Projeto Skate Rosa: quando o skate vira acolhimento, resistência e futuro

A iniciativa tem como objetivo incentivar, apoiar, fomentar e fortalecer a presença feminina no skate em Imperatriz 

Por Stephany Apolinario

Todo sábado é oferecido um café da manhã para as meninas. (Foto: Stephany Apolinario)

Entre risos, tombos e alguns choros que logo viram aprendizado, todos os sábados pela manhã a pista de skate da Praça Mané Garrincha muda de significado. O espaço se transforma em ponto de encontro, acolhimento e fortalecimento feminino com o Projeto Skate Rosa, uma iniciativa gratuita criada há cerca de sete meses por uma adolescente de 15 anos que decidiu mudar a realidade que vivia dentro da pista.

O projeto nasceu da inquietação de Nikoly Santos, que começou a andar de skate ainda criança e logo percebeu a ausência de meninas no esporte. “Em três anos e meio andando de skate, praticamente só tinha eu de menina. Os meninos andavam entre eles e eu acabava ficando sozinha”, relembra.

Incomodada com a falta de representatividade, Nikoly encontrou apoio dentro de casa e, ao lado dos pais, decidiu transformar o incômodo em ação.

O começo na raça

No início, o Skate Rosa funcionava apenas com o esforço da família. Nikoly, o pai e a mãe organizavam tudo sozinhos, sem patrocínio fixo e com poucos recursos. As aulas começaram de forma simples, com skates emprestados e muita vontade de fazer acontecer.

Atualmente, o projeto conta com apenas cinco skates, que são compartilhados entre as alunas em sistema de rodízio. Com o crescimento do número de participantes, essa passou a ser uma das principais dificuldades. Para amenizar o problema, Nicole buscou parceria com uma loja de skate da cidade, que oferece descontos para que as meninas consigam comprar seus próprios equipamentos. 

Segundo Carlomam Santos, de 47 anos, servidor público, pai de Nikoly e voluntário do projeto, a realidade ainda é desafiadora. “Hoje a gente ainda não tem patrocínio fixo. O que a gente tem são amigos e parceiros que vão apoiando as ideias que surgem”, explica.

Para Nikoly, a palavra superação define o projeto, pois você supera a insegurança de subir no skate pela primeira vez e outras dificuldades. (Vídeo: Stephany Apolinario)

Crescimento que ocupa a pista

Hoje, o Projeto Skate Rosa reúne cerca de 56 meninas, com uma média de 30 a 50 participantes por sábado. Algumas frequentam todas as aulas, outras vêm de forma alternada, de acordo com a rotina, mas o movimento é constante.

”A família Skate Rosa se tornou realmente uma família”

Para Marcela Silva, mãe de Nikoly e coordenadora do projeto, o crescimento foi além do esperado. “Isso aqui já não é só um projeto, virou um sonho. A cada sábado chegam duas ou três meninas novas. A família Skate Rosa se tornou realmente uma família”, afirma.

Mesmo conciliando trabalho e uma rotina cansativa durante a semana, a família se dedica intensamente aos sábados. Carlomam relata que o dia começa cedo.“Acordamos por volta das cinco da manhã para deixar tudo organizado. Compramos o café da manhã das meninas, arrumamos os materiais, deixamos tudo pronto para começar às oito.”

Marcela completa que o cuidado começa ainda antes. Durante a semana, ela acompanha a previsão do tempo e organiza toda a logística do encontro. E nem mesmo a chuva é capaz de afastar as participantes.

“Quando está chovendo, a gente pensa que não vai vir ninguém. Mas logo as meninas começam a mandar mensagem perguntando se vai ter. Na última vez, mesmo com chuva, vieram 25 meninas”, conta.

Onde a rivalidade dá lugar à união

Quando você passa pelo projeto observa o companheirismo entre as participantes. (Vídeo: Stephany Apolinario)

Parte do crescimento do projeto acontece de forma espontânea, a partir da indicação entre as próprias meninas. É o caso de Rayalane dos Santos, de 13 anos, que participa do projeto há cerca de quatro semanas.

Ela conheceu o Skate Rosa por meio de uma amiga que já fazia parte das aulas. Moradora de um bairro mais afastado do centro, Rayalane enfrenta a distância como um desafio, mas não deixa de comparecer. “Eu venho de ônibus todo sábado. Às vezes cansa, mas vale muito a pena”, conta a estudante.

Segundo Nikoly, esse tipo de indicação é um dos principais motores do crescimento do projeto. “Elas chamam as amigas, as primas, as colegas da escola. Muitas se conhecem aqui pela primeira vez”, explica.

Quando a família entra na pista

Outro ponto que chama a atenção dos organizadores é o envolvimento das famílias, especialmente dos pais. Para Carlomam, essa é a maior conquista do projeto até agora.

“Você chega aqui e vê um monte de pais torcendo, incentivando. Quando uma menina chega dizendo que ganhou um skate do pai, eu me emociono. Antigamente era quase impossível ver esse apoio, ainda mais para meninas em um esporte radical”, afirma.

A auxiliar administrativa Perpétua Abrantes, de 37 anos, é mãe de Emily, de 14 anos, uma das participantes. Ela conheceu o projeto por meio de uma amiga e decidiu apoiar o interesse da filha. “Ela já gostava de skate, mas eu nem sabia que existia um projeto como esse aqui em Imperatriz”, conta.

Mesmo morando no bairro Ouro Verde, Perpétua faz questão de deixar a filha participar todos os sábados. “A gente vem de táxi-lotação, Uber, ou quando uma amiga passa e traz. A gente vai se virando, porque vale a pena”, afirma. A mãe, ainda fala que essa iniciativa ajuda no desenvolvimento das crianças como também da própria cidade. 

Da vivência ao ensinar

Entre as voluntárias está Amanda Andrade, de 25 anos, professora de Educação Física e skatista desde 2016. Ela começou no esporte por meio de um projeto social e hoje repassa o aprendizado para as meninas do Skate Rosa.

“O skate feminino não era visibilizado aqui. Antes, tinha dez meninos e duas ou três meninas. Hoje, a pista está cheia de meninas. Isso é muito gratificante”, afirma.

Além de professora, Amanda também vive o projeto de forma pessoal. Ela é tia de Ayla Cristina, de 8 anos, uma das alunas mais novas. No começo, o receio falou mais alto, mas a mudança da sobrinha foi decisiva. “Aqui ela aprendeu que não existe rivalidade. É união. Caiu, levantou junto. Isso mudou tudo na vida dela”, conta, com nostalgia ao lembrar de tudo que a sobrinha já enfrentou.

Ayla Cristina, falou sobre como é ter a sua tia no projeto, além do cabelo cor de rosa.
Amanda Andrade e Ayla Cristina também fazem parte das pessoas que não mora perto da Praça Mané Garrincha. (Foto: Stephany Apolinario)

Olhar para o futuro

O alcance social do Projeto Skate Rosa também chamou a atenção de lideranças do município. A iniciativa passou a contar com o apadrinhamento de Perla Amaral, primeira-dama de Imperatriz, que tem acompanhado de perto as ações do projeto e reconhecido sua importância para o esporte e para a formação social das meninas. Para a coordenação do projeto, o apadrinhamento representa um passo importante na consolidação da iniciativa e na luta por mais estrutura e oportunidades para as participantes

Para Nikoly, o próximo passo é ampliar o alcance do Skate Rosa. A ideia é levar o projeto para outros bairros da cidade, facilitando o acesso de meninas que hoje enfrentam a distância como obstáculo.

Outro avanço importante é a conquista do CNPJ, que está em fase final de regularização. Segundo Carlomam, essa etapa será fundamental para o fortalecimento do projeto. “Hoje a gente depende muito de doações e parcerias. Com o CNPJ em mãos, vai ser mais fácil correr atrás de apoio, recursos e ampliar as ações”, explica a coordenadora Marcela.

Mais do que ensinar manobras, o Projeto Skate Rosa ensina persistência, coletividade e autoestima. Em cada queda e cada recomeço, as meninas aprendem que ocupar a pista também é ocupar espaços com coragem, apoio e sonhos que seguem em movimento.

Campeonatos 

Além das aulas semanais, o Projeto Skate Rosa também promove momentos de vivência competitiva. Um exemplo é o Circuito Rosa, campeonato interno criado para apresentar às meninas o ambiente das competições de forma acolhedora e educativa. A proposta é incentivar a autoconfiança, o respeito e a superação, sem a pressão do alto rendimento.

O Skate Rosa também ajudou a trazer para Imperatriz uma etapa do Circuito Maranhense de Skate, realizada pela primeira vez na cidade. O evento ampliou a visibilidade do skate feminino e fortaleceu a cena local, mostrando às meninas que o esporte pode ir além da pista e abrir novos caminhos.

Como faz para participar?

Para participar não é preciso ter skate nem experiência prévia. As aulas são gratuitas e acontecem todos os sábados pela manhã, de 8h às 10h, na pista de skate da Praça Mané Garrincha. Basta comparecer ao local, conversar com a coordenação, realizar uma aula experimental e fazer o cadastro. A idade mínima é de 4 anos,e o projeto conta com skates compartilhados para iniciantes.