A vida por trás do dinheiro fácil

O relato de três mulheres que trabalham na noite como acompanhantes.


Está reportagem é uma continuação da matéria que está no link https://imperatriznoticias.ufma.br/cidade/o-inicio-e-a-vida-de-tres-mulheres-que-trabalham-como-acompanhantes-de-luxo/ que conta algumas vivencias da vida de mulheres que trabalham em casas noturnas como garotas de programa. A matéria e as entrevistas são parte da construção de um livro reportagem.


Por Angela Lima e Ana Karla

“Scandalo, uma das maiores boates do Brasil localizado em São Paulo. Foto: Google fotos”

Mulheres que abriram mão de estarem perto de suas famílias, amigos e filhos pelo dinheiro “fácil”. Ana Júlia, paraense, 27, acompanhante há seis anos, Laura Alcântara, maranhense, 25, acompanhante há três anos e Eduarda Campos, gaúcha, 32, acompanhante há cinco anos. As jovens viajam pelo Brasil em busca de dinheiro para ajudar suas famílias. Ambas estão trabalhando atualmente no Estado de Goiás e contam um pouco do que está por trás do dinheiro fácil.

Comparado às outras partes do país, o Estado de Goiás nunca parou durante a Pandemia, por esta razão, tem sido bastante procurado pelas acompanhantes para trabalharem.

RELATOS

“Goiânia, porque é o lugar que está aberto desde o começo da pandemia”, explica Eduarda sobre a escolha do local de trabalho.

“A parte mais difícil é a saudade da mãe e dos filhos, deve ser mais fácil para quem não é mãe”, disse Ana Júlia. A acompanhante não é assumida para família, para eles ela tem um relacionamento em que o namorado à ajuda financeiramente.

Ana Júlia começou trabalhar como acompanhante em Goiânia há seis anos, hoje ela e a família tem uma estabilidade financeira. “Ver minha mãe na casa que ela sempre sonhou e poder dar uma vida boa para meu filho é a razão de continuar”.

Ana Júlia, Laura e Eduarda, o que essas mulheres têm em comum é a vontade de crescer na vida e ajudar suas famílias, mas cada uma delas carregam uma trajetória de lutas e dificuldades.

“Todas têm o psicológico fodido, não adianta, a mulher da noite cedo ou mais tarde vai ter problemas psicológicos, depressão ou algo do tipo”. Conta Laura.

LUTAS DIÁRIAS

Todos os dias saem de casa para uma luta diária no salão das casas noturna na busca do dinheiro fácil que de fácil não tem nada. “Você sai sem saber se vai voltar com a grana, a gente tenta, vai a uma mesa, vai a outra, uma hora tem que dar certo, nesse tempo entre as 21 horas as 4horas”, diz Laura. Ela conta um pouco de suas vivências. Laura começou a trabalhar na noite depois que separou do ex-marido e com o dinheiro que ganha ela mantém as despesas da filha de seis anos que mora com a vó no Rio Grande do Sul.

“Comecei mais nova, né. Hoje já tenho meus 32 anos e confesso que já foi melhor pra mim, a idade chega, infelizmente.” A gaúcha conta que já fez mais sucesso. “Bah, era a estrela do salão, colocava meu manto, saia branca e blusa preta, atendia dois numa noite, descia e subia os elevadores da boate para o quarto, ali já ganhava a noite, pelo menos 1500 por noite eu ganhava”, conta.

“Para ir trabalhar a gente tem que tá cheirosa, gastar com roupa, maquiagem, salto, uma noite de sono perdida, em hipótese alguma pode voltar para casa sem trabalhar”, relata Ana Júlia.

“No começo eu trabalhava uns quatro dias na semana de seis dias aberto, tirava ali em torno de 3 mil dependendo da semana e dos valores dos programas, hoje eu não saio de casa para não trabalhar, é ruim uma noite perdida”, conta Eduarda.

“Muitas mulheres se submetem a ser acompanhantes devido a grande quantia em dinheiro que pode-se ganhar em uma noite. Foto: Arquivo Pessoal”

Além da luta para conquistar os clientes na boate, Ana Julia, Laura e Eduarda tem as concorrentes das boates. Segundo elas, cada casa comporta pelo menos 60 mulheres por noite.

“É muita mulher, dependendo do dia tem mais ainda, tá você e mais 60 mulheres para trabalhar, tem que chegar chegando nos clientes mesmo, as tímidas ficam para trás, eu demorei um pouco para acompanhar o ritmo, é só vivendo mesmo”, disse Laura.

“Não adianta ninguém chegar na gente e falar que tem que chegar nos clientes, você vai observando o jeito que as mulheres trabalham e ver aquelas que saem todos os dias e aí você pensa, é assim que tem que ser”, explica Ana Júlia.

PANDEMIA

A Pandemia começou no Brasil em Março de 2020 e afastou todo mundo do trabalho presencial. Não foi diferente em algumas casas noturnas no Brasil que também tiveram as portas fechadas.

Ana Júlia, Laura e Eduarda contam um pouco como foi para elas na Pandemia.

“O trabalho diminui, mas não acaba, os homens vão atrás de sexo uma hora. O que mudou para mim foi ter que viajar para outro Estado, pois a casa que trabalhava no Rio Grande do Sul fechou”. Relata Eduarda.

“Eu estava em Goiânia há praticamente seis anos, essa doença mexeu demais comigo, vendi tudo que eu tinha, desfiz contrato de apartamento e voltei para casa para ficar com minha família, fiquei com medo e passei o ano de 2020 todo sem trabalhar, a sorte que tinha minhas economias e os clientes que ajudam mesmo na distância”, relata Ana Júlia.

Laura continuou a trabalhar no Estado de Goiás. “Posso dizer que ali por Julho de 2020 o movimento foi até melhor, tudo fechado no Estado, única opção era a boate, ganhei uma grana boa nesse tempo”, relembra Laura.

As jovens Ana Julia e Laura dizem não ter pegado covid. “Não sei se sou imune ao vírus ou se é Deus quem protege, porque sempre estive muito exposta durante todo esse tempo de pandemia e até onde sei, não peguei a doença”, conta Laura.

Eduarda já não teve a mesma sorte “peguei trabalhando, os sintomas foram leves, mas peguei. A gente fica com medo, mas as contas não param de chegar”, explica Eduarda.

“Eu fiquei com muito medo de pegar e ainda levar o vírus para minha família, isso me fez ficar parada por um ano, dinheiro também não é tudo, sem saúde não tem como ganhar dinheiro”, relata Ana Júlia.

ALGUMAS VIVÊNCIAS

Cada uma dessas mulheres tem histórias diferentes, lutas diferentes e experiências diferentes, única coisa que ambas têm em comum é o trabalho na noite. A partir de agora você vai acompanhar o relato de algumas das experiências dessas jovens e o que o trabalho na noite trouxe para suas vidas pessoais.

ANA JÚLIA

Ana está no ramo há seis anos, e nesse percurso o dinheiro veio junto com alguns vícios nas drogas.

“Meus clientes sempre foram os mais loucões, traficantes, empresários, bandidos, aqueles que chegavam na boate depois de 1 hora da manhã, o que esses clientes tinham em comum era o vício na cocaína, sintéticos e maconha, cada um em um grau diferente. Esses caras sempre vinham para mim, o perfil era sempre o mesmo. Passei a usar drogas juntos com eles, depois de um tempo comecei a traficar na boate, todos sabiam que eu curtia, então quando chegavam esses clientes os garçons já me indicavam”, relata.

“Foi o tempo em que eu ganhei mais dinheiro, mas eu cheirava muito, o dinheiro veio junto com o vício na época. Eu acordava e já dava um tiro (ato de usar cocaína). Entrei no vício, tive que voltar para casa e assumir para meus pais que estava viciada, foram momentos muito difícies na época, perdi muito peso, tive que fazer terapia, acompanhamento e tudo mais para sair do vício”, explica.

“O uso de drogas é algo comum entre as mulheres que trabalham como acompanhantes. Foto: Google fotos”

Ana conta que foi o que a noite trouxe para sua vida além do dinheiro e as outras coisas que o dinheiro compra.

“Hoje em dia eu ainda dou uns tirinho, fumo minha maconha, mas estou evitando tudo isso, percebi que eu rendo mais sem as drogas”, relata.

“Trabalhando como garota conquistei muitas coisas, mudei a perspectiva de vida da minha família, mas tive problemas com as drogas e essa foi uma das partes negativas que a “vida” me trouxe”, conta Ana.

LAURA ALCÂNTARA

Laura está na vida há três anos, e nesses três anos Laura passou a ter alguns problemas de saúde devido ao uso excessivo de álcool todas as noites, má alimentação e sono acumulado.

“Eu não tive problemas com álcool, mas a rotina nas boates a noite fez desencadear alguns problemas de saúde devido ao uso excessivo de álcool, má alimentação, noites de sono não dormida. Desenvolvi gastrite crônica, ansiedade e hoje eu tomo remédio para dormir”.

“Eu acho que minha experiência não está sendo péssima, mas tem algumas coisas que nós que trabalhamos com isso temos de nos policiar para evitar vícios e problemas de saúde, eu não digo que quero sair agora, ainda tenho algumas metas, mas eu penso em fazer outra coisa depois disso”, revela Laura.

EDUARDA CAMPOS

Eduarda está na vida há cinco anos e conta que já conquistou muita coisa nesse tempo.

“Eu reformei a casa da minha mãe, moro com ela porque ela que cuida da minha filha, então tenho que dar o conforto para elas, hoje tenho meu carro, tenho várias plásticas (risos) e dou todo conforto para minha mãe e minha filha. Eu gostava de ser casada, eu ainda quero isso para mim, uma família e sair da vida, mas eu sou uma mulher de muitos gastos, eu adoro uma plástica e hoje minhas contas são altas. Um salário de dois mil reais hoje não paga minhas contas”, explica.

“Hoje posso dizer que conquistei muitas coisas, boas e ruins também. Hoje eu e minha família temos uma ótima qualidade de vida e isso me faz ficar mais forte e aguentar a saudade de casa todas as vezes que preciso viajar, é tudo por ela (filha).”

“O trabalho como acompanhante proporciona para algumas mulheres uma vida de luxo. Foto: Arquivo Pessoal”

“Nesses anos eu já tive problemas de saúde, ansiedade a mil, já tive problemas com álcool e também com as drogas, hoje eu ainda uso, mas com menos frequência. A vida é viajar juntar dinheiro e ir para casa e assim por várias vezes repetidas nesses cinco anos”, explica Laura.

Por trás do glamour da vida de acompanhante, do dinheiro fácil, existem dificuldades que só as garotas de programa sabem.