Do barro à madeira, do tecido à palha, trabalhos manuais integram o dia a dia de Imperatriz-MA
Edlene Galeno
Jaimerson Fernandes
Vitória Guajajara
“Quando nós falamos de artesanato, nós falamos também da criatividade, aquilo que não se repete”, explica Siney Ferraz, historiador e professor da Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão (Uemasul). Mais do que uma prática criativa, o artesanato é a expressão de saberes e técnicas transmitidos por gerações, refletindo uma identidade cultural. Apesar de sua importância histórica e econômica, essa forma de produção muitas vezes é invisibilizada, seja pela falta de reconhecimento de seu valor ou pelos desafios enfrentados pelos artesãos para manter suas práticas vivas.

Para Simone Fonseca, presidente da Associação de Artesãos de Imperatriz-MA, o artesanato exige conhecimento de empreendedorismo, saberes que a artesã busca repassar às pessoas que ensina no Centro Cultural Tatajuba, instruindo como vender, embalar e precificar o produto que está sendo produzido. Assim, o artesanato em Imperatriz tem evoluído e se adaptado aos avanços tecnológicos, mas sempre buscando manter a tradição. “O artesanato exige que você, todo dia, se renove. Tanto mentalmente, como conhecimentos específicos”, considera a artesã.
Além de ser uma importante fonte de renda para muitas famílias, o artesanato de Imperatriz também se destaca em eventos culturais da região, como a Feira do Comércio, Indústria e Serviços de Imperatriz (Fecoimp), Feira da Beleza, Salão do livro de Imperatriz (Salimp) e Feira do Couro no município de Edison Lobão, ajudando a preservar a identidade e o patrimônio cultural do Maranhão. Segundo Elza Alves, que é artesã há mais de 30 anos, a maior dificuldade para manter o artesanato vivo é a necessidade do apoio e divulgação. “Se não tivermos isso, o artesanato não funciona”, relata.
O historiador Siney afirma que são poucas ações governamentais que colaboram para manter e auxiliar o crescimento do artesanato em todo o país, pois, apesar de existirem, não são suficientes. “O que falta, eu acho, é o apoio para a divulgação, para valorizar essas atividades. Não é só você colocar um ponto comercial.” Ele utiliza como exemplo o Centro de Artesanato de Imperatriz, localizado na Praça da Cultura. “Mas quem é que vai lá? Quem é que sabe o que é aquilo ali? Passa ali e não vê.” Siney acrescenta que a falta de visibilidade faz a descoberta acontecer apenas de forma esporádica.

Tradição e identidade
“Eu aprendi a fazer sozinha, nunca tive um professor”, conta Elza Alvez, que também compartilha que já está repassando essas técnicas e conhecimentos para sua neta, que ela considera bem criativa e dedicada. “Ela fica me observando. E só em olhar eu fazendo ela já faz e vai fazendo melhor do que eu, que já estou há tempos”, comenta a artesã. Elza considera que todo artesanato é demorado e precisa ter um ótimo acabamento, motivo de ter boa aceitação pelos clientes.
O professor da Uemasul opina que essas práticas artesanais, embora tenham a possibilidade de diminuir ao longo do tempo, jamais deixarão de existir. “Tem pessoas que nascem já tendo essas atividades, que encontram prazer nelas. Na hora que ele [a pessoa] olha pro artesanato que o outro fez, ele começa a fazer e não larga mais. Ele não precisa nem ser da família.” Siney cita como exemplo sua própria experiência, contando que veio de uma família simples e sem estudo, mas assim que pegou em um livro “tomou gosto” e acabou criando uma identidade. “Ele vê, ele se encanta e pronto. Ele começa a fazer e faz.”
Simone comenta sobre o seu material favorito. “Durante esse decorrer da minha vida, eu consegui adquirir muito conhecimento em todas as técnicas. Hoje eu estou abraçada com couro.” Apesar da preferência, trabalha também com artesanato rústico e até mesmo o produzido com Espuma Vinílica Acetinada (EVA).

As formas de produção podem variar muito. “Eu uso furadeira, que é de bateria, ganhei dos meus filhos. Uso lixa para fazer a limpeza de forma manual e cola, que dá sustentação e brilho nas peças”, detalha Elza. A artesã diz não gostar de utilizar tinta nem verniz nas suas produções, como uma forma de proteger o meio ambiente. “Eu uso o jatobá, que é fruto colhido da natureza. A gente não tira do pé: deixa ele cair para que não possa agredir a natureza.”
Além disso, o artesanato se apresenta como atividade terapêutica, contribuindo para o bem-estar de quem produz. “Eu disse: concentre no seu artesanato, na sua produção, porque daqui a pouco a senhora vai ficar boa. E em casa, procure estar fazendo artesanato, nem que seja para dar de presente, como uma terapia”, aconselhou Simone a uma artesã de 70 anos que estava em depressão. Ela seguiu o conselho, passando a focar mais no artesanato. Simone conta que recentemente recebeu uma resposta da artesã, que disse estar produzindo suas próprias peças e livre da depressão. “Então, o artesanato tem essa força”, ressalta a presidente da Associação.
Da mesma forma, o professor Siney vem frisando o que relata Simone. “Então, essa resistência não é uma luta contra os produtos industrializados. É uma luta por você. Você só sobrevive se fizer aquilo. É uma paixão, é um envolvimento por dentro da gente, que a gente chama de identidade”, afirma. Na sua opinião, quem dança o folclore não quer saber mais de nada, pois aquilo é a vida dele o tempo todo. Questionou se alguém que dança bumba meu boi deseja outra coisa no mundo e declarou que existe uma dependência psicológica entre o indivíduo e seu ofício.
“Então, essa resistência não é uma luta contra os produtos industrializados. É uma luta por você. Você só sobrevive se fizer aquilo. É uma paixão, é um envolvimento por dentro da gente, que a gente chama de identidade.” (Siney Ferraz)
Presença nas vidas
O artesanato está mais presente em nosso cotidiano do que imaginamos. Dos utensílios de cozinha às peças de decoração, passando por acessórios e roupas, muitos objetos que usamos carregam práticas artesanais. Feito à mão, ele carrega a identidade cultural de diferentes regiões, refletindo tradições, histórias e criatividade. O historiador Siney comenta sobre Imperatriz e suas diversas formas de manufaturas, que são tão naturais para a população que acabam não sendo percebidas. Um exemplo é o tijolo feito de barro na região do riacho do Cacau, pequena praia cartão-postal da cidade. “Então, nós vamos verificar que o artesanato está em vários lugares. Às vezes, em lugares mais inesperados, você encontra o artesanato”, alerta o professor.
O especialista também cita outros exemplos, como o artesanato de couro na região e selarias para vaquejadas, que podem ser encontradas no Mercadinho, importante ponto comercial em Imperatriz. O principal diferencial é que tudo é feito a mão, inclusive sapatos, o que torna o artesanato mais específico. “O mais importante é usar as técnicas tradicionais, principalmente as manuais, as técnicas manuais”, ressalta Siney.
O artesanato está presente em diversas formas no dia a dia, mesmo que passe despercebido aos nossos olhos, como aborda o historiador local, trazendo exemplos dessas artes manuais. Siney cita, ainda, as mulheres boleiras, que fazem bolos antigos e outros alimentos, como bolo “cacete” e o cuscuz feito no pano de prato.
O historiador relembra outros trabalhos que passam despercebidos, como os produtos feitos de palha. Alguns exemplos são o chapéu de palha, jacá, um tipo de cesto de colocar roupa e a panqueira (peneira de palha). Ainda existem materiais que surgem da madeira, como bancos, tábuas de cortar carne e vários outros apetrechos. Siney comentou sobre os assopradores de vidro, que são pessoas que pegam o vidro quente, colocam em um canudo e modelam. Com isso, Siney reforça a ideia de que todo material feito de forma manual é único, sempre apresentando alguma diferença, mesmo que pequena.
“Para cada coisa que existe no mundo, existem micros-mundos para você”, explica Siney Ferraz sobre a paixão pelo que o indivíduo se propõe a fazer. Ele argumenta que quando uma pessoa decide seguir um nicho, ela cria um mundo e vive em torno dele. Para o historiador, o prazer de fazer aquilo que o indivíduo mais gosta vale mais do que dinheiro, sempre buscando preservar as formas culturais de trabalho manual e manter o bem-estar mental. “E quando a gente fala de cultura, é aquilo que a gente preserva, o que a gente repete, que a gente tem como ritual permanente”, declara.