Estudo da ONU revelou que a participação de mulheres negras em comerciais de TV não cresce há pelo menos 3 anos.
Repórteres: Igor Aguiar, Deglan Alves, Paula Pacheco e Soraya Santos
Foto: Acervo pessoal.
Mulheres negras vivem um dilema em busca de representatividade em diversos âmbitos de visibilidade, como nas mídias digitais, campanhas publicitárias, propagandas, comerciais e até mesmo nos programas televisivos. “Pra mim foi uma honra porque Imperatriz nunca tinha tido uma miss negra, eu fui a primeira miss negra da cidade, foi assim, uma alegria surreal”, conta Thaires Sousa, a miss Imperatriz 2020. Ela ainda comenta que recebeu apoio por meio de diversas mensagens de meninas que se sentiram representadas.
A visibilidade e a participação de negros na publicidade brasileira em comerciais ainda é pequena, segundo uma pesquisa da ONU Mulheres em parceira com a empresa Todx Heads publicada no final de 2020. O estudo que está na sua 9ª onda apontou pequenas mudanças nos índices de presença de pessoas negras na publicidade, como por exemplo, a participação de mulheres negras em comerciais que subiu 5 pontos percentuais em relação a 2018, mesmo assim, a estagnação não passa de 25% de suas aparições, enquanto as mulheres brancas são a maioria com um percentual de 74%. O estudo analisa comerciais e propagandas veiculadas em TV’s abertas e fechadas bem como posts publicitários no Facebook, onde teve um crescente índice na rede social na publicidade de mulheres negras, tendo um pico de 35%.
Ainda há muito a ser alcançado na esfera midiática com relação ao reconhecimento de mulheres negras no mercado de trabalho. Na área da publicidade de moda, inserem este grupo apenas para cumprirem a cota, e não por valorização. Thaires declara que: “Tem que cobrar das empresas, que insiram dentro do mercado, no meio das fotos, no meio dos trabalhos, das campanhas publicitárias, pessoas negras e não só como cotas”.
A pesquisa da ONU ainda apontou que uma amostra de 535 comerciais na TV, as mulheres brancas como coadjuvantes representam 25% e as negras apenas 4%. Já no Facebook foram analisados 658 posts na mesma categoria de coadjuvantes e a representação ficou de 66% de mulheres brancas contra 34% das pretas. No quesito protagonista de comercial os dados revelam, ainda no Facebook, um total de aparições de 55% brancas e 35% de negras. É perceptível o padrão de beleza imposto nos comerciais de lojas de roupas, por exemplo, o que consequentemente exclui modelos com traços afros. A miss relata não ter sido aprovada para um desfile por não fazer o “biotipo da marca” da loja.
A TV, um dos maiores meios de comunicação, cumpre um papel de grande influência na sociedade. Com a transmissão de comerciais, jornais e novelas, revelam pessoas que possuem características e qualidades que vão além do quesito cor da pele.
Uma das grandes personalidades negras da TV brasileira é a atriz Taís Araújo, de quem Thaires sempre foi muito fã. “A minha primeira experiência de representatividade foi a Taís Araújo na novela ‘Viver a vida’. Eu olhava aquela mulher com aquele cabelo cacheado, incrível e extremamente linda, com uma beleza valorizadíssima na novela e aí eu ficava, ‘eu quero ser assim, eu preciso crescer e ter esse cabelo cacheado’”, relembra a miss.
Uma das características físicas dos negros é o cabelo crespo, e nisso houve um aumento na veiculação de comerciais na TV sobre esse tipo de cabelo que cresceu de 11% em 2011 para 29% em 2020. O estudo ainda mostra que o padrão de beleza feminino idealizado no Brasil ainda é uma mulher de um perfil branca, magra, com curvas, com cabelos lisos e castanhos, que aparece em 63% dentre as protagonistas de TV e do Facebook.
A representatividade na produção publicitária no Brasil
Apesar da grande evolução nas campanhas publicitárias veiculadas nas mídias brasileiras, é preciso fazer uma breve análise de representatividade de minorias de direitos nesses meios, e como esses grupos ou movimentos são de fato representados em comerciais de TV. Com a constante mudança acelerada no mundo midiático de acordo com o consumo em massa de produtos ou serviços veiculados, é necessário entender como funciona este mercado atualmente. A publicitária, Débora Vieira, fala como é atuar nessa área: “É uma questão bem complexa já que o mercado publicitário tem vários segmentos e está em constante mudança. De um ponto de vista generalizado, podemos ver cada vez mais marcas empenhadas em trazer visibilidade aos grupos menos privilegiados, abordando narrativas inclusivas tanto para movimentos sociais, negros, LGBT’s, feministas, pessoas com deficiência, entre outros. O mercado digital é onde temos visto mais avanços nessas questões. Espero ver cada vez mais evolução em todos os âmbitos possíveis e deixarmos os velhos conceitos para trás. ”
Embora algumas marcas coloque em pauta questões como raça, gênero e orientação sexual, ainda há muito para acontecer no campo da publicidade quanta a essas abordagens, é preciso uma aproximação das causas sociais, em evidenciar pontos específicos. Negros, indígenas, LGBT’s e mulheres de diferentes biotipos, todos merecem ter o seu espaço nessas mídias.
Para Luciana Reino, professora e doutora em comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), não basta somente o protagonismo de pessoas negras em comerciais, pessoas negras devem estar na produção e elaboração dessas campanhas, é uma questão ética e complexa sobre branquitude, por mais uma vez o branco tentando falar da posição de uma pessoa negra.
Débora, como mulher negra, afirma esse posicionamento: “Isso deve ser feito incluindo tais pessoas no processo de geração de ideias e produção da ação publicitária. Ninguém além delas poderá dizer com convicção e propriedade o que sofrem, o que sentem e como gostariam de ser vistas. Isso é a inclusão e gera também representatividade, pois atingirá pessoas semelhantes que se sentirão identificadas com a causa.”
Reportagem elaborada para a disciplina Direito e Legislação em Comunicação (2020.2), ministrada pela professora Nayane Brito.