“O maior presente do jornalismo são as pessoas que eu conheço”

Jornalista do Brasil de Fato Pernambuco e integrante do Coletivo Tejucupapos, Helena Dias, comenta a sua trajetória

Amanda Guimarães

Carolina Kunz  

Ana Vitória Figueredo

Eduarda Santos

Ellen Guedes

Luana Cristina Souza

Luana Fernandes

Matheus Aquino

Sabrina Feitosa

Sâmela Ferreira

Sthefany Passos

“Não foi um fato isolado ou um momento, foi uma construção”. A jornalista Helena Dias, consultora de causas, fundadora do Coletivo Tejucupapos e apresentadora do Brasil de Fato Pernambuco, explicou desta forma, em entrevista coletiva aos estudantes de jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o que a motivou a atuar na área dos direitos humanos. Nascida no bairro da Macaxeira, zona norte de Recife, em agosto de 1994, a repórter contou que a família não era ligada a organizações desse campo, mas seus familiares eram engajados no meio político. “Todo mundo sabia claramente em quem a gente votava”, relembra.

Helena Dias apresenta o programa de TV Trilhas do Nordeste, do Brasil de Fato Pernambuco, em fevereiro de 2024. (foto: Reprodução/Brasil de Fato Pernambuco)

Após ingressar no curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em 2013, expandiu seus horizontes para as causas dos direitos fundamentais. “Era um período que tinha muita movimentação acadêmica sobre o assunto”. Convivendo com editorias de Política, naquela época, Helena percebeu que no contexto das pautas desta área, a “cobertura costuma ser muito superficial e não instigava a consciência das pessoas”.

Ela se envolveu com o movimento feminista, acompanhou a Marcha Mundial das Mulheres, e passou a integrar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Entendeu, então, que o papel do jornalista é de impulsionar a conscientização política da população. Atualmente, Helena vem passando por uma transição, se compreendendo como uma pessoa que tem uma trajetória para contribuir na comunicação de causas populares. “Eu hoje consigo chegar numa organização e identificar de maneira mais rápida quais os problemas daquela comunicação e como ela pode avançar”.

Experiências

Para a repórter, “ter o pé num território, ou ter alguma conexão com ele, é uma coisa indispensável”. Também enfatiza a sensibilidade necessária ao entrevistar uma fonte, alertando para a importância de não omitir dados essenciais. Tratando de sua experiência na profissão, Helena acentuou que, em um contexto periférico, é crucial ter sempre cuidado ao conversar com as pessoas. “Antes de ser jornalista, eu sou gente, e como gente, como é que eu gosto de ser tratada?”, refletiu.

Desde o início da sua carreira, quando se deslocava para os locais das reportagens, Helena não ficava focada apenas no que precisava ser denunciado. “Eu era muito de ir pra um lugar, e eu pescava o que eu achava bonito, sabe?”. Durante essas vivências, ela começou a explorar atividades fotográficas utilizando seu próprio celular. Depende do tom da pauta, mas a jornalista busca enxergar a beleza presente em cada acontecimento, não apenas sob a ótica da escrita, mas também por meio da fotografia. “Eu gosto de tirar o ângulo bom e que a pessoa se sinta bem com aquela foto que eu vou botar na matéria. Toda uma experiência que é de jornalismo de gente”.

A Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, que aconteceu em março de 2019, no polo de Borborema (PB), foi uma de suas atividades mais marcantes, ocasião em que a repórter fez três perfis de agricultoras. Uma delas foi dona Terezinha, uma militante histórica e bastante religiosa. “Nós estávamos atrasados e ela estava arretada com a gente”, recorda Helena, com um sorriso no rosto. Quando a entrevista estava chegando ao final, a senhora fez uma pergunta inesperada. “Ela me segurou pelo ombro e me disse: ‘Eu quero saber, qual o posicionamento do seu trabalho em relação à prisão do Lula’”. A jornalista contou a história entre gargalhadas e disse que só depois da resposta a fonte a liberou para continuar o seu trabalho.

O segundo perfil foi o da filha de Terezinha, Maria do Céu, que, segundo Helena, trazia consigo a resistência feminina das mulheres da região e mostrava ter orgulho de carregar esse legado. Outra fonte, que ia se candidatar à vereadora, rendeu a terceira matéria, no mesmo período em que  Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em março de 2018, foi homenageada após um ano de sua morte. Na zona rural, como observou a repórter, muitos jovens deixam o campo pois não têm condições de trabalhar, como foi o caso dos netos de Terezinha: um queria  continuar e outro morar em outro lugar. “Havia várias pautas ali que eu fui vivenciando de perto com aqueles personagens”, avalia.

Dona Terezinha e Maria do Céu, agricultoras, mãe e filha, entrevistadas por Helena durante a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, em 2019 (foto: Inês Campelo/Marco Zero Conteúdo)

Helena compartilhou, ainda, como foi sua reação ao participar da Marcha das Margaridas, em Brasília, em 2019. Ela viajou dois dias e meio no ônibus com os integrantes da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape) e depois cobriu a marcha. “Então foi também uma experiência muito ‘foda’, principalmente para a gente que é do Nordeste, porque é uma coisa impressionante”.

A viagem também reforçou a sensação de perceber o Nordeste como uma região muito maltratada. “Fomos em um ônibus tão velho, que quando chegou lá em Brasília ele quebrou”, descreveu, rindo. Mas mesmo em meio a todo esse impacto, Helena percebeu um grande encanto ao acompanhar todas as delegações reunidas em uma energia de contribuição conjunta.

“São os estados que mais enchem a mobilização. Maranhão, inclusive, era uma das maiores. As nordestinas eram as delegações que ficavam à frente da Marcha das Margaridas, porque elas eram as que levavam mais gente”, comentou Helena. Ela sente uma enorme gratidão e afirmou ter sido enriquecedor conhecer mais de perto todos com quem conversou. “Pra mim, o maior presente do jornalismo são as pessoas que eu conheço, porque de alguma forma ele me proporciona isso”.

Coletivo

Formada em Jornalismo há oito anos, Helena destacou os bastidores da criação do Coletivo Tejucupapos, em Pernambuco. “O meu TCC [Trabalho de Conclusão de Curso] foi sobre as heroínas de Tejucupapo. Na época de disputa entre Portugal e Holanda, a Holanda tentou invadir um local que hoje se chama Tejucupapo”. No entanto, enfrentaram uma forte reação popular. “Quando tentaram invadir, lá era uma comunidade pequena, e tinham muitas mulheres. E elas puseram tachos de água quente, sal e pimenta, para lutarem contra os invasores”, detalha.

Integrantes do Coletivo Tejucupapos durante lançamento do guia Prato Firmeza 5, no centro do Recife, em janeiro de 2024. (foto: Walisson Rodrigues/Coletivo Tejucupapos)

Embora sempre tenha tido interesse pela ideia das parcerias comunitárias, Helena encontrava algumas dificuldades. “Eu nunca conseguia botar em prática, porque tipo, um Coletivo eu não vou fazer só, então ficava tentando cooptar pessoas”. Após um tempo trabalhando, junto de outros comunicadores envolvidos em movimentos sociais, decidiram pela criação do Tejucupapos, que carregava um nome com tamanha historicidade.

Quando atuava como como coordenadora de comunicação institucional da Énois Laboratório de Jornalismo, acompanhou a abertura de uma seleção para coletivos interessados em elaborar o Prato Firmeza: Campo & Cidade, contou Helena. Trata-se de um projeto jornalístico em parceira com o Marco Zero Conteúdo, um guia gastronômico que visa documentar o trajeto do alimento até a chegada nos centros urbanos.

O Coletivo já produziu o guia duas vezes. “Então a gente teve esse start com o Prato Firmeza. A gente chegou a fazer o Pratinho Firmeza infantil”. Ela enfatizou o quanto é gratificante participar de projetos como esse, pois são experiências culturais ricas e permitem trocas envolvendo conhecimento, cultura e o que ela chama de “coisa literária e física, que faz muita diferença”.

Integrante do Coletivo Tejucupapos, Cha Dafol, entrevista crianças para o guia Pratinho Firmeza Brasil. (foto: Walisson Rodrigues/Coletivo Tejucupapos)

Confirmou, ainda, a importância de projetos como o Prato Firmeza para o nascimento e a resistência de coletivos. “Foi uma experiência massa, porque foi uma possibilidade de a gente ter algum recurso que fosse destinado a isso, pra nascer”. Ela informa que o grupo está empenhado em se inscrever em outros editais, pois necessitam de financiamento para seu sustento e participação em novos projetos.

O Tejucupapos continua ativo, porém, persistem as dificuldades relacionadas à gestão em paralelo aos trabalhos individuais. “Aí a gente tá justamente nesse momento, quem vai sair do trabalho, né? Eu não sei se vou poder sair, fico bem assustada com essa frase”, confessa Helena. Porém, ela encoraja outras pessoas com interesse na criação de coletivos, pois “a gente está precisando desse ecossistema cada vez maior”.

Força da comunicação

A consultoria em comunicação para organizações populares, na opinião de Helena, não tem uma receita única. Cada caso apresenta as suas particularidades e desafios, que foram especialmente visíveis durante a pandemia da Covid-19 (2020-2021). Ela frisou o diferencial desse tipo de ação no Terceiro Setor, mas também os obstáculos que muitas entidades ainda enfrentam.

“Acho que cada caso é um caso, né? E nem sempre estou enquanto consultora. Às vezes, estou atuando de forma independente, mas na maioria das vezes estou inserida no contexto da organização no social”. Helena comparou a diferença entre trabalhar como consultora e estar imersa no trabalho da entidade: “É muito grande, porque a comunicação é uma das maiores partes do que a organização está fazendo, do que ela está colocando para fora ou construindo de imagem”.

As necessidades sanitárias exigiram, segundo Helena, uma maior demanda para sua atuação. “A pandemia dividiu águas. As pessoas tiveram que se voltar para a comunicação online, por causa do distanciamento social. Pude ver mais de perto o papel da comunicação nas organizações”. Nesse período, Helena foi uma das comunicadoras responsáveis por desenvolver a metodologia da Formação dos Agentes Populares de Comunicação, do projeto Mãos Solidárias, coordenado pelo MST em Pernambuco.

Helena Dias durante Formação dos Agentes Populares de Comunicação, do projeto Mãos Solidárias (foto: Reprodução/Mãos Solidárias Pernambuco)

Helena citou também um trabalho que realizou para o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais, na mesma época. Como não podia entrar em contato pessoal com os membros, teve de abandonar o projeto. “Eles precisavam de alguém presencial, que pudesse acompanhar e que inclusive fosse do próprio movimento, o que fazia mais sentido”. A falta de prioridade ao diálogo interno e externo é outro obstáculo a ser enfrentado, já que muitas vezes não é vista como algo importante quando acontece um problema. “Muitas organizações não priorizam a comunicação como algo essencial”.

Outro exemplo citado foi de um projeto de uma agente social que enfrentava dificuldades para comunicar suas ações no sertão de Pernambuco. “Ela trabalha com a agroecologia, levava a tecnologia de cisterna, reuso de água e diversas outras coisas para casa de agricultores familiares. Mas ela tinha dificuldade de ter alguém que fosse na casa das famílias para documentar aquilo que tinha sido feito”.

Projetos

Atualmente, Helena está envolvida com um projeto desenvolvido com outra abordagem. Diferente do modelo tradicional da Educação de Jovens e Adultos (EJA), a iniciativa utilizará o método cubano de alfabetização. Uma das características principais, segundo a jornalista, é o baixo custo, já que ele pode ser adaptado às necessidades de cada aluno. O procedimento também apresenta uma abordagem que aproxima as letras do alfabeto com os números para facilitar a memorização e o aprendizado, processo educativo que já apresentou as primeiras letras a milhões de pessoas.

Jornalista pretende abordar a questão da justiça climática nos próximos trabalhos. (foto: acervo pessoal)

“Eu quero levar a palavra da comunicação tipo aceitar Jesus, para todos os lugares”. Para Helena, a “justiça climática” e o “Nordeste” são grandes temáticas nas quais ela se “viciou”. A jornalista está determinada em querer estudar mais sobre esses assuntos. “Eu sinto que nossa região meio que falou de clima durante muitos anos e agora que chegou nesse auge desse problema a gente está ignorando esse tema”, avalia. A repórter questiona se há muitos nordestinos preocupados com a problemática e o que estão fazendo para resolvê-la. “São temas com grandes marcos, e são até divisores de água mesmo do que eu quero fazer a partir de agora”.

Este perfil foi elaborado a partir de uma entrevista coletiva organizada pelos (as) estudantes do 1º semestre de Jornalismo da UFMA. O texto final, resultado da edição dos exercícios da disciplina Redação Jornalística, é a primeira publicação desses futuros jornalistas.