Nova Friburgo tem 14 anos marcados por luto, lágrimas e transformação

Como está a cidade da Região Serrana do Rio que foi arrasada pela catástrofe de 2011

Márcia Cardinot

A madrugada do 11 de janeiro de 2011 foi marcada por chuvas intensas, rajadas de vento que chegavam a 180 km/h e deslizamentos de terra. Nova Friburgo, cidade da Região Serrana do Rio de Janeiro, na manhã seguinte, estava lavada em lama, escombros e lágrimas de famílias que perderam suas casas e entes queridos para a maior tragédia climática do país. No total, foram 32 horas de fortes chuvas, aproximadamente 35 mil pessoas desabrigadas, cerca de 900 mortos e mais de 350 desaparecidos.

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) registrou um índice de 130 mm de chuvas por dia, quando o normal no período era de 60 mm. Segundo especialistas, em alguns pontos da cidade, o índice pode ter ultrapassado 200 mm. Choveu, em 24 horas, metade do que se esperava para o mês.

A essas condições climáticas, somou-se o fator humano. Durante anos, as encostas e margens dos rios foram alvos de desmatamentos e ocupações irregulares, o que agravou ainda mais a vulnerabilidade da região, fazendo com que essas chuvas provocassem erosões, transbordamento de rios e córregos e deslizamentos, em uma área estimada em 2 300 km².

A cidade ficou arrasada e muitas pessoas perderam familiares, documentos e bens materiais. Por isso, o Governo Federal, na época, contemplou o município com cerca de 2,5 mil apartamentos no Condomínio Terra Nova, criado para abrigar as famílias que ficaram sem suas casas. Além disso, por se tratar de uma situação de calamidade pública, foi liberado para os trabalhadores parte do FGTS e os que ficaram sem seus imóveis puderam receber o Auxílio-Aluguel.

Por parte da prefeitura, a ajuda foi quase nula. O prefeito daquela época, Demerval Barbosa Moreira Neto, foi condenado por ato de improbidade administrativa, devido a irregularidades no repasse de R$10 milhões pela União para a reconstrução de Nova Friburgo.

Chuvas intensas em 2011 devastaram diversos bairros e distritos de Nova Friburgo. (foto: Reprodução: Marino Azevedo/ Governo do Estado RJ)

A tragédia na pele
 
 “Foi a pior noite da minha vida. Angustiante e desesperador ver que estávamos ilhados sem saber se conseguiríamos sair de casa”, relembra com lágrimas nos olhos, Pâmela Sander Schumack, advogada, que morava no bairro Amparo e teve sua casa transformada em escombros banhados em lama. Para ela, a noite de 11 de janeiro jamais será esquecida. Mesmo depois de se recuperar financeiramente, sua saúde mental ainda está prejudicada. 
 
“Não deixavam a gente ir para a varanda, porque tinham várias pessoas descendo pela correnteza, pedindo socorro e tinham muitos corpos que passavam por lá”, lembra a psicóloga Mariana Santos, que, na época, tinha apenas 12 anos. Ela estava na casa de uma prima no bairro Córrego Dantas, bairro mais atingido pelas águas das enchentes e pelos deslizamentos de terra.
Escombros de construções que vieram ao chão no bairro Córrego Dantas, em Nova Friburgo. (foto: Reprodução: Fabiane Pontes/ G1)

Passados 14 anos, Mariana ainda se recorda do odor fétido da lama que cobria Nova Friburgo. “Não consigo descrever, mas consigo sentir perfeitamente como era o cheiro”, conta. Ao contrário de Pâmela, ela não teve perdas materiais ou na família, mas ainda assim suas memórias são muito vivas e carregadas de traumas. 

Ambas concordam que a Capital da Moda Íntima, ainda que lentamente, se recuperou muito bem, com o incentivo vindo do comércio local, juntamente com a população, que foram determinantes para o desenvolvimento, reconstrução e revitalização da cidade. No entanto, para Mariana Santos, o planejamento de estratégias para o preparo quanto a chuvas e enchentes devem ser feitos, não só pensando na infraestrutura da cidade, mas também na saúde mental dos moradores de Friburgo que viveram todo esse caos. “Tem que ser feito de uma forma muito delicada, porque, ao associar a isso (à tragédia), automaticamente as pessoas que sofreram e que tiveram traumas, por muitas questões, entram em pânico”, afirma.

Já a advogada Pâmela, concorda que ainda há muito o que fazer para que novas tragédias sejam evitadas. “Precisa de maior monitoramento dos eventos climáticos, poda de árvores nas estradas, dragagem dos rios e maior fiscalização quanto ao crescimento desgovernado da cidade”, diz.

Ponto de esperança

Foi em 2020 que tudo começou a mudar. A esperança do povo friburguense voltou a crescer e o prefeito eleito naquele ano mostrou que era possível reconstruir Nova Friburgo, o que depois de tanto tempo a população já desacreditava. Johnny Maycon sentiu na pele os impactos da catástrofe. Nascido e criado no Lazareto, ele relata que todas as construções ao redor da casa em que morava com os pais e com os avós vieram a baixo e a comunidade ficou destruída. “Foi um momento bem traumático para todos nós, inclusive foi uma das razões mais contundentes que me impulsionaram a ir para a vida pública”, conta.

Prefeito Johnny Maycon comemora resultado das eleições ao lado da esposa, Lorrayne. (foto: Reprodução: Pablo Pais/G1)

Dentre as principais medidas tomadas para a prevenção de novas enchentes e para a revitalização da Suíça Brasileira em seus primeiros anos de governo, o prefeito destaca a canalização do rio Bengalas, o principal que corta a cidade, como a mais importante e primordial. “Desde quando terminaram as obras, nunca mais tivemos transbordamento do rio”, argumenta Johnny, que é engenheiro mecânico. Ele pontua uma obra de contenção no bairro Amparo, que estava parada desde pouco tempo depois da tragédia, que, juntamente a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, foi entregue à população.

“Uma obra que foi um dos destaques e eu falo com muito orgulho. Nós conseguimos resolver um problema que era crônico e sistêmico desde a fundação de Nova Friburgo”. Johnny destaca também a obra feita na região central da cidade, abrangendo a rua Farinha Filho, a praça Getúlio Vargas e o Centro de Turismo, a qual teve o objetivo de reparar o alagamento consequente de chuvas de qualquer intensidade que atingissem a cidade.

Além disso, salienta obras de drenagem em áreas de risco e de canalização de outros rios menores que cortam Nova Friburgo, como o córrego Dantas. “É muito triste lembrar do que aconteceu em 2011 e o que a gente puder fazer para garantir a segurança dos munícipes, assim nós faremos”.

Rua Farinha Filho antes das obras de drenagem feitas no Centro de Nova Friburgo. (foto: Reprodução/internet)

De acordo com o prefeito, a falta de comprometimento das autoridades e do poder público com o que é vital para os munícipes, um planejamento estratégico de infraestrutura e a implementação de políticas públicas para garantir a integridade e a segurança, foram o pivô para tamanho estrago. “Não era necessário ter nenhum tipo de formação como engenharia ou arquitetura, para chegar no Lazareto, por exemplo, e identificar com os próprios olhos que era uma área de extremo risco”, alega.

“Não adianta a gente esperar acontecer a tragédia, para depois criarmos um projeto e um planejamento”. Assim, após sua reeleição com mais de 60% dos votos da população, o prefeito apresentou seus novos planos para Nova Friburgo, entre eles, a implantação do NUPDEC (Núcleo Comunitário de Proteção e Defesa Civil) com conexões de rádios de contato em áreas de risco, para que, em casos de corte de energia em decorrência de possíveis chuvas, as pessoas possam se comunicar e se informar sobre o ocorrido.

Nova Friburgo, Região Serrana, 14 anos depois da tragédia de 11 de janeiro de 2011. (foto: reprodução/Internet)

Além disso, foi firmada uma parceria com o governo japonês e com o Ministério das Cidades do Brasil, que traz, pioneiramente, para o país, um projeto de contenção de fluxos de detritos a partir de barreiras SABO, que são compostas por uma estrutura mista de concreto e aço. O projeto prevê também o lançamento de um manual para a prevenção de desastres como o de 2011, a partir dessas barreiras. “É um dos grandes legados que queremos deixar para Nova Friburgo”, afirma o prefeito.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, chamado “Meu canto também tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.