O livro-reportagem na atualidade: Entrevista com o jornalista e pesquisador Alexandre Maciel

Repórter: Lívia Nicolly e Renata Coelho

Fotos: Yara Medeiros e acervo da fonte

O pesquisador Alexandre Zaráte Maciel é doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente, é professor adjunto do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), campus de Imperatriz. Apaixonado por pesquisas acadêmicas, o professor possui como objeto de estudo o livro-reportagem.

Desde o começo de sua profissão, em 2003, na cidade de Campo Grande, já centrou os seus estudos no mundo da reportagem e especificamente no universo dos livros. O interesse pelo assunto foi despertado aos 12 anos de idade, quando ganhou de presente da sua mãe o seu primeiro livro reportagem: “Olga”, de Fernando Morais.

Na UFMA, o professor já orientou 12 livros-reportagem defendidos em TCCs por alunos do curso. Atualmente está à frente de um projeto que vai publicar parte desses livros, chamado “Memórias de Fôlego”. O primeiro livro, que vai ser lançado em novembro, traz como temática o Mercadinho, bairro popular da cidade, e vai contar com falas dos entrevistados na época. O professor afirma que podemos esperar grandes histórias.

Nesta entrevista, Alexandre explica como essa paixão despertada em sua infância se tornou objeto de análise e profissão. Ele também fala sobre os desafios que os escritores no Brasil enfrentam, algumas descobertas que fez sobre a temática de livros- reportagem ao longo dos anos e também fornece dicas de temas que ainda podem ser reportados em Imperatriz.

 

Imperatriz Notícias: Desde quando o senhor estuda livro-reportagem? 

Prof. Dr. Alexandre Zaráte Maciel: O livro-reportagem entrou na minha vida quando tinha 12 anos de idade, pois a minha mãe fazia o curso de História. No curso, ela ouviu falar de ”Olga”, de Fernando Morais, e minha mãe falou “meu filho, acho que você vai gostar desse livro”, e me apaixonei pela história, eu mal sabia dizer o que era um livro reportagem naquela época. Sabia que era feito por um jornalista, que aquilo me empolgava, que gostei da narrativa e da forma de contar. Só que isso era em 1985, ainda não havia no Brasil naquele momento um “boom” do livro reportagem.

Maciel entrevista o escritor Larentino Gomes (1808, 1822, 1899, Escravidão vol.1 e Escravidão vol.2),

IN: Na sua opinião, qual é a função do livro-reportagem?

AZM: Para mim complementa uma das grandes missões do jornalismo que é contextualizar os acontecimentos, trazer o ser humano para o centro da narrativa, tornar acontecimentos que às vezes foram noticiados muito rapidamente ou com uma sucessão de manchetes ou no calor da hora. Ele tem a vantagem de ser produzido com mais tempo do que o jornalismo tradicional, porque o autor de livro reportagem tem dois, três anos para produzir um livro.

IN: Por que nem toda reportagem pode virar um livro?

AZM: Um livro-reportagem precisa tratar ou de uma personalidade muitas vezes já falecida ou de um assunto que não perca sua atualidade, que mereça ser desdobrado com várias entrevistas e pesquisas para trazer novidades, que geralmente é uma problemática que não acaba de um dia para o outro. Então, nem todo acontecimento do mundo permite que você espere algum tempo para ser noticiado ou permite essa consistência para você levar um tempo aprofundando e ouvindo várias pessoas.

I.N: Como um profissional desse ramo vive? Ele possui um salário para escrever o livro?

AZM: Viver de livro-reportagem no Brasil é muito difícil. Você vive mais da divulgação do livro. Os autores vendem os direitos do livro para adaptar para cinema. Não é a editora que vai vender você, é você que faz o seu o seu “merchan”. Então, veja, não é o livro que dá dinheiro, são as consequências dos bastidores que você aprendeu e pode contar para os jornalistas como fazer livro é que traz. Então, é um sacerdócio viver de livro reportagem.

IN: Quem lê livro-reportagem?

AZM: É uma resposta difícil, porque, para mim, é um público super heterogêneo, nunca foi feita uma pesquisa acadêmica de recepção, mas meu sonho é fazer essa pesquisa. Existem pesquisas das editoras que revelam um pouco de vendagem de livro, o que não quer dizer que seja livro reportagem, pode ser livro de histórias, etc. É um universo complexo porque a leitura de um livro, como vocês bem sabem, é um ato subjetivo. A gente pode ver que tantas pessoas compraram o livro, mas será que elas leram inteiro?

IN: Qual livro o senhor está lendo atualmente?

AZM: Estou lendo atualmente a biografia do “Tom Zé: o último tropicalista”, que é feito por um italiano, Pietro Scaramuzzo, grande músico brasileiro, quase ficou esquecido e depois foi redescoberto pelos norte-americanos e “bombou” novamente. Agora estou lendo um livro sobre uma biografia de um músico. Um livro é uma aula de história, é um grande prazer, é uma aula de história gostosa e isso que descobri aos 12 anos.

I.N: O que despertou o seu interesse por esse gênero?

AZM: A maior parte das pessoas que escreve o livro-reportagem primeiro se apaixonaram lendo um livro e não tem desculpa, tem livros sobre tudo. Então, você escolhe o livro muitas vezes pelo universo. Sou um leitor apaixonado e também um estudioso, adoro orientar livro-reportagem porque orientando aprendo muito sobre a cidade. O primeiro livro que orientei aqui na UFMA foi sobre a rua 15 de novembro, da areia aos paralelepípedos, de Diego. O aluno aprendia e eu também. Então, para mim, é uma paixão de leitor, é uma paixão de estudioso que me levou a entrevistar os meus ídolos na tese de doutorado.

“A maior parte das pessoas que escreve o livro-reportagem primeiro se apaixonaram lendo um livro e não tem desculpa, tem livros sobre tudo. Então, você escolhe o livro muitas vezes pelo universo. Sou um leitor apaixonado e também um estudioso, adoro orientar livro reportagem porque orientando aprendo muito sobre a cidade”

IN: Se eu quiser ser um escritor de livro-reportagem, o que faço?

AZM: Você tem que estar preparado para entrevista longa, preparado para tirar dessas entrevistas o essencial, tem que fazer uma boa pesquisa histórica porque não existe livro-reportagem sem pesquisa histórica porque você vai falar de um personagem ou de um fato histórico com uma visão jornalística. Você precisa estudar aquele período. Então, são essas algumas das atribuições, mas acima de tudo, leia livro-reportagem para ver se você consegue ou chega próximo ao desafio de fazer um livro, que é um desafio.

IN: Quais temas ainda valeriam a pena ser reportados em Imperatriz?

AZM: Acho que cada proposta que me fazem é tão interessante. O professor Marcos que é vice-reitor e nosso professor do curso me sugeriu publicar os livros de reportagem defendidos em TCC. O primeiro livro que vai ser publicado vai ser agora em novembro que fala sobre o mercadinho, no projeto “Memórias de Fôlego”. Falta muita coisa, por exemplo, falta fazer mais biografias aqui no curso. Tivemos recentemente a morte de Frazão, daria uma excelente biografia. Tenho um sonho de fazer um livro sobre a Farras Velha, conversando com as prostitutas já idosas, falando sobre aquele período. Essas histórias têm que ser contadas. É ter o prazer de você olhar para sua cidade e ouvir as pessoas da sua cidade e botar aquilo no papel.

IN: Como os cortes na educação do atual governo interferem na produção de livros- reportagem?

AZM: Não só corte de educação, mas também querem aumentar o preço do livro, dizendo que livro é coisa de rico, aí nós não vamos pra frente. Um país que não lê e que torna os seus livros muito caros vai ficar cada vez mais difícil. É um desastre o atual governo, um total retrocesso em vários campos, não só na educação. Mas, quando você ataca a educação, chega a ser um grau de maldade incrível. Já disse o famigerado presidente ao entrar que ia destruir muita coisa. Tá aí o incêndio da Cinemateca.

IN: O senhor acha que os escritores se sentem menos empolgados para escrever mediante esses cortes?

AZM: Desestimula. E desestimulante esse cenário de censura que às vezes existe. Por algum tempo, tivemos até a possibilidade de um biografado impedir que uma biografia fosse feita. A editora não quereria fazer a biografia de alguém sabendo que a família ia processar e o Supremo Tribunal Federal foi lá e decidiu que não, que se a pessoa é pública ela pode ser alvo de uma biografia e se ela discordar de alguma coisa ela vai lá e questiona aquela página da biografia, mas não vai impedir de ser publicada.

 

Bate-Bola:

IN: Livro que mudou sua vida.

AZM: “Olga”, de Fernando Morais.

IN: Livro que gostaria de ter escrito.

AZM: “Chatô”, de Fernando Morais.

IN: Uma música para tocar na sua play-list.

AZM: Apesar de Você”, de Chico Buarque.

IN: Uma série que indicaria.

AZM: Indicaria um documentário, “ Voyeur”, de Gay Talese.

IN: Uma dica para quem quer ser jornalista.

AZM: Leia reportagens, esteja muito atento, não só ao mundo mas à cidade ao seu lado, observe tudo, o que acontece na sua rua pode se tornar uma notícia.