um tem sua dificuldade, e histórias de origem individuais diferentes que compõem o cenário da grande Avenida JK.
Origem do Mercado
Por virem de outras cidades e às vezes do interior, foi complicado para se estabelecerem onde estão atualmente. Alvino morou de aluguel em outros bairros em busca de um local para chamar de seu, até adquirir a casa onde vive hoje em dia e estabelecer o seu comércio logo à frente. “Foi o lugar que deu, e não vou sair daqui”, afirma. Ainda no início do empreendimento, foi operador de máquinas pesadas. “Deixava a mulher aí com os meninos, no tempo que ainda era viva, e ia me virar com outras coisas, né?”. Alvino trabalhou tanto na prefeitura de Tucuruí no Pará, quanto na de Imperatriz. “De tudo eu trabalhava depois de ficar aqui”.
Desde que começou a trabalhar, com recém-completados 18 anos, como empregado de carteira assinada, Ribamar já sonhava ter um cantinho seu. “Mas minha ‘queda’ era sempre ter minhas coisinhas para trabalhar pela minha conta, pra vender. Nunca cresceu, tô do mesmo jeito, mas estou feliz com as minhas coisinhas”, comentou, cheio de humor. “Já trabalhei com transporte, fazendo poço artesiano, de tudo já fiz um pouco. Mas serviço pra mim mesmo é esse: trabalhar de açougue, que tenho até hoje, só de mim pra mim mesmo.”
Similar aos outros colegas, de origem humilde e árdua, Seu Padeiro nunca desistiu de suas pequenas economias. “Desde pequeno tive essa vocação de ter um comércio”. Revela, também, que já tinha tentado gerenciar outro estabelecimento. “Já tinha um comércio menorzinho com meu cunhado, na rua Francisco Coelho. Mas aí ele sempre dizia que ia me vender, até que um dia ele endoidou e me vendeu. E me deu a louca e eu comprei”. Tratando também de seu punhado de terra e das poucas cabeças de gado, acrescenta: “Tenho um pouquinho, mas a tendência é melhorar mais”.
Concorrência
Eles não são os únicos comerciantes da rua, e por estarem apenas separados por cada quarteirão, há uma certa rivalidade de mercado. Mas isso não parece atrapalhar, como se imagina. “Não, até agora não. Já veio vários comércios, mas ainda eu tô aqui”, esclarece Seu Alvino, num tom calmo. Mesmo tendo seus momentos críticos, nunca pensou em fechar o seu negócio, sendo passado de pai a filho.
Mesmo com a concorrência do supermercado maior, Casa Souza, que fica do outro lado da avenida, Alvino não parece perturbado. “Do mesmo jeito que tem o dele lá, tem o meu aqui”. Mas ele faz um alerta em relação a outro supermercado da BR-010, o Assaí Atacadista. “Atrapalha mais, porque ele é aqui pertinho. Aí o cara vem comprar aqui uma coisa pouca, quando é coisa maior vai comprar lá”, explica. No entanto, Alvino se conforta com a clientela. “Nunca me senti sozinho. Sempre teve cliente aqui”. E confirma: “Dá de me sustentar”.
Para Ribamar, o momento mais sensível para o seu comércio foi em 2018. “Já fiquei só com as tábuas na parede. Vendi três freezers para pagar as contas”, relata. Mas conseguiu reerguer e comprar tudo novamente em 2019. “O meu patrão aqui é o povo, o povo que paga meu salário”. Ribamar se emociona ao mencionar o companheirismo dos colegas. É esse respeito, é isso que me sustenta.”
Este sentimento também garante a confiança de se sentir seguro novamente em relação aos comércios rivais. “Aqui eu sou o salva-vidas. O vizinho, acaba as coisas dentro de casa e chega: ‘Seu Riba, me vende isso aqui fiado que minhas coisas acabaram!’ E eu vou e vendo”, assegura. Ele dá outro exemplo de camaradagem, relacionando com a concorrência do Assaí. “Você enche o carrinho, parcela em três vezes. No final do mês as coisas acabaram, aí não compra mais por que tá devendo.”
Dificuldade com a concorrência também foi o que o Seu Padeiro sofreu. “Já. Teve uns que entrou fazendo propaganda de comércio, sorteio e tudo”. Também tentaram derrubar seu comércio, por já ser bem conhecido da vizinhança. “Teve gente que chegou em mim: ‘É padeiro, agora tu vai se quebrar’. Mas se quebrar não tem problema não, eu já era fraco de condição, não vou estranhar não”, comenta, com resiliência. Com um sentimento de alívio, complementa: “Mas graças a Deus, os outros que se quebraram e eu ainda tô aqui, firme e forte”.
Sobre os supermercados, confirma que não se incomoda em nada com essa rivalidade. “Todos têm seus clientes. O bom que eu vendo coisa pouca, eles querem vender só de caixa”. Seu Padeiro reforça a irmandade e compreensão de preços com os vizinhos, às vezes ajudando por comercializar algo em momentos de emergência. “Eu vendo um ovo, uma caixa de fósforo, e aí vai levando. Olha, eu moro dessa distância, às vezes precisa de um ovo pra mistura do almoço, é obrigado me deslocar daqui, lá pro Assaí. Quase o mesmo preço, um ou dois ovos, não faz diferença correr por dez, vinte centavos daqui pra lá, e os vizinhos vão ajudando a gente.”
Crise e adaptação
Em 2020, a pandemia de Covid-19 impactou de maneiras diferentes os comerciantes, o que exigiu adaptações. “Foi difícil, bastante, mas passamos. Tanto que a pessoa chegava aqui e a gente ficava no recuo pra atender, com medo da doença, que era perigosa”, recorda Alvino. Ele sentia muito medo, e a questão da máscara atrapalhava ao reconhecer amigos e clientes que já eram frequentes. O que também foi péssimo, já que é de costume sentar na calçada para conversar e socializar com as pessoas. Mas, está com o comércio aberto e funcionando até hoje. “Me sinto bem, graças a Deus, satisfeito”.
Naquele mesmo período, Ribamar também sofreu por conta da crise sanitária repentina. “Muito difícil mesmo. Só quem sabe é quem tinha comércio, que não conseguiu levantar, mas eu sou teimoso. Não tinha nada, mas já cresci duas vezes, e vou mais”. Ele persistiu com seu comércio pequeno, e conseguiu se adaptar o suficiente para funcionar até hoje. Ribamar exibe o seu orgulho por morar em Imperatriz e de ter concretizado essa conquista. “Todo lugar a gente vive, mas pra viver melhor do que em Imperatriz, não tem outro lugar”. Com satisfação de tudo que passou, ressalta: “Gosto de ter o que tenho. Só o que eu tiver, o que Deus me deu, esse é o que é bom.”
Para Padeiro, o período da pandemia não trouxe tantos impactos como outros, por já estar acostumado com situações difíceis. “Mudou quase nada meu. Muita gente evitava: ‘Não entra, não entra’. Mas aqui pode entrar e seja que Deus quiser. E graças a Deus, não atingiu muito não”. Tendo enfrentado essa crise, ele ainda continua humilde. “Ainda sou o mesmo que eu era. Me sinto feliz, visto que antes não tinha nada, e hoje tenho o que comer todo dia”. Padeiro está realizado com o que possui, e se prepara para mais um dia de trabalho, tanto como os outros três comerciantes.
Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, chamado “Meu canto também tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.