Professor Marco Antonio Gehlen decifra as particularidades da produção de conteúdo com o jornalismo de dados

Repórteres: Francilene Jorge, Renara Lima e Wanessa Oliveira

Fotos: Acervo pessoal da fonte

Sócio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marco Antônio Gehlen– 40 anos, natural de Faxinal dos Guedes em Santa Catarina, casado com Daniele Rotilli Gehlen e pai do pequeno Matteo, graduou-se em Jornalismo em 2002, não se contendo apenas com a graduação, se especializou em Comunicação Empresarial (2005), possui experiência de oito anos como repórter e editor de jornais impressos, com passagens também por veículos online, além da atuação de uma década em assessorias de imprensa e de comunicação. Fez mestrado em Agronegócios no ano de 2009, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

É professor adjunto e pesquisador no curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), campus de Imperatriz (MA), desde 2009 e, doutorou-se em 2016 em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E para dar uma extensão maior ao seu intelecto, em 2018 resolveu fazer um pós-doutoramento em Ciência da Informação pela Universidade Fernando Pessoa, em Porto, Portugal, com pesquisa sobre Jornalismo de Dados, que é a sua real peculiaridade.

Em março de 2020 assumiu a Coordenação do curso de Jornalismo da UFMA. É autor do livro Agro alimento – o Anuário da Produção Agrícola e Pecuária de Mato Grosso do Sul (2010) – é co-organizador dos dois volumes da obra ”Comunicação, Jornalismo e Fronteiras Acadêmicas”, lançados pela Edufma, respectivamente, em 2011 e 2017. Tem atuação em atividades, pesquisas e ensino na área de planejamento gráfico e editorial de veículos impressos e digitais; rotinas produtivas do Jornalismo; Jornalismo de dados e pesquisas quantitativas em Jornalismo e em Comunicação.

Quando era repórter de economia, ele mesmo construía suas séries (números de rotina), pois para ele não se pode depender apenas de dados oficiais, mas construindo séries numéricas que abasteçam as reportagens originais, que não dependem unicamente das fontes oficiais. Para Gehlen é possível ter condições de checar, obter e construir séries, para então ter estruturas de fazer reportagens mais atraentes.

Recebeu críticas de estatístico ao jornalismo quando fez mestrado, os estatísticos olhavam suas notícias produzidas na redação e de algum modo criticavam sua conduta quando se tratava de uma construção do valor do dado numérico na reportagem. Assim, esse conjunto de fatores fez com que de fato, Gehlen repensasse sua prática profissional quando tinha que lidar com números.

Nessa entrevista, Marco Antônio Gehlen fala quais são as maiores dificuldades quando se estuda jornalismo de dados, o que é preciso para trabalhar com dados, comenta sobre a diferença entre jornalismo de dados com o tradicional. Além de revelar suas motivações ao escolher o jornalismo de dados como área de atuação.

 

Imperatriz Notícias: O que é o jornalismo de dados?

 Marco Antônio Gehlen: O jornalismo de dados é uma técnica jornalística, que possibilita novas e mais aprofundadas investigações jornalísticas, a partir de bases de dados, que hoje estão mais disponíveis. No passado, nós tínhamos um jornalismo que tinha, como base principal, a entrevista com pessoas, buscar fontes governamentais e tantas outras, hoje nós temos condições, também, de consultar inúmeras bases de dados na internet. E, havendo essa capacidade de varrer essas bases de dados, de observar detalhes nesses dados, de encontrar ganchos numéricos e fatos que os números possam nos dar, e assim, trazer informações jornalísticas a partir dessas bases de dados.

 

IN: Como o jornalismo de dados se difere do jornalismo tradicional?

MAG: O jornalismo tradicional, não alcança essa investigação sobre os dados, a ponto de você ter que fazer “raspagens” de dados, cavar milhões de registros, e investigar usando a programação para conseguir entender o que é aquele conjunto de milhões de informações disponíveis, essa é uma condição nova. Agora eu consigo fazer varreduras em grandes quantidades de dados, e que até então eu não conseguia. Era possível entrevistar algumas pessoas, olhar uma certa quantidade de dados, mas não com essa profundidade.

 

IN: Quais dificuldades são mais recorrentes ao estudar o jornalismo de dados?

MAG: Bom, o jornalismo de dados é muito novo. E derivado de outras teorias, como a de jornalismo de precisão, das reportagens assistidas pelo computador, que era outro nome que se deu a essa técnica, até chegar à lógica de jornalismo de dados. Por ele ser muito novo, é difícil encontrar referências bibliográficas, está tudo em estudo, em surgimento ainda. E os estudos estão ainda começando a acompanhar essa lógica que se vê no mercado e nas redações, como também, nos sites e portais, ou veículos de comunicação, vão cada vez mais tendo setor com pessoas que fazem esse tipo de trabalho. Dessa forma, a falta de pesquisa, por um lado, ainda é uma coisa que dificulta, na prática, a formação de profissionais com esse perfil de entender tantas áreas difíceis, também se torna empecilho.

 

IN: Pegando sua fala sobre o fato de o jornalismo de dados ser algo bastante novo, você acha que tem chances dessa área específica se tornar algo maior do que é atualmente?

MAG: Há quem diga que assim como o jornalismo de digital, vocês nasceram numa época já conectados, na nossa época não era assim, a gente não tinha internet como pesquisa, fazíamos um jornalismo diferente. Isso para explicar, que o jornalismo digital é um termo que existiu até agora, mas de agora em diante não vale mais a pena chamar por esse nome porque todo jornalismo é digital. E há quem diga, e eu concordo, que o jornalismo de dados também, todo jornalismo, em alguma instância, é de dados, vai acabar sendo, não vai ter como fazer um jornalismo sem uso de dados, sempre que fizer uma matéria vou ter que usar alguma base de dados relacionada com aquele tema. E inevitavelmente, o jornalismo de dados vai crescer e se expandir, se profissionalizar. Não há como recuar para o espaço em que não exista mais, porque cada vez mais terá bases de dados, assim como, estão ficando mais pesquisáveis, então é um caminho sem volta. Porém, a questão das competências também é importante, não é todo mundo que vai praticar isso.

 

IN: Que papel o jornalismo de dados desempenha no jornalismo atual?

 MAG: O papel do jornalismo de dados, nesse contexto de jornalismo atual, é conceder mais rigor e mais profundidade. Pois, além de continuar tendo como instrumento e ferramenta, a possibilidade de entrevistar, de checar com a fonte, ir atrás do representante governamental e outras fontes para obter declarações, agora, eu posso já ter os dados em mãos. Então, estou tendo mais rigor, mais capacidade de crítica, mais profundidade, mais critério para fazer um jornalismo aprofundado, baseado em dados oficiais e que possam, de fato, me mostrar a realidade. Dessa forma, eu acho que ele dá profundidade, rigor, precisão, ganchos interessantes e diferenciados. Além disso, dá certas vantagens na pauta e em questões temáticas, como também, na diferenciação de conteúdo. Você pode falar com fontes com mais embasamento, pode não aceitar apenas declarações, porque agora você tem os dados para fundamentar. Porém, vale lembrar que, ele não resolve tudo, muitas vezes os dados coletados são apenas o ponto de partida para uma boa pauta.

 

IN: Quais habilidades o jornalista tem que ter para ser um bom profissional e trabalhar com dados?

 MAG: Essa pergunta é muito boa porque ela fala de competências. Na minha tese de doutoramento trata muito disso. Primeiro você ser um grande e bem informado jornalista, entender de jornalismo, de ganchos, de notícias e de narrativas, depois você precisa entender um pouco e ter uma tal de sutileza numérica, gostar ou se aprofundar nisso, conseguir perceber as sutilezas que existem nos números, ou seja, ter um pouco de interesse quantitativo. Você vai se deparar com essa necessidade de alguma experiência, formação ou de interesse por matemática, números, a olhar algumas bases de dados, você só não pode ser inocente diante da pauta. A terceira é você se interessar um pouco para começar a entender como funcionam, e, a quarta seria um pouco de design, porque  você vai  trabalhar com visualização de dados, é preciso pensar em infográficos, no design da notícia, como ela vai ser transmitida, para que ela possa usar, utilizar e fazer bom uso dessa quantidade de dados.

“O jornalismo de dados não é necessariamente algo que só cobre temas de economia e agronegócio, as maiores e melhores matérias, as mais premiadas matérias jornalísticas de dados, são de questões sociais, educação”

IN: Por que resolveu estudar jornalismo de dados?

MAG: Quando me formei, fui trabalhar na área de agronegócio e economia, fiz mestrado, estudei estatística, sempre gostei de fazer minhas tabelas no Excel, minhas próprias notícias de economia e guardar bastante dados. Esse interesse por números, matemática é algo quantitativo, me levou naturalmente a estudar isso. O jornalismo de dados não é necessariamente algo que só cobre temas de economia e agronegócio, as maiores e melhores matérias, as mais premiadas matérias jornalísticas de dados, são de questões sociais, educação. Se consegue fazer grandes pautas em várias temáticas das mais variadas editorias, com uma investigação em base de dados diversas.

 

IN: É mais difícil ou mais fácil trabalhar com jornalismo de dados?

MAG: Mais difícil, porque você incorpora o jornalismo tradicional, você não vai deixar de ouvir alguém, ou deixar de ter declarações, mas por outro lado, tem que fazer toda essa parte de varredura, de investigação de dados, às vezes até mexer com alguma programação, conseguir encontrar sutilezas numéricas, as pautas e, pensar nesse universo todo é mais difícil. T, tanto que é mais raro esse profissional. Então é um pouco mais difícil porque ele exige além do que você já faz, se faz jornalismo tradicional, precisa fazer coisas adicionais também.

 

IN: Se é mais difícil porque optou por fazê-lo, pelo desafio? 

MAG: Na realidade, não era porque eu me sentia desafiado, é pura afinidade de tema mesmo. Nós usamos sempre os números, estamos sempre recorrendo a eles, estão nas nossas matérias, temos uma relação muito conflituosa, todo o mundo quer fugir dos números quando vai fazer faculdade de jornalismo, então usamos, mas queremos fugir.

 

Bate-Bola

IN: Livro que mudou sua vida?

 MAG: Livro “Jornalismo de Precisão” do Philip Meyer de 1970.

 IN: Livro que gostaria de ter escrito?

 MAG: Livro de literatura brasileira “Amor de Perdição” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Livro para o jornalismo “O Manual do Jornalismo de Dados” e “Matemática para Jornalistas”.

IN: Uma música para tocar na sua playlist?

 MAG: Música Sete Sinais de Almir Sater.

IN: Uma série que indicaria?

 MAG: Gosto muito da série Dark.

 IN: Uma dica para quem quer seguir a carreira no jornalismo?

MAG: É você gostar do que faz. Quando decidimos uma profissão, a maioria das vezes a gente está em uma idade e em uma condição, em que, olha os nomes das profissões e não olha muito bem para o que é a rotina diária daquela profissão. É muito importante que entenda a rotina antes e se aquela rotina te atrai, e saber se quer viver daquilo. Esqueça o que é medicina pelo termo medicina, jornalismo pelo termo jornalismo, e tente pensar o que esse profissional faz no seu dia a dia e ao imaginar a profissão é algo que vai te deixar feliz, é algo que vai te trazer satisfação, tem que analisar o que o profissional faz no dia a dia e ver se você consegue imaginar executando a profissão com satisfação e a satisfação é encontrar o caminho que a gente goste.