Texto e fotos: Julio Cezar Nascimento
Início de mais uma manhã de muito trabalho no Panelódromo de Imperatriz, localizado na Praça Tiradentes, uma das mais antigas da cidade, que traz lembranças de um passado bem recente. Muita gente sabe da importância que esse espaço representa, já que foi palco de várias atividades culturais, artísticas e sociais. Quem vem pela lateral do Hospital Regional Materno Infantil, já percebe uma nova estrutura que foi construída para atender as demandas das paneleiras da cidade.
Aqueles que se aproximam pelo lado do antigo Camelódromo encontram o solário que foi mantido, com algumas pessoas dormindo com seus companheiros caninos de estimação. São moradores de rua que se abrigam diariamente neste espaço. É uma manhã de quarta-feira, a praça está rodeada de estudantes, vendedores ambulantes e acompanhantes que ficam aguardando pacientes do hospital.
Quando se entra no Panelódromo, já se ouve o chiado das panelas e pode se sentir um cheiro de comida caseira no ar, bem diferente do aroma dos pratos de outros restaurantes localizados na região. Algumas cozinheiras tinham virado a noite trabalhando, outras chegaram cedo para preparar as refeições. Segundo informações, algumas vêm mais à tarde, pra vender algum tipo de lanche e atender a clientela estudantil, enquanto outras não querem fazer comida porque consideram a venda fraca.
Observando a perspectiva da parte central ou na lateral do estacionamento, já cedinho há pessoas comendo panelada ou sarapatel, com uma Coca-Cola do lado, farinha com pimenta no cestinho da mesa e um limãozinho daquele bem verdinho pra dar ainda mais sabor à comida.
Ao todo são 42 boxes, mas apenas uma média de 25 estão em funcionamento. Cada um deles tem uma mesa adaptada com bancos feitos de madeira, onde os clientes se sentam, de costas uns para os outros. Só se vê de frente quem está na mesma banca de comida, o que faz lembrar a ideia de comer de “costas para a rua”, expressão comum na Quatro-Bocas, outro local de Imperatriz em que as paneleiras ficavam originalmente. No interior de cada boxe, estão visíveis tachos grandes que servem para manter a comida quente. Quando se enxerga a cuscuzeira, já se sabe que a panelada só combina com arroz branco.
Espaço de afeto
A paneleira Regina Cantuário, 48 anos, tem quase 20 de experiência. “Eu criei três filhos daqui. Sustentei a casa vendendo panelada. Hoje não me vejo muito bem aqui, não. O fluxo de pessoas mudou. Lá na Quatro-Bocas era melhor, mais movimento, o povo já sabia onde era as barracas, os carrinhos e identificavam as paneleiras de longe. Rum, hoje tá bem complicado, pois caiu muito a venda”, comenta Regina. Ela informa que há dias que não se vende nenhum prato e muitos clientes chegam a perguntar se a comida é mesmo do dia. “Acho que eles perguntam por perceberem que a procura diminuiu, a gente gostava era de lá”, relata.
Enquanto ela fala, mais pessoas chegam para comer. Também é comum a presença de moradores de rua e dependentes químicos pedindo dinheiro ou comida. Eles sempre costumam estar acompanhados de um cachorrinho. No fundo, o ponto de táxi, antes bem movimentado, perdeu vários clientes durante a pandemia da Covid-19. Os taxistas agora vivem jogando dama e xadrez para passar o tempo.
Parte da família de Regina se empenha em preparar e vender panelada. Esta atividade vem atravessando gerações, mas a família percebe a necessidade em manter o sustento familiar a partir da comercialização de outras comidas típicas, como o sarapatel. Também resiste o sentimento de manter a tradição nessa atividade. E
Em um dos bancos da praça, perto do boxe 15, é comum se ver uma moça na parte da tarde. Pele negra, magra, alta, de cabelo curtinho, livro na mão, esperando seu namorado sair do trabalho pra buscá-la. “Eu gosto daqui, pois me traz paz. Aqui eu converso com as paneleiras e me distraio, porque a gente faz amizade com muita gente. Me sinto muito só e tenho recaídas de depressão. Aqui tenho sossego pra ler um livro, eu me sinto acolhida de verdade”, diz Rute Sousa, 22 anos.
Toda tarde Corina, 82 anos, vem lá do povoado Camaçari para almoçar no Panelódromo. Ela mora sozinha em sua “imensa casa”, como ela retrata. Em 2021 perdeu seu esposo pra Covid. Os filhos moram em Goiânia e ela, para não ficar sozinha, pega diariamente o ônibus que passa na porta de casa, a linha Cumarú ou João Lisboa. “Eu não faço comida em casa, eu venho é pra cá. Eu gosto é da folia e da praça. E depois que fiz amizade aqui, agora que venho mesmo. Só falta uma musiquinha e uma cervejinha de lata. Oh, meu fie, e eu só pego o ônibus de volta de tardezinha. Num tenho filho pequeno mesmo, eu sou solta e gosto de namorar. E no meu aniversário vai muita gente daqui lá pra casa”, relata.
* Esta matéria faz parte do Projeto Vivências, que estimula os estudantes de jornalismo a abrirem todos os seus sentidos e narrarem ambientes, ações e personagens.