Busca por profissionais que atendam pessoas com TEA aumenta em Imperatriz
Luiza Ribeiro e Sebastião Rocha
A Musicoterapia, uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), tem ganhado destaque em Imperatriz/MA. Enquanto a rede privada já oferece esse tratamento terapêutico, a necessidade de implementá-lo no sistema público de saúde se torna cada vez mais urgente. As crianças com autismo encontram na Musicoterapia uma aliada fundamental para o desenvolvimento.
A musicoterapeuta Líliam Ribeiro Soares, nascida em Anápolis (GO), mas moradora de Imperatriz desde os seis meses de idade, é pioneira da profissão no Maranhão e atende hoje em cinco clínicas particulares. Segundo ela, a musicoterapia é para todos. “Nós tivemos contato com a música desde a vida intrauterina. A nossa mãe, batimento cardíaco, circulação sanguínea, os movimentos respiratórios, os barulhos, os sons da vida intrauterina… É música. Então, eu posso dizer que a musicoterapia é indicada para todos, até mesmo para aquela criança que tem sensibilidade auditiva, que não gosta de ouvir som”, afirma.
A musicoterapeuta relata que, em relação ao TEA, a música é indicada em todos os casos: tanto para aqueles que tenham dificuldade, sensibilidade, seletividade, ou dificuldade de socialização, quanto para quem se comunicam e falam demais, para que aprendam a se expressar da maneira correta.
Líliam explica que o atendimento musicoterapêutico também envolve a participação da família da criança a partir de uma anamnese, na qual se busca colher os dados da gestação, como os pais se conheceram, quanto tempo namoraram, se a gestação foi bem aceita. “Porque a partir do momento da concepção, a gente já tem um movimento sonoro na vida dessa gestante. E a partir da 15ª semana, esse embrião já consegue perceber o som da voz da mãe, os sentimentos e as mudanças emocionais dessa mulher. Então, o embrião já consegue perceber se ele é desejado. Quando nessa mulher, você recebe essa criança e tem informações desses dados, você consegue entender o comportamento, entender os atrasos dessa criança através desses pequenos dados que você colheu”, detalha.
Segundo a musicoterapeuta, quando a criança com TEA tem contato com a música, ela consegue fazer com que ela seja parte desse contexto o tempo todo e se desenvolver mais rápido, tanto na aprendizagem do instrumento, embora esse não seja o objetivo, quanto no retorno verbal, no aumento de vocabulário, na leitura escrita.
“Se ela tem contato com a música, com instrumentos musicais, se tem alguém na família que tem algum instrumento musical, que toca violão, quando você recebe essa criança e você põe os instrumentos no set terapêutico, ela vai direcionar exatamente ao instrumento que dá referência aos dados da história de vida dela. Mas, se ela não tem contato com a música, então a rigidez é maior”, ressalta.
Líliam atende em cinco clínicas na cidade: Neurocrer, Neuroreabilitar, Neuroap, Espaço Cadore e Espaço Clin, na qual é gestora. Atuou em escolas, na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), que define como “a melhor experiência da minha vida”, e nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) para atendimento de crianças, adolescentes, adultos e pessoas que sofrem pelo abuso de álcool e outras drogas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou este ano a Lei 14.842, que regulamenta a profissão dos musicoterapeutas no país. A nova lei torna obrigatório o diploma de graduação ou pós-graduação em musicoterapia, mas permite a atividade aos profissionais que comprovarem que já a exerciam, por pelo menos cinco anos antes da lei, mesmo sem o diploma.
TEA e a vida acadêmica
O TEA é uma condição neurodesenvolvimental que afeta a forma como as pessoas se comunicam e interagem com o mundo ao seu redor. Caracterizado por dificuldades na interação social, comunicação verbal e não-verbal, e comportamentos repetitivos, o TEA apresenta um amplo espectro de sintomas, variando de pessoa para pessoa. O diagnóstico precoce é fundamental para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas eficazes. Ao identificar os sinais e sintomas do TEA nos primeiros anos de vida, é possível oferecer às crianças o suporte necessário para alcançar seu pleno potencial.
Bruno Guilherme é acadêmico de jornalismo no campus da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em Imperatriz e foi diagnosticado aos 19 anos com autismo de nível suporte 1. “Eu não fui descoberto quando era criança. Apesar que desde criança eu sempre suspeitava de algumas particularidades minhas, que eu mostrava, questões tanto no ambiente social como dentro de casa, na família, na igreja também”, comenta.
Quando começou a suspeitar que poderia ter TEA, Bruno foi à Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro onde reside. Após a consulta ao psicólogo, o estudante foi encaminhado a um psiquiatra que fez algumas perguntas tanto para ele quanto para sua mãe e confirmou o diagnóstico de autismo e que, pela descoberta tardia, Bruno estava com problemas de desenvolvimento.
O acadêmico não tinha conhecimento de que a musicoterapia poderia ajudar no seu tratamento, no entanto, as sessões com o psicólogo têm contribuído para o seu desempenho. “Eu fui acompanhado só pelo psicólogo. Eu estava fazendo algumas sessões de acompanhamento. Em cada sessão, eu estava fazendo testes, algumas atividades para desenvolver e recuperar o tempo perdido porque, como eu descobri muito tarde, isso me atrasou em algumas coisas. O psicólogo ajuda nisso”, destaca.
Demandas de atendimento
A Associação de Familiares e Amigos de Pessoas com Autismo de Imperatriz (Afagai) conta hoje com 100 associados e está em processo de triagem para novos atendidos. A associação participa de projetos como o TEAtivo do governo federal, que contempla mais de 200 crianças autistas de Imperatriz a partir dela, da Apae e do Projeto Alvorada, organização sem fins lucrativos fundada em 2020.
A Afagai participou também da elaboração do Projeto de Lei (PL) do Plano Educacional Individualizado (PEI) no município. O PEI é um documento que comprova a necessidade educacional específica de pessoas com TEA, por exemplo. Em seu último levantamento, a associação conseguiu identificar mais de mil crianças com autismo, somente na cidade. Infelizmente, a pesquisa não foi finalizada por dificuldades de acesso aos dados das redes pública e privada de saúde.
Para a psicóloga Taís Lacerda, responsável por parte da equipe multidisciplinar da Apae, a demanda de crianças autistas tem aumentado consideravelmente. Segundo ela, a associação, que atende demandas de Imperatriz e mais 16 cidades, e já recebeu pessoas até de Carolina e Itinga, há cerca de 300 crianças com TEA em tratamento na unidade.
Os atendimentos se dividem nas vertentes de saúde, assistência social e educação. Ao todo, a equipe conta com quatro psicólogos, uma psicopedagoga, uma fonoaudióloga, um terapeuta ocupacional, duas nutricionistas, duas assistentes sociais e duas enfermeiras. Os médicos são dois psiquiatras, um clínico geral, e um pediatra. Há também cerca de oito fisioterapeutas, e seis a oito professoras.
A equipe parece grande, mas a demanda consegue ser maior. “Na lista de espera da psicologia, nós temos em torno de 500 crianças. Só que eu não consigo dizer quantas são autistas, quantas ainda não têm diagnóstico, quantas são hipóteses diagnósticas, quantas são TDAH, quantas têm o comprometimento de alguma função, de deficiência intelectual, e assim vai”, confirma. “A nossa equipe não é completa. Infelizmente, a gente está precisando de fonoaudiólogos, de terapeutas ocupacionais e de musicoterapeutas, porque são profissionais que estão defasados no mercado”, conclui.
Além de profissionais, os recursos terapêuticos, ou seja, as ferramentas necessárias para o estímulo daquilo que o paciente precisa, também são requisitados acima do que a Apae pode oferecer. Por vezes, o atraso do repasse feito pela prefeitura dificulta a manutenção desses recursos para o desenvolvimento das terapias. “Tem muita coisa que a gente faz na Apae a partir de doação. Os recursos terapêuticos são um deles. Com criança, independentemente do tipo de estimulação, eu preciso ter brinquedo, eu não faço atendimento infantil conforme eu faço com o adulto. Com a criança, é brincando, literalmente brincando”, informa a psicóloga.
Isabella Cruz, 22 anos, acadêmica de psicologia e acompanhante terapêutica no Espaço Cadore, comenta que “o olhar integrado sobre a criança é extremamente importante e a equipe precisa estar com objetivos alinhados para a boa evolução da criança”. Segundo a acompanhante terapêutica, a equipe em suas especificidades juntamente com uma terapia de evidência científica como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), tem uma grande oportunidade de fazer a criança evoluir com dados quantificados, seguindo objetivos comportamentais e promovendo independência e qualidade de vida em todos os ambientes.
A psicóloga Taís relata que a Apae de Imperatriz tem recebido uma grande demanda de crianças entre dois e seis anos de idade, que são encaminhadas à instituição pelas escolas. “Geralmente, acontece da seguinte forma: as professoras têm essa sensibilidade de perceber alguns comportamentos que são comuns das comorbidades do autismo e encaminham para fazer essa investigação”, explica.
Isabella detalha que uma equipe composta por fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional, psicomotricista, analista do comportamento, acompanhante terapêutico e musicoterapeuta pode contribuir para auxiliar crianças com autismo.
A Lei Municipal 1.279/2008, sancionada pelo ex-prefeito Ildon Marques, criou o cargo de musicoterapeuta em Imperatriz. Segundo a descrição do cargo disposta na lei, uma das funções desse profissional em Imperatriz é utilizar a música e seus elementos (ritmo, melodia e harmonia) em “processos destinados a facilitar e promover comunicação, relacionamento, aprendizado, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender as necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas” de determinado grupo ou paciente. Entretanto, desde 2012 o cargo não é ocupado. Ou seja, caso alguém queira tratamento musicoterápico, terá que ir à rede privada de saúde da cidade.