Paragominas encara os limites do título de Município Verde

Após 17 anos, sustentabilidade ainda representa um desafio na cidade paraense

Lia Freitas

O que acontece com uma cidade que virou exemplo mundial de sustentabilidade? Paragominas, no sudeste do Pará, já esteve no centro das atenções por reduzir drasticamente o desmatamento e criar um pacto entre produtores, sociedade e poder público. Mas, quase duas décadas depois, será que essa fama ainda se sustenta?

Registro histórico de Paragominas, que reflete momentos importantes de tomada de consciência ambiental (foto: reprodução site Pé Binha de Açúcar)

Nos anos 2000, Paragominas estampava as páginas policiais e ambientais do país. O avanço do desmatamento, o domínio das serrarias e o conflito entre cabroqueiros (agricultores pobres que faziam roças em áreas desmatadas) e grandes proprietários colocaram a cidade na temida lista do Ministério do Meio Ambiente. Isso significava bloqueio de créditos, embargos e forte pressão sobre os produtores.

A situação ficou insustentável em 2008, quando a Operação Arco de Fogo, da Polícia Federal, fechou serrarias, destruiu pontes ilegais e provocou revolta. Caminhões foram incendiados, o comércio rural paralisou e Paragominas passou a ser chamada de “Paragobala” por sua população: um retrato da tensão entre o meio ambiente e a economia.

Transformação

Foi diante desse colapso que o então prefeito, Adnan Demachki (gestão 2005–2012) propôs uma solução inédita: um pacto municipal pelo meio ambiente. Com apoio do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), produtores rurais foram obrigados a se cadastrar no sistema de controle ambiental, sob risco de perder mercado e financiamentos.

Entre 2007 e 2009, o desmatamento caiu de 107 km² para apenas 25 km². Paragominas foi o primeiro município a sair da lista e recebeu, em 2010, o título de “Município Verde”, sendo citado como exemplo de sustentabilidade no Brasil e no exterior.

Evolução do desmatamento na Amazônia brasileira entre 1988 e 2023, destacando o impacto em municípios como Paragominas (fonte: Felipe Paiva)

Hoje, 17 anos depois, Paragominas continua sendo citada em estudos ambientais. Porém, os desafios mudaram. A cidade cresceu, a produção agrícola aumentou e os jovens filhos dos pioneiros do agronegócio agora operam drones e satélites. Mas isso significa que a sustentabilidade foi mantida?

Segundo dados do MapBiomas, o desmatamento em áreas privadas voltou a crescer nos últimos anos, ainda que em níveis menores que os da década de 2000. Fiscalizações diminuíram em alguns períodos e relatos de flexibilização ambiental voltaram a aparecer após 2019, durante governos menos comprometidos com a pauta ecológica.

Reportagem da Revista Piauí, publicada em fevereiro de 2021, revelou um dado importante: a mudança em Paragominas foi precedida por um surto sustentável da elite local. Veio pela necessidade. A exportação da soja, o crédito bancário e o mercado nacional e internacional passaram a exigir controle ambiental. Em outras palavras: a floresta só vale se for economicamente viável.

Isso torna o pacto instável. Se o mercado deixar de exigir, o controle pode desaparecer. Por isso, a fiscalização pública, a educação ambiental e o engajamento da sociedade são cruciais para que Paragominas não retroceda.

Vozes Locais

A professora Kátia Lima da Conceição, que atua na rede pública de ensino em Paragominas, acredita que o título de Município Verde já não representa mais a realidade da cidade. Para ela, os pontos de preservação foram reduzidos significativamente com o avanço urbano. “A cidade está crescendo, os habitantes estão tomando conta e as áreas verdes são mínimas em relação ao que eram antes”, avalia.

Ela também destaca o impacto visual e ambiental causado pelas novas construções. Prédios, vias, condomínios e bairros surgiram onde antes havia vegetação nativa, alterando a paisagem local. Kátia observa que esse processo de urbanização reduziu os espaços naturais e comprometeu parte do equilíbrio ecológico da cidade.

Outro ponto levantado pela pedagoga é o esquecimento da história ambiental entre os mais jovens. Segundo ela, os alunos atualmente conhecem pouco ou quase nada sobre o Programa Município Verde. “Hoje não é tão visibilizado como antigamente”, lamenta. Para a professora, isso representa uma perda de identidade e de referência para as novas gerações.

Alunos da professora Kátia participam de atividade lúdica em sala de aula, explorando o aprendizado de forma criativa e interativa (foto: acervo pessoal)

Apesar das críticas, Kátia reconhece o peso da produção rural na economia local. Ela declara que a agropecuária tem sustentado a cidade e que o nível de exportação aumentou significativamente, o que demonstra a força do setor. No entanto, ressalta que crescimento econômico não pode vir à custa da degradação ambiental.

Para a docente, o caminho para uma Paragominas mais verde começa com a conscientização da população. Ela defende que a mudança não virá apenas de políticas públicas, mas da transformação individual. “É preciso que cada cidadão entenda que jogar lixo nas ruas, desperdiçar água ou desmatar tem consequências diretas para todos”, ensina.

João Miguel Silva de Andrade, colaborador de uma empresa de máquinas agrícolas, representa uma nova geração que cresceu já sob os efeitos do Programa Município Verde. Para ele, Paragominas ainda pode ser considerada uma cidade verde, mas com ressalvas. “O conceito de Município Verde vai além das áreas verdes em si, é um sistema pensado para que Paragominas fosse vista como modelo, mesmo que hoje não haja o mesmo empenho e dedicação”, alega. Ele acredita que, apesar da perda de protagonismo ambiental, seria preciso um retrocesso significativo para que a região deixasse de merecer o título.

O jovem observa que a paisagem urbana perdeu parte do verde que antes a caracterizava, e que algumas áreas que eram preservadas hoje deram lugar a empreendimentos industriais. Ele destaca, por exemplo, a presença de grandes empresas como a mineradora Hydro e a Flora (antiga Floraplac), que utiliza eucalipto reflorestado para a produção de MDF e HDF. Para João, a cidade deixou de ter alguns pontos tão cuidados como antes, mas evoluiu no setor industrial.

Hydro, em Paragominas, completa mais de 15 anos de operação com foco em práticas de sustentabilidade na mineração de bauxita (foto: acervo Hydra)

Sobre a produção rural, João enxerga avanços. Acredita que a tecnologia trouxe mais responsabilidade ambiental aos produtores, que hoje se preocupam mais com a mitigação de impactos. Embora reconheça que ainda haja prejuízos ao meio ambiente, ele admite que muitos agricultores tentam conciliar produtividade com preservação. “Alguns produtores hoje prezam pela plantação sustentável, querem manter a produção em larga escala, mas tomando cuidado para não prejudicar a fauna e a flora da região, explica.

Para o futuro, Miguel defende o retorno de ações educativas e de reflorestamento urbano. Ele lembra que, no passado, projetos escolares incentivavam o cuidado com o meio ambiente, como hortas nas escolas e plantios ao redor das instituições. Atualmente, essas iniciativas são raras ou pouco divulgadas. Além da retomada em ambientes escolares, ele acredita que a participação de empresas privadas pode ser um diferencial importante na preservação, com ações que aliem responsabilidade ambiental e benefício social. “Se existissem projetos como ‘plante uma muda e ganhe desconto’, isso engajaria a população de forma prática e educativa”, sugere.

Outra visão relevante sobre o papel das grandes empresas em Paragominas vem de Ana Beatriz da Silva Nogueira, funcionária da mineradora Hydro. Para ela, a atuação da empresa tem contribuído positivamente para a preservação ambiental no município. “A Hydro tem um grande cuidado com o meio ambiente em Paragominas. Desde o início de suas operações, adotou um modelo de mineração sustentável, com foco na reabilitação das áreas mineradas”. Ela destaca o uso de tecnologias, como drones, para ampliar os trabalhos de recuperação ambiental na região amazônica, além da implementação de projetos voltados à sustentabilidade e à educação ambiental.

Sobre os efeitos do crescimento industrial da cidade, Ana Beatriz avalia que as consequências  podem ser positivas quando há responsabilidade e planejamento. “O impacto depende muito da postura da empresa. Quando há respeito às leis ambientais e compromisso social, como ocorre com a Hydro, o crescimento industrial pode gerar benefícios concretos”.

Ela cita como exemplo o apoio da empresa ao projeto de fortalecimento da Coopercamare, cooperativa de catadores de materiais recicláveis do município. A iniciativa, desenvolvida em parceria com a prefeitura de Paragominas e a ONG Gaia Negócios Sociais, durou dois anos e meio, com foco na profissionalização dos cooperados e o incentivo à geração de renda sustentável. “Esse tipo de ação mostra um compromisso concreto com o desenvolvimento social e ambiental da região, valorizando um trabalho essencial para a economia circular e para a comunidade local”, pontua.

Colaborador da Hydro durante atividade de monitoramento de mudas, em ação voltada à recuperação ambiental e sustentabilidade. (foto: acervo Hydro)

Quando questionada sobre o título oficial, Ana Beatriz reconhece os esforços iniciais da cidade, mas alerta para a necessidade de renovação constante desse compromisso. “Paragominas ainda tem muitas características do Município Verde, mas os desafios continuam. É necessário renovar políticas públicas, fiscalizar com rigor e incentivar a educação ambiental”, destaca.

Ela defende que tanto as empresas quanto os cidadãos têm papéis fundamentais na preservação ambiental. “A empresa precisa manter o investimento em práticas sustentáveis e o diálogo com a comunidade. Já a população pode colaborar com atitudes simples, como cuidar do lixo, preservar as áreas verdes e participar de projetos ambientais. Pequenas ações geram grandes transformações”, conclui.

Sustentabilidade

Em 20 e 21 de junho de 2016, Paragominas renovou seu compromisso com o meio ambiente, ao participar da cerimônia do Programa Estadual Municípios Verdes (PMV), onde foi apresentada a repactuação do “Desmatamento Zero”. Durante audiências públicas e oficinas técnicas, foi lançado o Plano de Prevenção, Controles e Alternativas ao Desmatamento (PPCAD), com diagnóstico elaborado pela empresa Floram, contratada pelo Fundo Amazônia.

Segundo a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, Paragominas investiu em gestão ambiental moderna, substituindo ações de comando e controle por tecnologias que garantem sustentabilidade aos empreendimentos locais.

Em 2025, ao completar 60 anos de emancipação, a cidade reforçou esse compromisso com uma programação especial voltada à preservação ambiental. Segundo matéria publicada no site da Prefeitura, a semana de aniversário contou com ações como o plantio de mudas nativas, palestras sobre educação ambiental e distribuição de sementes para a população. As atividades envolveram escolas, empresas e a comunidade local, reafirmando o papel coletivo na construção de um futuro mais verde.

Comemorações dos 60 anos de Paragominas: moradores participaram do plantio de mudas nativas com o compromisso ambiental. (foto: acervo prefeitura de Paragominas)

A cidade continua sendo um marco na história ambiental da Amazônia. Mas manter o título de Município Verde exige mais do que um selo: demanda vigilância, dados atualizados, políticas públicas consistentes e, sobretudo, compromisso coletivo.

A trajetória local mostra que a mudança é possível, mas também que é fácil retroceder. Para João Miguel, o futuro de Paragominas como referência ambiental dependerá do esforço conjunto entre poder público, empresas e cidadãos. “A sustentabilidade não é algo que se conquista de uma vez só. É uma construção diária, feita com responsabilidade e compromisso de todos os lados”.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.