Por: Luana Rodrigues
Enquanto o professor Alexandre Maciel terminava de ler o slide, todos na turma se olhavam: dava para perceber os rostos preocupados e ao mesmo tempo entusiasmados. Era junho de 2023, meu primeiro semestre da faculdade e nossa sala estava com aproximadamente 25 alunos, cada um com sua trajetória e visão de mundo. Porém, acredito que aquele sentimento de começar algo novo, o frio na barriga e o turbilhão de possibilidades que se passava na mente de um calouro não era algo que só fazia parte de mim, mas da maioria que estava naquela sala. Mesmo com idades diferentes, ali estávamos nós, com sonhos, inseguranças e dispostos a aprender, com a coragem de ser iniciantes. Além disso, tínhamos algo em comum: fizemos do jornalismo uma escolha. Minutos se passaram e agora eu já sabia o dia da entrega do trabalho, a formatação e toda essa parte mais pragmática. O tema foi escolhido pelo nosso professor: “Meu Canto também é Notícia”. A ideia era fazer uma pauta sobre nosso bairro. De imediato, meu coração acelerou. O que eu poderia dizer sobre aquele lugar que conhecia tão bem, mas que, ao mesmo tempo, sentia que não valorizava o suficiente? No caminho de volta para casa olhei pela janela e vi a movimentação na cidade, as pessoas indo e vindo, as histórias que passavam ao meu lado sem que eu as notasse. O que havia por trás de cada rosto na rua? Quais eram as vozes que se misturavam no cotidiano? Decidi que meu bairro tinha muito mais a oferecer do que a superfície mostrava. Comecei a pensar nas pequenas histórias que poderiam ser contadas. Cada uma delas tinha uma narrativa única, e eu estava determinada a encontrá-las.
Nesse momento sentia o peso da responsabilidade pesando sobre meus ombros. Qual história se passava pelo meu bairro? Como eu iria captar a essência de uma narrativa e traduzi-la em palavras? As fontes iriam me receber? Ou se negariam a falar com uma universitária? Afinal esse seria o primeiro dia em que eu colocaria o pé fora da sala de aula e adentraria o mundo real do jornalismo. Saindo da UFMA -Universidade Federal do Maranhão- e indo para casa passei em frente ao centro poliesportivo do meu bairro, nada de novo, sigo meu trajeto normalmente. Sabe quando você está tão acostumada a fazer a mesma rotina ver as mesmas coisas que não percebe a pluralidade das coisas que estão ao seu redor? Foi isso que aconteceu. Nesse mês coincidentemente estava acontecendo os jogos escolares, que são promovidos pelas secretarias de Esporte, Lazer e Juventude (Sedel) e Educação (Semed). E mesmo tendo uma enorme afinidade com as práticas esportivas, demorei dias até perceber que essa seria a minha pauta. E no último dia de reunião antes de ir a campo, apresentei minha ideia para o professor Alexandre, ele aprovou a pauta. Agora seria minha missão desenvolve-la. O que poderia parecer simples: cobrir um evento na comunidade. Mas, a simplicidade era uma miragem. O desafio de ter que se aproximar das pessoas, fazer perguntas e, principalmente, escutar suas histórias, me deixava em um estado de constante inquietação. As dúvidas se acumulavam, formando uma muralha entre eu e aquela experiência.
No início do curso, os veteranos sempre afirmavam, com um sorriso cúmplice, que as amizades formadas nos primeiros semestres eram como bolhas de sabão: brilhantes e cheias de promessas, mas destinadas a estourar com o tempo. Diziam que até o final da graduação, nossa turma não estaria mais tão unida. Eu escutava essas histórias com uma certa desconfiança, é verdade que as relações mudam com o tempo, seja por desinteresse ou caminhos diferentes. Na minha primeira experiência prática no jornalismo, fui acompanhada por uma colega de classe: Hellen, também conhecida como a “caloura sorriso” durante a reunião de pauta ela contou que também morava perto do centro esportivo, tínhamos algo em comum morávamos no mesmo bairro e para nossa surpresa mais perto do que imaginávamos, ela morava na rua a cima da minha. Perguntei qual era a pauta dela: “Coração solidário, um projeto da igreja Adventista que arrecada doações para as famílias ribeirinhas” achei uma pauta bem sensível, mas a cara dela.
Seria mais uma tarde na UFMA, aquele clima leve de fim de aula pairando no ar, quando a Hellen, com seu jeito sempre animado e um sorriso contagiante, me fez um convite inesperado. “Vamos juntas fazer a matéria? Depois eu te ajudo com a sua pauta!” Acabei aceitando sem pensar duas vezes. Afinal, a vida acadêmica já era cheia de desafios, e ter uma companhia tornava tudo mais leve e divertido. Era um daqueles momentos em que a colaboração se transforma em aprendizado mútuo; duas cabeças pensam melhor que uma, e assim, as duas sairiam ganhando. A cumplicidade que se formou ali, longe das previsões céticas, parecia desafiar a lógica da efemeridade, mostrando que, mesmo em um ambiente tão competitivo, as relações poderiam florescer e, quem sabe, sobreviver até o final do curso.
Com a adrenalina começando a subir, fiz um checklist mental: “Papel? Ok! Caneta? Ok! Gravador pronto? Ok! Perguntas? Ok também!” sempre organizava e verificava cada item como se estivesse me preparando para uma grande expedição. E, de fato, era isso que íamos fazer: explorar o universo do jornalismo, mesmo que fosse apenas por um dia.
Era uma quarta-feira ensolarada quando colocamos nossos pés, no centro esportivo. Logo ao entrar dava para ouvir os gritos das torcidas pulsante de vida, som vibrante das vozes dos jovens atletas preenchia o ambiente. O ar estava impregnado pelo cheiro de grama recém-cortada. Em direção a quadra, vi um time de vôlei composto por meninas, saindo de quadra, essa seria a minha primeira interação com uma fonte, caminhei em direção a técnica do time, com o gravador em punho e as perguntas bem ensaiadas, nos aproximamos. Era hora de colocar em prática tudo o que havíamos aprendido nas aulas de jornalismo. As primeiras frases saíram um pouco hesitantes, mas logo a confiança tomou conta de nós, ela aceitou ser entrevistada de forma simpática contava da experiencia que é treinar um time de pré-adolescentes, como o esporte impulsiona as pessoas a serem melhores, não só no quesito saúde, mas na socialização também nas respostas era evidente a paixão que ela tinha pelo esporte, e também pelo time . Aos poucos o que se parecia um enorme desafio foi se tornando palpável. Conforme os jogos se desenrolavam, a tensão que me acompanhava começou a se dissipar. As conversas fluíam, as risadas ecoavam e, aos poucos, a cena se transformava em um espetáculo que eu mal podia acreditar.
No calor do centro esportivo, onde o cheiro do cloro se misturava ao som alegre das risadas das crianças e ao ecoar dos mergulhos na piscina, eu e minha colega Hellen nos encontramos em meio a um cenário vibrante de entusiasmo e dedicação. Estávamos prestes a entrevistar Erivaldo Cantanheide, um gestor de Recursos Humanos que, com os olhos brilhando de orgulho, falava sobre a trajetória de seu filho na natação. Enquanto a água reluzia sob a luz do sol, Erivaldo compartilhava suas reflexões sobre os benefícios do esporte na vida de uma criança, afirmando com convicção: “Sabemos que o esporte é vida, traz disciplina, autocontrole e equilíbrio, tanto emocional quanto físico.” Ele descreveu como as lições aprendidas na piscina se estendiam para além das braçadas, moldando não apenas a personalidade do pequeno nadador, mas também sua capacidade de enfrentar desafios com determinação e resiliência. A conversa fluía naturalmente, e a cada palavra de Erivaldo, era possível sentir a paixão que ele tinha não apenas pelo esporte, mas pela formação ética e moral que a prática esportiva proporciona. Ele falava da rotina intensa de treinos, das vitórias e derrotas, e como cada experiência contribuía para o crescimento do seu filho, construindo um caráter forte e sólido. Enquanto ouvíamos suas histórias, a atmosfera do centro esportivo pulsava como um coração vibrante, A amizade com minha colega se solidificava e, entre os relatos de vitórias e derrota a empolgação compartilhada, as risadas e a cada anotação nos uniu de uma forma especial.
Ao refletir sobre aquela tarde, percebo que, como jornalista, meu papel é dar voz a essas histórias e, ao mesmo tempo, ser parte delas. E assim, cada matéria se transforma em uma nova oportunidade de construir laços, não apenas com os protagonistas das histórias, mas com a própria essência do que significa ser humano
Acredito que o jornalismo vai muito além das matérias e das entrevistas; ele é um meio de conectar histórias e pessoas. E, naquele dia, eu não apenas escrevi uma matéria, mas criei laços que se tornariam fundamentais na minha trajetória. Desde então, a minha colega de classe e eu temos sido parceiras em diversas aventuras, tanto profissionais quanto pessoais, sempre lembrando daquela primeira experiência que nos trouxe juntas. Assim, percebo que as melhores histórias são aquelas que não se limitam às palavras, mas são escritas com o coração, entre amigos. Lembra o que os veteranos falavam sobre amizade? Hoje eu acho que eles não estão totalmente corretos, as amizades mudam e desbravam novos caminhos, a Hellen é um exemplo disso. No semestre seguinte ela me avisou que estava saindo do curso, iria em busca do seu amor acadêmico: enfermagem e que mesmo se sentindo uma “comunicadora” igual ela mesmo falava, a área da saúde tinha seu coração.
A verdade é que vida universitária é um caldeirão efervescente de emoções, descobertas e desafios, onde forjamos laços que, muitas vezes, parecem indestrutíveis. No entanto, é essencial entender que esses vínculos podem se transformar, e tudo bem que a intensidade e a forma de nossas conexões mudem com o tempo. A saída da Hellen do curso de jornalismo é uma prova disso; embora nossas rotinas acadêmicas nos separaram, a essência da nossa amizade permanece intacta. Acredito que o que realmente importa são as memórias que construímos juntas. Essas experiências moldam não apenas nossa trajetória profissional, mas também nosso caráter e nossa visão de mundo. O vínculo que criamos nos fortalece, mesmo quando estamos fisicamente distantes. Assim, mesmo que nossas interações diárias mudem e a frequência com que nos vemos diminua, A amizade universitária é uma das mais autênticas, e, mesmo que as rotinas mudem, o que construímos sempre será parte de quem somos. Que possamos sempre valorizar e lembrar desses momentos, pois são eles que fazem a jornada mais rica e significativa, e a amizade que floresceu durante esse período será uma parte especial de mim, mesmo que o futuro traga novos rumos e novos amigos.