Territórios revelam as marcas da negligência e a força de um bairro esquecido
Viviane Sousa
Bairro negligenciado pelas autoridades, mas pulsante na força do seu povo. O Habitar Brasil, em Imperatriz, possui duas praças, ambas esquecidas pelo poder público. Mesmo sofrendo com a carência de infraestrutura, o local resiste por meio das festas, das tradições e da memória coletiva.
A primeira, mais antiga e sem nome, é lembrada com frustração por Dímpina de Fátima Moreno Almeida, conhecida como Irmã Fátima, uma das moradoras pioneiras. “Eu não gosto não, mas é o jeito. Tem que morar, né? Não tem outro lugar. Porque é ruim viver em frente a um negócio desse aí, cheio de mato e lama desse jeito”, desabafa. Apesar de ter melhor visibilidade e receber mais atenção, a Praça do Seu Osvaldo, mais recente, também enfrenta problemas como iluminação precária, falta de manutenção e risco constante de abandono.
Antes de surgir o Habitar Brasil, existia apenas o Conjunto Vitória. Segundo os moradores, a área em frente ao conjunto era dominada pelo mato, até que, aos poucos, casas começaram a ser erguidas de forma espontânea. Foi esse movimento de ocupação que deu origem ao bairro.
Posteriormente, a área foi doada pela Caixa Econômica Federal, com apoio do governo estadual sob a gestão de Roseana Sarney (1995-2002). Consolidou-se como parte do território do Conjunto Vitória, embora até hoje enfrente sérias deficiências, como a falta de saneamento básico e de políticas públicas efetivas.

Primeira Praça
Fátima conta que já deu entrevistas para várias reportagens ao longo dos anos, na esperança de ver a praça revitalizada, mas nenhuma solução veio. Hoje, carrega o sentimento de abandono e começa a perder as esperanças de um dia vê-la finalmente construída. “O tanto de reportagem que já foi feita dessa praça e nunca ninguém veio arrumar ela. Não adianta mais fazer…”, diz Irmã Fátima, decepcionada.
Ela também relata os desafios enfrentados durante as estações do ano, com o matagal e o lamaçal, além de mencionar uma promessa antiga, feita ainda na gestão do prefeito Ildon Marques (2005-2008): “Tem 20 anos que essa promessa foi feita e nunca foi cumprida. E nem vai, porque todos que entram só mandam capinar e olhe lá”, reclama Irmã Fátima.
Entre os moradores que vivem próximos à primeira praça, prevalecem sentimentos de abandono e indignação. Enquanto o segundo espaço recebe infraestrutura para eventos, iluminação e, por vezes, até pintura nova, a primeira segue esquecida.

Segunda Praça
Em contraste, um morador, que preferiu não se identificar, relata que costumava regar o gramado e as plantas da Praça do Seu Osvaldo, usando uma mangueira ligada à sua residência. No entanto, era constantemente repreendido por servidores contratados da prefeitura, que desfaziam seu esforço sob a justificativa de “Estou apenas fazendo meu trabalho”. Diante disso, ele decidiu não se envolver mais com a manutenção do espaço.

O mesmo morador também recorda o impacto da poda excessiva das árvores, realizada pela atual gestão municipal. Sua neta teria chorado ao ver os cortes. “Vovô, por que estão cortando as árvores?”.
Na visão do vereador Rubens Lopes Lima, mais conhecido como “Rubinho”, a intervenção foi necessária para garantir a segurança dos moradores. “A gente, que é do poder público, defensor do meio ambiente, jamais deixaria uma poda em excesso acontecer. Tenho certeza absoluta de que foi pra prevenir acidentes. Eu acompanhei de perto. Tinha galhos rachando. A poda foi preventiva”, explica.

Mesmo com o esforço coletivo para manter a Praça Seu Osvaldo viva e acolhedora, moradores relatam episódios recorrentes de vandalismo. Há casos de bancos arrancados, plantas quebradas e até grama sendo roubada durante a noite. Essas ações, muitas vezes praticadas por pessoas da própria comunidade, entristecem quem dedica tempo e carinho ao cuidado do espaço.
Apesar de local ter sido inaugurado em agosto de 2019, na gestão do então prefeito Assis Ramos (2017-2020), persiste a frustração com a demora na entrega da placa com o nome de Seu Osvaldo, que deveria marcar oficialmente o reconhecimento do espaço, mas ainda não foi instalada.

O vereador acrescenta que acredita que, neste ano ou no próximo, a gestão municipal conseguirá revitalizar e implantar um projeto voltado para o entretenimento e lazer na praça Seu Osvaldo. Segundo ele, será um grande avanço para a região. Disse que pretende instalar uma areninha atrás do posto, mas sem derrubar nenhuma árvore, com o objetivo de oferecer mais opções de lazer aos adolescentes. A intenção é incluir mesas de pingue-pongue, escorregadores para as crianças e iluminação. Ele acredita que, neste segundo semestre, o projeto já começará a ser executado.
“Já apresentei indicações, assim como outros vereadores, para revitalizar a praça. Estou buscando uma emenda parlamentar destinada exclusivamente a ela. O projeto inclui uma academia ao ar livre, oferecendo lazer e acessibilidade para jovens, idosos e toda a comunidade, explica o vereador.
Descaso
A Praça Seu Osvaldo carrega um profundo valor simbólico para os moradores. Sua história começou em julho de 2014, quando Francisca Thelma Silva Uchoa, mais conhecida como Dona Telma, buscava formas de arrecadar dinheiro para ajudar no tratamento de saúde de seu irmão, Francisco Rubens.
Na época, Telma precisava de um espaço público para organizar uma festa beneficente e conversou com o morador Seu Osvaldo, que prontamente cedeu o terreno em frente à sua casa. Como era necessário dar um nome ao local para anunciar o evento, JanyKelly Silva Uchoa, sua filha, teve a ideia de chamá-lo de “Praça Seu Osvaldo”. Nome que permanece até hoje como símbolo de solidariedade e pertencimento no bairro. Desde então, a praça se tornou palco de outras mobilizações solidárias, com moradores se unindo para ajudar diferentes causas, inclusive em campanhas pela saúde de sua filha, JanyKelly.
Telma relembra com emoção a força comunitária. “Foi emocionante ver o povo todo ajudando. Graças àquela festa, conseguimos barrar o avanço da doença.” Ela também conta que o padre Reinaldo elogiou o bairro pela união e pela capacidade de reunir pessoas de diferentes religiões e até de outros bairros em torno de uma causa solidária.

Ela também recorda com carinho de Seu Osvaldo, morador que deu significado ao local e que ficou conhecido pelo cuidado com as plantas e pela amizade com os vizinhos. “Dividíamos plantinhas, trocávamos ideias… até hoje tenho uma planta que ele me deu. Tenho ciúme dela. Ele queria que as crianças brincassem, só não queria que destruíssem.”
Para Telma, a construção da praça foi um avanço importante. “Antes era só mato, agora tem estrutura. Infelizmente, o vandalismo existe. Roubaram até as tábuas da parada de ônibus”. Mesmo assim, ela segue sonhando com melhorias. “Quero plantar flores com as crianças, fazer canteiros que não atrapalhem a brincadeira. Já tentamos antes, e quero conversar com a [amiga] Zezé pra fazermos isso juntas. Com calma e jeito, dá certo”. Dona Telma, emocionada, lembra-se de um ditado: “Feliz o homem que deixa uma história”. Pra mim, essa frase é dele”.
Legado
Osvaldo Bezerra da Silva, conhecido como “Seu Osvaldo”, é lembrado pelos moradores como um homem íntegro, trabalhador e sempre presente. Morador do Conjunto Vitória desde 1995, ao lado da esposa, Francisca Lima da Silva, ele se destacou por cuidar com zelo dos espaços públicos, especialmente das praças, até seus últimos dias.
Francisca, sua esposa, conta que sente orgulho e emoção ao ouvir o nome do marido sendo lembrado. “Dá uma paixão escutar: ‘Praça Seu Osvaldo’. Ver a praça feita, ver que foi construída. Porque ele lutava por isso, ele plantava, ele cuidava”, relata. Ela também destaca o homem por trás da figura pública: “Ele foi um bom pai, um bom marido e um bom homem. Sempre presente e dedicado à nossa família e à comunidade.”
Seu Osvaldo adoeceu em meados de 2019, acometido pelo Alzheimer e por um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ficou acamado pelos dois anos seguintes e ainda sofreu mais dois AVCs, sendo cuidado com carinho por familiares e amigos. Antes de falecer, mesmo com dificuldade para andar, arrastando os pés, ele abraçou todas as árvores da praça, como forma de despedida. Seu Osvaldo faleceu no dia 5 de junho de 2021, deixando como legado sua história e a praça que leva seu nome. Um espaço que pulsa com a memória coletiva de um homem simples, generoso e presente.

Para muitos moradores, ouvir o nome da praça é sentir a presença dele ainda viva, como se cada canto, cada árvore e cada lembrança carregassem o cuidado, a amizade e a dignidade que ele espalhou em vida. Seu Osvaldo não apenas deu nome à praça, mas também sentido a ela.
Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.