“O Guilherme de 2016 não imaginava que aquela viagem ia me mudar tanto”

Jornalista Guilherme Soares Dias relembra a sua trajetória no Afroturismo

Amine Marinho

Ana Beatriz Brito

Barbara Malaquias

Isabel dos Santos

João Paulo Madeira

Kalebe Carvalho

Kamila Tomich

Márcia Cardinot

“Era também uma vontade de trabalhar com uma coisa que eu gostava, que era viagem e com um assunto que estava me incomodando, que era a ausência de pessoas negras viajando”, declarou o jornalista, empreendedor e consultor em diversidade, Guilherme Soares Dias. Fundador do Guia Negro, apresentador do podcast “Afroturismo: o Movimento” e colunista da Folha de S. Paulo, ele concedeu uma entrevista aos alunos do 1º Período do curso de jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e relembrou os fatores que o motivaram a abordar esse universo, a partir de 2016.

Foi após uma jornada por países dos cinco continentes que o sul-mato-grossense, naquele ano, que Guilherme começou a escrever para blogs e a planejar os seus próprios roteiros, buscando uma alternativa oposta ao “turismo tradicional”. Ao retornar ao Brasil, não imaginava que esse período se tornaria o início de uma nova caminhada. “Era uma oportunidade de trabalhar com aquilo que eu gostava”, afirma Guilherme.

Jornalista Guilherme Soares faz pose no Egito durante o seu “mochilão”, em 2016. (foto: acervo pessoal)

Durante as viagens, ele observou a baixa representatividade das pessoas negras no turismo, algo que o incomodava profundamente. Essa percepção foi o motor para a criação do Guia Negro (https://guianegro.com.br/), uma iniciativa que busca promover a inclusão e a diversidade no setor turístico. Não se trata apenas de um negócio, mas uma ação em crescimento, apoiada por empresas e governos que investem cada vez mais em inclusão. Para Guilherme, é a realização de um sonho que uniu sua paixão por viagens à missão de abrir portas para que mais pessoas negras possam explorar o mundo e se sentirem representadas.

Ao tratar da evolução do turismo negro, Guilherme ressaltou que “quando os veículos de comunicação fazem matérias, eles continuam citando a gente, então tem sido uma constante e acredito no caminho”. Ele reconhece que a ascensão do Afroturismo não se deu somente por causa do Guia Negro, mas admite que essa mídia teve um papel importante no crescimento e reconhecimento dessa nova forma de abordar a diversidade e a cultura negra.

O jornalista, que hoje mora e atua metade do ano em São Paulo e outra na Bahia, acredita que ainda há muito a ser trilhado no campo do Afroturismo. Guilherme recorda com admiração o lançamento do seu primeiro livro, “Dias pela estrada”, em 2017, contando sobre a sua viagem no estilo mochilão, em uma época em que ainda não havia um público consolidado. “Acho que tem uma curiosidade e uma vontade de fazer que admiro nesse Guilherme de alguns anos atrás”, reiterou.

Com a publicação do livro “Afroturismo: afeto, afronta e futuro” (2024), obra que ajudou a definir o termo e traz relatos de viajantes, além de apontar dicas de lugares vinculados à cultura e à história negra, e a realização de eventos de lançamento em vários lugares do Brasil, inclusive Imperatriz (MA), o projeto consolida sua posição como referência no turismo negro no Brasil.

Lançamento do livro “Afroturismo: afeto, afronta e futuro” em Salvador (BA). (foto: acervo pessoal)

Expansão

O afroturismo valoriza a cultura e a história negra por meio de viagens e vem ganhando cada vez mais força no Brasil. O Guia Negro está presente em diversas redes sociais, publica livros e desenvolve podcasts. “Lá em 2016 não tinha Instagram, não tinha um site e  as matérias jornalísticas sobre o tema eram raras”, resgata Guilherme, ao comentar sobre as estratégias de conectar os viajantes com guias locais e empreendedores das comunidades afrodescendentes pelo Brasil.

Na visão de Guilherme, o Guia Negro tem sido uma ferramenta fundamental para ligar curiosos viajantes com seus respectivos destinos e comunidades em todo o país. A intenção é produzir conteúdo diversificado, indicando os lugares, guias, hotéis e restaurantes que têm ligação com a cultura negra. Também existem os grupos mais focais de viajantes e pessoas interessadas em viagens, influenciadores de redes sociais e replicadores de conteúdo, que ajudam a compartilhar os guias de afroturismo. “Então a gente também faz com que eles busquem fazer isso e produzam conteúdo sobre si pra gente poder encontrá-los depois, quando a gente quiser viajar”, explica Guilherme.

Caminhada Boipeba Roots, na Bahia, foi uma das iniciativas de cobertura do Guia Negro. (foto: acervo pessoal)

É por meio dessas conexões multiplataformas que Guilherme entende a importância de juntar pessoas em prol da valorização da cultura afro, tanto no âmbito coletivo como no individual. “A ideia foi que a gente tivesse várias plataformas para cada uma delas complementar, ter uma característica diferente. E despertar este gostinho pra que as pessoas possam, de fato, praticar afroturismo, contratando pessoas locais e negras pra executar serviços de turismo enquanto ela estiverem viajando”.

Memórias

Ao comentar sobre os bastidores da produção do podcast “Afroturismo: o Movimento”, Guilherme menciona que gosta de contar histórias de personagens e falar de viagens por meio das memórias das pessoas. Ele citou, entre os episódios mais marcantes, o de  número um, que recebeu o escritor Oswaldo Faustino e tratou da história do primeiro bairro negro de São Paulo (SP), chamado Liberdade. “Ele é um ‘griô’, um jornalista mais velho e que sempre está nas nossas produções do Guia Negro. Foi bem especial”.

Guilherme também destacou o episódio em que informou aos ouvintes sobre o tema “Turismo em Terreiro”. Segundo o produtor, foi um programa esclarecedor e popular, que até hoje gera diversos comentários. “As pessoas tinham dúvidas, como: ‘Ah! pode ir para o terreiro?’ ‘Como ir?’ ‘Como fazer?’ ‘O que fazer para não atrapalhar aquele lugar que é religioso, se eu estou fazendo turismo?’”, conta.

Outra edição de destaque, na opinião de Guilherme, foi a de número cinco, que teve como convidado o jornalista Abílio Ferreira, escritor e fundador do Instituto Tebas. Ele narrou a trajetória de Joaquim Pinto de Oliveira, mais conhecido como “Tebas”. Joaquim foi um arquiteto negro que morou e realizou construções na cidade de São Paulo (SP) no século XVIII, conquistando sua liberdade por meio do trabalho. “Foi uma forma de eternizar a história dele no podcast e ter um dos principais estudiosos sobre esse tema conversando comigo, dando dicas de como podemos conhecer melhor sua obra”.

Equipe do podcast “Afroturismo: o movimento” entrevista o jornalista fundador do Instituto Tebas (dir.), Abílio Ferreira. (foto: acervo pessoal)

Planos

Hoje em dia o jornalista não tem tempo de participar de muitos trabalhos como no início de sua carreira,  prefere manter a sua atenção em projetos específicos. “Você não consegue abraçar tudo, então hoje a gente está mais num foco de produzir conteúdo e de fazer as experiências turísticas, e não atirando para todos os lados, como eu estava lá naquele começo”.

Mesmo não sabendo se irá trabalhar com o Guia Negro para sempre, Guilherme tem a certeza de que as viagens e a cultura afrodescendente vão continuar sendo tópicos presentes em seus textos. “Eu acho que o Guilherme de hoje tem mais essa consciência de que isso realmente é um negócio e de que realmente é uma pauta que talvez permeie toda a minha vida”.

Analisando sua atuação em 2024, Guilherme ponderou que foram elaborados poucos produtos. “Ano que vem a gente quer se voltar a essa produção de conteúdo e estamos sonhando com coisas que ainda não aconteceram”. Os planos com relação aos turistas estrangeiros que vêm ao Brasil são os de criar mais materiais em inglês e espanhol, focados no afroturismo. Outra tendência que Guilherme tem reparado, por exemplo, é que muitos viajantes estão buscando o continente africano. “Então desenhar essas viagens por lá, também, pra pensar numa expansão a médio prazo, algo que a gente possa viajar junto”, projeta.  

Guilherme Soares durante a Caminhada São Paulo Negra, promovida pelo Guia Negro. (foto: Felipe Benício)

Ele está preparando um novo livro, no qual vai falar da cidade onde mora parte do ano. A São Paulo negra, é um projeto para 2025. Na percepção de Guilherme, há certas questões que um potencial empreendedor deve priorizar para conseguir sucesso no seu ramo, sendo a viabilidade econômica a mais desafiadora. “Às vezes o que a gente quer fazer realmente não existe, e é a gente que vai ter que criar”. Ele pondera ser importante procurar outros empreendedores, mesmo sendo único no segmento, que possam contribuir com sua jornada. “O que eu percebo é uma consolidação, cada vez maior, de trabalhos com esse público estrangeiro que vem para o Brasil”.

*Este perfil foi elaborado a partir de uma entrevista coletiva organizada pelos (as) estudantes do 1º semestre de Jornalismo da UFMA. O texto final, resultado da edição dos exercícios da disciplina Redação Jornalística, é a primeira publicação desses futuros jornalistas.