A.G.: Uma mudança com oportunidade

Ressocialização:

Uma nova chance

A.G.: Uma mudança com oportunidade

Thayná Freire  O retrato do sistema prisional geralmente é assustador por causa dos estigmas do cárcere: insalubridade, morte e violência. Em vez de recuperação, nos presídios, os reclusos vão perdendo ainda mais a noção de humanidade e a sua dignidade, inclusive porque os direitos fundamentais assegurados pela Constituição não são cumpridos

Dentro dessa realidade, as condições carcerárias se tornam ainda mais degradantes, em especial por conta do preconceito. A ideia recorrente – na nossa sociedade – de que a pessoa encarcerada não se arrepende ou que não merece uma segunda chance, colabora para que os projetos e as iniciativas de ressocialização sejam tratados como perda de tempo, como só mais um gasto. Algo que não vale a pena.

Para mostrar que as oportunidades, o respeito e o enxergar o outro como um ser humano fazem diferença na vida de quem busca mudança e um recomeço, apresentaremos alguns dos detentos que fazem parte do projeto Construarte. Nele, sediado Penitenciária Regional de Imperatriz, os internos produzem diversas peças utilizando pallets como material. O projeto, desenvolvido pelo Governo do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), tem como objetivo a reinserção social da pessoa encarcerada através dos ofícios conjuntos da marcenaria e artesanato. Nosso primeiro personagem é o interno que chamaremos de AG, para preservar sua real identidade. (O outro é o Dyonnathas Douglas, que apresentaremos em outra seção).  AG foi preso por homicídio e veio transferido da Casa de Custódia de Presos de Justiça (CCPJ). Antes do encarceramento, trabalhava no ramo da pecuária (mexia com animais). Em conversa, ele prefere não entrar muito nos detalhes do crime que cometeu ou há quanto tempo cumpre pena. Mas confessa que nunca se imaginou em uma situação dessas. “A raiva é uma coisa que às vezes você não consegue controlar. Às vezes, você nunca teve a intenção de cometer um crime, mas – por um momento – que, às vezes, você não encontrou alguém para lhe dar força, […] acalmar sua cabeça, aconselhar as coisas boas da vida, aí você vai se tornando outro. Fica vulnerável, como se tivesse perdido, como se não se encontrasse. Aí, você acaba cometendo um crime. E, aí, pronto, você se afundou”, reflete. Hoje, dentro da unidade, AG realiza atividades relacionadas à construção. Para ele, o projeto de ressocialização é revigorante. Não era para menos. De acordo com informações divulgadas pela Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), que aposta na metodologia da ressocialização, assim como a Construarte, livrar os apenados do ócio vivido atrás das grades e inseri-los em uma rotina de trabalho é importante para evitar que eles se influenciem pelas propostas de outros presos, que são as de continuar na criminalidade ou adentar ao mundo do vício.

“Às vezes, você não encontrou alguém para lhe dar força, […] acalmar sua cabeça, aconselhar as coisas boas da vida, aí você vai se tornando outro. Fica vulnerável (…). Aí, você acaba cometendo um crime. E, aí, pronto, você se afundou”

A.G.

recuperando

Segundo a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), a ressocialização ajuda a livrar os apenados do ócio e a inseri-los em uma rotina de trabalho, o que permite que não se continuem na criminalidade ou no mundo do vício.

“Ah, o trabalho que se faz na unidade… A pessoa já sai daqui pronta para trabalhar. É muito bom, é muito interessante. É incrível a gente ver um trabalho desses. Vocês mesmos são cientes. […] E é importante, porque, se a pessoa não trabalha e não estuda, ele fica vulnerável para praticar o crime. Então ele se torna uma presa fácil para isso. Para o mundo do crime”, relata AG que não teve muito estudo e tem planos de voltar a estudar, para ingressar na universidade.

Além da recuperação da dignidade, a Construarte também assegura uma remuneração pelo trabalho dos internos. Na maioria das vezes, o dinheiro é depositado na conta de algum parente ou conhecido, pois é proibido receber dinheiro dentro da unidade prisional. Assim, de certa forma, o apenado passa a contribuir financeiramente em casa. Porém, esse método não é comum à realidade de outros que estão nas diversas penitenciárias do Brasil, e quase não há estudo que faça um levantamento sobre a remuneração dos detentos. De acordo com dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, em 2016, apenas 13% dos presos têm alguma atividade educacional e 20% trabalham. Mas 38% dos presos que trabalham não recebem pagamento e 37% ganham menos do que três quartos do salário mínimo. Essa mesma pesquisa revelou o perfil dos presos que compõem o quadro do nosso sistema prisional. AG encaixa-se em pelo menos três desses dados, pois é negro, não finalizou os estudos e foi encarcerado jovem: 61,6% dos presos são negros, 75% têm até o ensino fundamental completo e 55% têm entre 18 e 29 anos. No Brasil, que possui a quarta maior população penitenciária do mundo, ficando atrás dos Estados Unidos, China e Rússia, conforme revela o Depen, as condições sociais, econômicas e cultural de sobrevivência num país desigual refletem nas taxas de encarceramento, no qual 28% respondem ou foram condenados pelo crime de tráfico de drogas, 25% por roubo, 13% por furto e 10% por homicídio. Embora alguns estejam tentando um caminho de redenção, convertendo o tempo de sentença em trabalho, e tenham sonhos a serem realizados, a aflição em relação ao preconceito que poderão sofrer é grande. Os detentos que estão buscando a transformação têm a convicção que recuperar a confiança da sociedade é uma jornada complicada. “Porque a própria sociedade, discrimina muito o preso. Eu não estou apontando o dedo para a sociedade. É pela maneira que o preso convive. As pessoas… Muitas vezes, o que acontece dentro da unidade prisional deixa as pessoas horrorizadas lá fora”, desabafa o interno.

“(…) se a pessoa não trabalha e não estuda, ele fica vulnerável para praticar o crime. Então ele se torna uma presa fácil para isso. Para o mundo do crime”

A.G.

recuperando

Quadro do sistema prisional brasileiro (Depen, 2016)

  • Quantidade de presos negros 61,6% 61,6%
  • Quantidade de presos com até o ensino fundamental 75% 75%
  • Presos com idades entre 18 e 29 anos 55% 55%

Ainda assim, AG se mostra confiante no futuro e nas possiblidades através do Construarte. “Hoje, aqui, para mim é uma lição. A prisão é uma lição. Às vezes, é ruim? É! Mas aí você vai buscando forças para você se transformar numa pessoa de bem”. Aos poucos, o momento de transformação com a Construarte foi imprimindo novos sentidos à vida de AG. Fumar, beber, ir a casas noturnas como fazia antes, não faz mais parte da realidade e dos pensamentos do interno. Nos dias de saída temporária ou “saídão”, somente aproveita para ir à igreja, quando não está em casa. Como tem bom comportamento, muito desses indutos lhe são concedidos para visitar a família.

A saída temporária está delimitada na Lei 7.210 de 1984, mais conhecida como LEP (Lei de Execução Penal), e é concedida ao preso que cumpre pena em regime semi-aberto, que até a data da saída tenha cumprido um sexto da pena total se for primário, ou um quarto se for reincidente. Essa é uma medida que, vez por outra, gera insatisfação na sociedade e atrai vários comentários de indignação nas redes sociais. Não por acaso, em 2018, começou a tramitar o Projeto de Lei do Senado 31/2018, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que extingue as saídas temporárias, com a justificativa de que esse benefício o que retira a credibilidade da Justiça e reforça a sensação de impunidade. Mas o que consta na Lei de Execução Penal é que, para estar apto à saída temporária, o preso precisa ter boa conduta carcerária, pois o juiz, antes de concedê-la, tem a obrigação de consultar os Diretores do Presídio. De maneira geral, a direção dos presídios é que encaminha a lista dos detentos com o direito ao “saidão”. Outra maneira de ter acesso ao benefício é por meio do advogado, que faz o pedido diretamente ao Juiz. Com exceção dos presos do regime fechado, essas saídas são concedidas cinco vezes ao ano, essencialmente em datas comemorativas nacionais, e podem ter a duração de até sete dias corridos, cada. Talvez, a falta de investimento e de divulgação dos projetos de ressocialização reforce a ideia de que os presos não têm chances de convívio em sociedade, nem durante as saídas temporárias e nem com o cumprimento da pena. O preconceito é muito grande. As perspectivas de trabalho também são mínimas. Mas isso não impede de AG sonhar com a vida fora da cadeia. O convívio com os outros, as lições, a fé e os ensinamentos passados dentro do projeto, segundo o próprio AG, o fez mudar muito. “Pra mim, eu me acho uma nova pessoa. Eu não penso em maldade, eu penso no futuro. Eu respeito o meu próximo. Eu tenho [como] prioridade o respeito, Deus, o respeito ao próximo e isso é muito importante. Quando você tem respeito com as pessoas, as pessoas não têm medo de você. As pessoas querem se aproximar de você. Agora, quando você demonstra que é uma pessoa fechada, ninguém quer se aproximar de você”, conclui a entrevista.

De acordo com dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (2016), as taxas de encarceramento correspondem a:

  • Tráfico de drogas 28% 28%
  • Roubo 25% 25%
  • Furto 13% 13%
  • Homicídio 10% 10%

A falta de investimento e de divulgação dos projetos de ressocialização reforce a ideia de que os presos não têm chances de convívio em sociedade, nem durante as saídas temporárias e nem com o cumprimento da pena. O preconceito é muito grande.

Conheça as histórias

de ressocialização
ou volte para a capa