Repórter: Isis Dias
Fotos: Isis Dias
Amassadas com os pés, fermentadas de forma natural e engarrafadas em um recipiente com pescoço longo, as uvas são responsáveis pelo sabor de uma das bebidas que mais crescem no mercado de Imperatriz: o vinho. Entre o doce da fruta e o brilho das taças, Danilo Henrique Feitosa Nascimento, 45, arquiteto e proprietário do Merlô Butiquim, encontrou sua paixão. Acostumado a construir sonhos, com seu poder de transformar o esboço do papel em um lugar para criar memórias, o empresário não poderia deixar de projetar o espaço mais marcante de sua vida.
Recifense com carteirinha de mineiro, Danilo passou 12 anos em Belo Horizonte, cidade na qual fortaleceu seu vínculo com a bebida. Chegou à Imperatriz do Maranhão, em 2022, onde gerenciou uma loja de móveis e decoração. Em meio ao mundo da arquitetura, o amante de vinho mantinha pesquisas sobre os sabores que a uva proporciona, sem obrigação, apenas por curiosidade e amor ao conteúdo de suas taças. Após uma década de estudos, todo esse conhecimento precisava tomar um novo rumo.
Seu primeiro negócio no ramo, a Vinheria Merlô, foi a porta de entrada. Funcionava como um delivery de vinhos, em que a paixão de Danilo era levada até as casas dos imperatrizense. Apesar de não funcionar como esperava, o empresário não desistiu. Há dois anos, iniciou um novo projeto e seu sonho começou a criar forma. Reconhecido como o primeiro Wine Bar de Imperatriz, o Merlô Butiquim nasceu da vontade de compartilhar o amor pela bebida. Com referência para os entendedores de vinho, o nome escolhido é inspirado na uva Merlot, uma das variedades mais populares do mundo.
Localizado na Rua Godofredo Viana, no Centro, o estabelecimento apresenta vinhos entre R$ 96,90 e R$ 284,90, além do vinho na lata, de 269ml, por R$ 25,90. O bar também conta com drinks autorais, como o próprio Merlô, que leva tangerina, hortelã, vinho tinto, Vodka e bastante gelo, no valor de R$ 35,90. Para os tradicionais, os clássicos também fazem parte do cardápio, como a Caipireja, o Moscow Mule, a famosa Caipirinha e a Soda Italiana, que não contém álcool e possui três variedades de sabores, por R$ 16,90. Em harmonia com a degustação, a cozinha prepara petiscos, entradas e pratos individuais, que variam entre R$ 46,90 e R$ 74,90. O cardápio completo pode ser encontrado no perfil do Instagram @merlobutiquimitz, onde é divulgada a programação da semana, que possui happy hour, open wine e a Baladinha Merlô, nas sextas-feiras.
Assim como o empreendimento de Danilo, outros começaram a surgir nos últimos anos, em Imperatriz. Com a chegada de cinco importantes casas de vinho, entre 2020 e 2024, como a Grand Cru e a Terroir di Milani, a quantidade de consumidores e, consequentemente, de interessados no assunto, aumentou. No meio de tantos sabores, classificações e harmonia, as dúvidas costumam surgir com mais frequência, não só pela curiosidade, mas também pelo desejo de entender a riqueza por trás do suco da uva. Por meio do olhar de Danilo Feitosa, é possível compreender como funciona a escolha do vinho e como a cidade recebe o crescimento desse mercado.

“A escolha do vinho é o que torna a experiência mais especial. É o vinho certo, para o cliente certo”
Imperatriz Notícias: Seja pelos vinhos mais baratos, seja pelos mais caros: todas as faixas de preço tem muitas variedades. Quais dicas você daria para quem quer começar a entender de vinhos, mas se sente perdido no meio de tantas opções?
Danilo Feitosa: Eu começaria com um branco. Porque o branco prepara o seu paladar para um vinho mais encorpado. Tem muitos lugares que não informam o cliente. Estão mais interessadas em vender o produto. E o vinho não é um produto, é uma experiência. Aqui, quando chegamos na mesa para falar com os clientes, a primeira coisa que eu pergunto é: Você gosta de vinho? E não me surpreende quando a pessoa diz: “Não, não costumo tomar, mas queria experimentar”. E aí eu já sugiro um vinho menos encorpado, como um Pinot Noir. Esse início é muito importante. É onde você vai encantar o cliente ou vai estragar completamente a experiência da pessoa que está querendo beber. Então, esse é um fator muito importante. A escolha do vinho é o que torna a experiência mais especial. É o vinho certo, para o cliente certo.
IN: Como você disse, que veio de outro Estado, eu sei que deve existir uma diferença na culinária da sua cidade para a culinária de Imperatriz. O que fez eu pensar sobre Harmonização, um tema que costuma surgir quando se fala em vinho, mas ainda gera muitas dúvidas, se realmente a escolha do vinho vai dizer se a comida é mais saborosa ou não. O que combina melhor com a culinária regional do Maranhão?
DF: Você percebe que a harmonização do vinho não cai bem quando o vinho trava. Ele trava na garganta. É impressionante. Depois, faça uma experiência. Porque tudo tem que descer muito suave. Então, trazendo essa culinária local para a gente aqui. Eu digo que os vinhos menos encorpados e os vinhos brancos são os mais indicados. Basicamente, a gente pensa assim: carne vermelha ou molho vermelho combina com vinho tinto; carne branca (frango, porco, peixe) e o molho branco vai com vinho branco ou rosé. A gente simplifica pra deixar mais claro para o público, porque quando você vai harmonizar de verdade, tem muito detalhe. Saber qual uva vai bem com qual prato precisa de estudo. Essa é a base pra gente ficar mais harmonizado com esse assunto, digamos assim.
DF: Ah, mas tem uma surpresa. Agora eu vou fazer uma pergunta para você. O que combina com churrasco?
IN: Vinho tinto?
DF: Espumante. Acredita? Ele combina super bem com churrasco.
IN: Então, espumante é um tipo de vinho?
DF: Isso, espumante é um vinho que é gaseificado, digamos assim, né? Existe o espumante e existe o champanhe. Champanhe só é considerado champanhe quando é feito na região champanhe.
IN: Outra coisa que é importante para ter uma ótima experiência é o armazenamento. Existe algum erro que os consumidores cometem na hora de armazenar vinho?
DF: Bastante. Têm vinhos que o tempo de guarda dele é de até 2 anos. E tem vinhos que a guarda dele tem 30 anos. Existem outros fatores na vinícola, que é onde eles fabricam os vinhos, que fazem com que ele possa ser guardado por mais tempo. Mas, quando eu falo do armazenamento de nós, pessoas normais de casa, e que não temos uma adega, é ideal o lugar mais fresco da casa. Geralmente a cozinha, longe do fogão e que esteja sempre deitado. E o armazenamento aberto? Não tomou todo o vinho? Tampa e geladeira. O vinho tinto, 5 dias na geladeira. O vinho branco, ele tem uns três dias. Porque senão, ele avinagra. Ele fica com gosto de vinagre. Por isso, a gente faz essa prova. Não é balela frescura. Quando a gente serve o vinho. Na primeira taça, serve uma prova. E a pessoa gira, cheira e tal. É para saber se ele não avinagrou.

“As pessoas acham que os vinhos do Velho Mundo, ou do Novo Mundo, mais lá do Chile, Argentina, são muito melhores do que o nosso e nem tanto, eu tenho vinhos muito bons brasileiros”
IN: Você falou sobre alguns vinhos durarem apenas 5 anos, o que lembrou um mito: quanto mais antigo o vinho for, melhor. Existem outros mitos também, por exemplo, vinhos mais caros são mais saborosos ou que vinho com qualidade é amassado com os pés. Quais desses mitos você já escutou na sua carreira e gostaria de desmistificar?
DF: Eu posso desmistificar todos. Porque todos têm poucas verdades. Primeiro, vamos para amassar com os pés. Existe essa técnica, mas é muito peculiar de algumas famílias que gostam desse processo. Mas, para o consumo, para chegar até a gente, não existe mais isso. Até pela higiene. Hoje, é feita a maceração das uvas em fábrica. Outra coisa, vinho bom não precisa ser caro. Existem vinhos de qualidade, um vinho honesto, incrível, com um preço super razoável. Quanto mais tempo o vinho passa guardado, ele fica menos doce. Então, o vinho que é feito para consumo rápido, de guarda de poucos anos, possui muito açúcar da uva. Ele tem um paladar melhor para as pessoas. Mas existem vinhos maravilhosos, de um ano de safra de 2023, que é muito mais saboroso do que um vinho que passou 10 anos. É muito relativo.
IN: Vamos partir agora para uma discussão sobre quem trabalha com vinho, como você, proprietário do Merlô Butiquim. Como funciona o processo de escolha dos vinhos que chegam aos mercados locais? Quais os critérios para escolher?
DF: Os vinhos aqui da casa são todos escolhidos. Mas, como nós estamos em Imperatriz e vem tudo de fora, ou de São Paulo, ou Santa Catarina, é muito difícil a gente ir e ficar provando um por um para saber se é bom ou não. É pela experiência de muitos anos de consumo, e pela descrição, que a gente consegue avaliar melhor o vinho e não comprar tanto nas escuras. Temos a seguinte regra: tudo que chega aqui é aprovado. Então, todos os vinhos da minha adega, ou que estão na prateleira para venda, passam por mim. É justamente isso que dá a certeza de apresentar o melhor produto para o cliente. E não é só eu que provo, todos os colaboradores do salão provam os vinhos. Para eles saberem e entenderem o que é. Porque não adianta ficar na garrafa. Você precisa ler, você precisa provar, você precisa vivenciar realmente, entendeu?
IN: Percebi que os colaboradores da casa também têm um contato próximo com o vinho, o que surgiu uma curiosidade: Existe algum treinamento, ou você pretende fazer, para mantê-los informados no assunto?
DF: Lógico, com certeza. É sempre importante. Quando eu montei essa equipe de agora, essa atual, nós sentamos, conversamos. Eles têm acesso a todos os catálogos dos vinhos, que também traz essa informação de cada vinho. Existe também um treinamento inicial. Mas eu quero, sim, fazer um treinamento mais aprofundado. É sempre bom quando vem novos rótulos. É interessante eles saberem. E a gente está sempre fazendo essa parte de treinamento, que é muito importante.
IN: O tema dessa entrevista surgiu pela chegada de importantes casas de vinho nos últimos anos, como o Grand Cru, em 2022, e o Jack Taberna, em 2023. Com isso, é possível perceber a popularização desses estabelecimentos, que tem o vinho como a principal temática do local. O que impulsionou esse crescimento nos últimos anos aqui em Imperatriz?
DF: O Brasil está sendo um consumidor muito forte. A questão de aparecer vários estabelecimentos com vinho surge pela demanda. As tendências que vemos em outras regiões temos que acompanhar. E vão surgindo espaços que implementam esse produto, com cautela, bem tímido, não necessariamente uma casa de vinho, mas ele já aparece no seu cardápio. O mais complicado e o mais difícil é nossa região Nordeste consumir esse produto, porque o vinho é quente, e ele te dá calor. Mas, é onde a indicação do produto vai tornar aquela experiência incrível, sabe? Porque um vinho, mesmo no calor, ele faz toda a diferença, você pode tomar um vinho tinto na beira da piscina. A gente vende muito, aqui, tinto ou branco. Por causa do nosso clima. É refrescante, é geladinho e, por isso, combina mais nessas ocasiões.
IN: Diante desse crescimento do mercado, como Imperatriz receberia eventos, feiras ou festivais de vinho? A cidade tem potencial para isso?
DF: Eu acho que a resposta não é nem se tem ou não. Tem que começar a ter. A gente vê em outras regiões justamente esses eventos. O que é fundamental para desmistificar essa bebida tão elitizada. Claro, ele tem seu ritual: a taça certa, a prova antes de servir, a etiqueta, que pra gente é essencial. Mas, não precisa ser algo chique demais. Em BH, em São Paulo é assim mesmo, descontraído. Eu quero ajudar a desmistificar essa bebida. Ela não precisa ser vista como algo chique e sim como algo que se bebe na calçada. Quando você fala desse jeito, tira esse peso do “produto elitizado” e leva o vinho para a mesa do povo. O que acontece? Mais consumo, mais adegas, mais gente tomando e se apaixonando por vinho. E para isso, precisa ter feira, sim. Precisa. Não é que não cabe em Imperatriz, pelo contrário, precisamos ter. Sabe?
IN: Você falou sobre essa questão do vinho ser visto como algo elitizado. Mas, com esse crescimento do mercado, é possível dizer que o vinho deixou de ser um artigo de luxo e se tornou mais acessível?
Sim, com certeza. Até pela grande produção dele, o que incentiva os preços a baixarem e trazer essa bebida para dentro. Para dentro da nossa casa, da nossa mesa. E nem todo vinho caro é bom. Existem vinhos que são deliciosos, com preço super acessível. Menos de 40 reais. Por exemplo, Ola Pô é um vinho chileno maravilhoso. Go Up é outro vinho chileno muito bom. Os vinhos do Novo Mundo são bem mais acessíveis do que o do Velho Mundo, porque esse tem muito tempo, tem mais imposto, é outra moeda e, enfim, ele pesa um pouco mais para gente em relação à tributação. Mas, temos assim, espumantes brasileiros premiados, com mais premiações do que a própria França. Você encontra alguns de 40 reais, 50 reais, que é um escândalo de bom. Precisa ter mais produção de vinho para se tornar cada vez mais acessível.
IN: Agora eu quero entender sobre os consumidores locais. Imperatriz tem perfil mais voltado para vinhos nacionais ou importados?
DF: Importados. Isso é uma pena, porque tem vinhos brasileiros, que são um espetáculo. Existe um preconceito com nossos vinhos. Infelizmente, é isso que acontece. As pessoas acham que os vinhos do Velho Mundo, ou do Novo Mundo, mais lá do Chile, Argentina, são muito melhores do que o nosso e nem tanto, eu tenho vinhos muito bons brasileiros. Tem um vinho do Rio São Francisco, por exemplo. Sabe? A Beira do Rio São Francisco, que é o que nós recebemos aqui, é uma delícia. Mas as pessoas ainda têm esse pouco de preconceito com o vinho brasileiro. Então, a minha carta maior é importada. Mas eu tenho uma paixão pelos vinhos brasileiros, que eu acho muito legal a evolução que eles vem tendo.
IN: Para encerrar, qual a sua visão sobre o futuro do mercado de vinhos em Imperatriz?
DF: Eu espero que ele cresça mais. Espero que tenha mais casas de vinho. Mais distribuidores locais, que isso é muito importante, e que tenham mais amantes de vinho. Além de, claro, desmistificar essa bebida tão elitizada, trazer para essa galera jovem. Engraçado que o público aqui do Merlô é um público jovem. Eu digo público jovem dos 30, 40 anos, nós somos jovens. E é um público que consome esse produto. Também temos clientes mais novos, que já começaram a criar esse interesse também. Então, espero que cresça bastante, que venham mais negócios. Eu vejo muito potencial em Imperatriz.