Memórias de uma escola pública que virou um restaurante

Texto: Mateus Farias

Imagem: Google Imagens

Quando os portões se abriam, percebia-se um grande pátio com algumas salas e um corredor no qual existia uma portinhola que o separava do pátio. Em cada sala era possível ver alunos aguardando ansiosamente seus professores. Esse é o cenário montado na memória pela ex-diretora Cândida Rodrigues, de 70 anos. A escola Dom Pedro II, no bairro Bacuri, em Imperatriz (MA), oferecia os três turnos. As séries contemplavam o ensino fundamental completo, do 1º ao 9º ano, e à noite havia a turma de Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

Mas agora são apenas lembranças para quem frequentava a escola, pois o fim que a construção teve foi se tornar um ponto comercial alugado. O colégio foi fechado em 2017 por uma questão de logística da secretaria Municipal de Educação de Imperatriz e hoje, no seu lugar, funcionam restaurantes e quitinetes.

A escola inicialmente era particular, em 1992. Mas após um contrato com a prefeitura de Imperatriz se tornou pública, em 1996. A partir de um convênio, o colégio funcionou desta data até o final de 2017. Esse tipo de parceria é uma antiga forma de contrato exercida durante a gestão do então prefeito Ildon Marques, na qual o Município alugava prédios particulares para funcionar como um ponto público. “Como na época a rede não tinha estrutura própria, foram feitos esses contratos de alugar prédios privados”, explica a assessora de projetos da Secretaria Municipal de Educação (Semed), Kaylla Pacheco.

Escola ficava na esquina das ruas Ubirajara com a Dom Pedro II

A assessora complementa que a escola recebia uma verba de aluguel da prefeitura para a manutenção do prédio, como era especificado em contrato. Em contrapartida, a ex-diretora Cândida Rodrigues afirma que o dinheiro não era destinado à manutenção. “Nenhuma lata, nenhum litro de tinta, nunca recebi. Isso aí eu faço questão de gravar”. Ela prossegue dizendo que a verba existia, mas não não era específica para as reformas da escola.

O cenário do extinto estabelecimento de ensino é diferente do recordado pelo ex-aluno Alexandre de Mendes Freitas, de 21 anos. “Eu pude presenciar muitas coisas ruins na escola”. Alexandre estudou do 4º até o 9º ano e relembra sobre alguns episódios que o marcaram em sua trajetória como estudante. Certa ocasião, como informa, alguém apontou uma arma para um funcionário dentro da escola. Eventos assim, segundo ele, eram frequentes. “Tanto que na época tinham policiais que viviam na escola”, afirma Alexandre.

De acordo com a ex-professora Ana Carvalho Lima, 55 anos, esses agentes eram guardas policiais do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd). Eles faziam parte de um programa municipal, da época, que tinha o objetivo tratar da importância  do não envolvimento com entorpecentes. “Nunca foi uma presença pra coibindo, punindo. Era mais uma forma educativa, passar a informação para poder educar”, afirma a ex-professora da instituição.

Ana Carvalho trabalhou no colégio Dom Pedro II de 2000 até seu encerramento, em 2017, lecionando no turno matutino para crianças da 1º à 5º série. Quando a escola foi fechada, ela foi remanejada para a Casa Dom Bosco, onde trabalha até hoje.

Durante sua antiga ocupação, ela percebia que o local oferecia pouco espaço físico para as crianças, não tinha uma quadra apropriada para brincadeiras nem quintal, ou mesmo um parque para desenvolverem atividades com mais liberdade. “Tinha corredores pequenos que ficavam muito quentes em certos momentos do dia. Sobre as salas, algumas tinham janelas, outras não. E ainda não era época também das centrais de ar, então, às vezes tinha ventilador, mas nem todos funcionam”, descreve Ana Carvalho.

O contexto era de tensão, tanto para alunos, quanto para professores, como recorda o ex-aluno Alexandre: “Tinha esses cara, assim, que era da prisão. Eles sempre era quietão e falava assim, meio estranho… As professora nem mexia com eles. Pô, pra tu ter ideia, nem cobrava tarefa… Já brigaram até com faca lá, já.”.

Ele prossegue relatando que havia um aluno com deficiência que enfrentava rejeição dos colegas.  “Ele tinha 20 anos, mas mentalidade de um garoto de 10 anos”. De acordo com Alexandre, os outros estudantes caçoavam do rapaz, e, em uma das vezes, esconderam uma arma dentro da sua bolsa. “Zuaram tanto dele que ele chorou na sala, e não estava nem aí, não. Os cara era tudo ruim, pô”. Ele conclui seu depoimento dizendo que se soubesse que iriam acontecer essas coisas, não teria estudado nessa escola.

Samyra Silva Fernandes, 20 anos, ex-estudante do estabelecimento de ensino, declara, por sua vez, que possui boas memórias da escola. Lembra do incentivo dos professores, com a promoção de eventos em dias especiais para conscientização dos alunos, filmes que eram exibidos em sala de aula e outras programações. Mas também guarda lembranças de problemas referentes ao local, como as medidas socioeducativas, que incluíam alunos que atrapalhavam o ambiente em sala de aula, “Havia também falta de cadeiras pros alunos”, detalha Samyra.

A professora Ana Carvalho tem uma explicação a respeito desse comportamento. “Eles eram crianças, e a maioria era do bairro da Caema, bem simples, bem pobres. Elas vinham desse lugar com toda uma sobrecarga, o que terminava afetando muitas vezes a escola”, analisa. Ela pondera que, como alguns desses alunos eram tímidos  e tinham dificuldade de relacionamento, a questão da educação acabava por se desestimulada. “Apesar que a escola tinha o maior cuidado, porque a dona lá era evangélica. A gente sempre fazia oração, fazia palestra e muitos também iam para igreja evangélica”, informa. Ana Carvalho diz que também havia muitos eventos festivos e educativos. “Era uma escola bem dinâmica no sentido de querer envolver, de envolvimento”.

Motivos

Ao ser questionada sobre o assunto, a ex-diretora confirma que aconteceu um episódio em que uma aluna ameaçou matar a então coordenadora da escola. Mas ressalta que casos do tipo não eram frequentes. Apesar disso, a assessora da Semed, Kaylla Pacheco, conta que nunca recebeu relatos de eventos do tipo e que eles não foram responsáveis pelo fechamento da escola. De acordo ela,  um dos motivos para que a escola fosse fechada em 2017, foi pela quantidade insuficiente de alunos.

Porém, Cândida esclarece que a escola possuía a quantidade correta de matrículas para estar ativa. “Os alunos da turma eram, em média, 25. Agora o 9º ano é 30 alunos. Eu lembro que tinha uma turma lá da EJA que tinha 58 alunos”. Kaylla Pacheco deu uma resposta para a afirmação de Cândida. “Mas aí tu imagina 50 pra tu funcionar um prédio inteiro com várias salas.  Então assim, não tem como você manter um aluguel, energia, água, material de limpeza e servidores para atender um número tão baixo de alunos. Então a Prefeitura não fecha prédios, ela remaneja alunos de prédios alugados para estrutura própria”. A ex-professora Ana Carvalho confirma que inicialmente havia uma boa quantidade de estudantes, mas que, conforme foram sendo oferecidas mais opções de estabelecimentos escolares, a quantidade de alunos diminuiu.

A alegação para fechar a escola foi essa economia com despesas. Assim, os estudantes e professores foram realocados para outros estabelecimentos de ensino por perto, que são prédios próprios do município. A logística de transferência desses alunos ficou por conta da própria direção da escola, de acordo com Cândida. “Os menino de lá, não ficou nenhum desmandado não. Os que saíram de lá já foram direto pra outra escola. Um foi pro Santa Laura, outro pro Tomázio Carvalho. Não ficou nenhum desgarrado”.

Cândida Rodrigues conta que, apesar de tudo, se sente satisfeita com o tempo que desempenhou a função de diretora na antiga escola Dom Pedro II. “Trabalhei e trabalho com prazer em tudo que eu faço, e foi muito bom. Quantas pessoas são felizes comigo porque são gratas a mim”. A professora Ana Carvalho também considera que foi uma experiência gratificante. “A escola realmente trabalha pra que as pessoas  se tornem cidadãos. O objetivo é esse, apesar que tem falhas, porque  onde tem ser humano tem falhas, mas no geral eu classifico como um espaço mesmo de formação de cidadãos”.

Esta matéria faz parte do projeto “Meu canto também é notícia”, desenvolvido com os estudantes do 1º semestre do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz (MA). Eles e elas foram estimulados a procurar histórias no entorno onde vivem.