Repórteres: Lívia Santos e Solange Oliveira
Fotos: Lívia Santos
A médica Aldicléya Lima Luz é natural da cidade de Imperatriz, residente do bairro Bacuri próximo ao centro. É emergencista, infectologista e professora do curso de Medicina na Universidade Federal do Maranhão, tendo já vinte anos de experiência na área da docência. Leciona nas disciplinas de urgência e emergência (práticas e habilidades médicas), e clínica médica. Suas especializações estão ligadas a doenças infecciosas como a tuberculose, e doenças sexualmente transmissíveis: o HIV, sífilis e herpes são algumas delas. Também trabalha como médica no Hospital Municipal Infantil, Hospital Unimed, Serviço de Referência Municipal de HIV e na casa do idoso de Imperatriz.
No intuito de fazer a população e profissionais da saúde compreenderem um pouco mais sobre as doenças infecciosas, a médica Aldicléya realiza palestras por toda a cidade de Imperatriz. Em seus relatos para o Imperatriz Notícias afirma: “já realizei palestras na Funac, casa do idoso, postos de saúde, escolas e vários outros lugares, sobre todos os tipos de doenças infecciosas. Em um único dia eu falo sobre hanseníase, IST (infecções sexualmente transmissíveis), sífilis e HIV”. Suas palestras têm objetivos sociais, por ela demonstrar em cada fala a importância da divulgação dos principais aspectos de cada doença.
Para ela, a partir do momento que o profissional divulga sobre esses assuntos ligados à saúde do corpo, consequentemente os níveis de saúde aumentaram. E que não adianta fazer a sua parte apenas trancafiado em um consultório, isso não mudará muita coisa no mundo. “Porém no momento que eu divulgo eu consigo saber que vários profissionais e que a população está sabendo dessas e de outras informações ligadas a área da saúde. Por isso que eu tento colocar as informações de forma bem clara para que qualquer pessoa possa ter acesso e entender”, completa a médica. Reforça ainda, que os profissionais devem se fazer entender que o principal responsável pela saúde do corpo é o próprio paciente, ela como médica está apenas para auxiliar prestando serviços quando o paciente vem procurar ajuda clínica. Fornecendo informações de forma adequada para que ele possa entender a sua saúde e doença.
Aldicléya tem grande reconhecimento em seu perfil do Instagram onde realiza suas divulgações com maior força e afinco. Tem cerca de dezessete mil seguidores, no qual posta vídeos caseiros com cinco(5) á vinte(20) minutos falando sobre diversas doenças. Durante a entrevista e as observações anteriores de seu currículo e perfil no Instagram é possível perceber que ela sempre teve uma preocupação em informar a população sobre os cuidados e perigos das doenças. Como é o caso do vírus do HIV e principalmente de doenças pouco conhecidas e aquelas tratadas com certo tabu dentro da sociedade. E ressalta a importância do paciente compreender os aspectos dessas doenças, pois ele começa percebendo que não é nada muito grave, e por vezes tem cura e tratamento para ela.
Nesta edição a “doutora” fala sobre o HIV e seus conhecimentos sobre a doença, fazendo recortes dentro da cidade de Imperatriz-Ma. E como as suas formações familiares e acadêmicas a influenciaram a tomar este rumo. Ela também fala sobre os avanços dentro da área científica e o surgimento de novas medicações sendo elas: A PrEP (profilaxia pré exposição) que é uma medicação em comprimido que funciona antes da relação sexual, como se fosse um anticoncepcional do HIV e a Pep (profilaxia pós exposição) pílula do dia seguinte para o HIV.
Imperatriz Notícias: Uma pesquisa feita em 2021 do Ministério da saúde mostrou que 960 mil pessoas estão vivendo com HIV no Brasil. Em Imperatriz o SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), notificou 871 casos de HIV entre 2017 e outubro de 2022. A gente acredita que são números bastante altos. Por que esse número tem crescido nos últimos anos?
Aldicléya Lima Luz: Existem várias explicações para esse crescimento de pacientes com HIV, só que o interessante dentro desse crescimento é a disponibilização do tratamento. Porque com o avanço no tratamento mais pessoas têm sido diagnosticadas com o vírus, mas estão vivendo normalmente como qualquer outra pessoa. Em Imperatriz nós temos mais de três mil pacientes portadores que fazem acompanhamento no complexo de saúde. Antigamente quem tinha HIV rapidamente piorava e morria sem saber que tinha o vírus, ele já não era mais um número. Hoje não, as pessoas tem o HIV fazem o tratamento e vivem normalmente. Agora temos que verificar qual seria a incidência desses novos casos.
IN: Quando surgiram os primeiros casos de contaminação do vírus, todas as discussões estavam ligadas à ideia de moralização. Ao invés de procurar soluções e reconhecer a doença como um problema de saúde pública. E em Imperatriz como são as discussões ligadas a essa doença, também estão ligadas ao tradicionalismo e conservadorismo?
ALL: Hoje em dia já vejo diferente, em Imperatriz o pessoal começou a entender realmente a doença. Entenderam sobre a prevenção e que esse vírus pode ser transmitido não só através de relações sexuais. Mas também por contato com materiais perfurantes, cortantes e acidentes de trabalho. É verdade que no início era muito relacionado à relação homoafetiva, hoje está relacionado a qualquer relacionamento inclusive a heterossexual. Aos poucos foi deixado de lado essa visão em relação ao relacionamento homoafetivo. É comum se entende que qualquer pessoa pode ter HIV, inclusive crianças.
IN:A senhora falou que existe financiamento por parte do governo federal para combater as DSTS. Você tem ideia de como funciona esse financiamento em Imperatriz para a prevenção da contaminação e quais as principais medidas que os governos têm tomado?
ALL:Tem o ambulatório que funciona e atende pessoas com HIV, sífilis e todas as outras infecções transmissíveis, com vários profissionais especializados. Temos assistente social, psicólogo, farmacêutico, laboratório de testagem e farmácia para a liberação de medicação. Por exemplo, no hospital regional as crianças ficam tendo acompanhamento até uma determinada idade, tem liberação de leite para as mães que não podem amamentar por ter essas doenças.
Em Imperatriz o pessoal começou a entender realmente a doença. Entenderam sobre a prevenção e que esse vírus pode ser transmitido não só através de relações sexuais.
IN: Hoje existem meios de evitar a contaminação das DSTS no feto durante a gestação? Continuar com a gravidez é aconselhável ou é indicado evitar a gravidez? O tratamento em bebês é o mesmo para os adultos?
ALL: Existem várias maneiras de evitar a contaminação, primeiro a mãe tem que fazer o tratamento correto e a criança quando nasce não pode tomar o leite materno. Assim a maternidade é obrigada a fornecer o leite em pó durante seis meses. A gestante ao chegar na maternidade com as dores do parto, um enfermeiro(a) deve aplicar um remédio na veia da mãe para evitar que a bolsa estoure. E o hospital deve orientar a mãe para que ela faça o possível para não estourar a bolsa, ou seja, quando ela começar a sentir as dores ela deve ir imediatamente para a maternidade. Se isso acontecer, aumenta o risco da criança se contaminar. E ao finalizar o parto os enfermeiros devem lavar a criança imediatamente para evitar a contaminação. Logo após o parto, as mães devem tomar dois comprimentos de cabergolina para encerrar a produção de leite. Também temos um tratamento para os bebês de vinte e oito dias com uma medicação que ajuda a criança, para que ela não seja contaminada pelo vírus do HIV. Então temos todas essas medidas, e a partir do momento que uma criança nasce hoje com HIV, é porque a pessoa portadora do vírus, profissionais e instituições falharam em alguma dessas medidas.
IN: A senhora poderia falar sobre o que seria a PreEp e como este medicamento funciona?
ALL: A PrEP (profilaxia pré-exposição) é uma medicação em comprimido que funciona antes da relação sexual, como se fosse um anticoncepcional do HIV. A pessoa que começa a tomar a medicação pode ter relações com os portadores do vírus e a chance de ser contaminado é mínima. Vou contar uma situação: um homem com HIV que faz o tratamento certinho se casa com uma mulher que não tem. Eles podem ter relações sem preservativo? Sim, hoje está provado cientificamente que os portadores do HIV que fazem o tratamento certinho, já não transmitem o vírus. Mas se a esposa dele fala: doutora tenho medo que ele esqueça de tomar esse remédio, existe algum que eu possa tomar pra mim não pegar HIV, daí temos a prep. Hoje o tratamento avançou tanto que temos a prep sob demanda, agora já temos ela em forma injetável. A prep pode ser usada até três dias depois da relação sexual, e caso necessário também temos a Pep (profilaxia pós exposição) que é a pílula do dia seguinte.
IN: Onde a pessoa consegue acesso a essas medicações aqui em Imperatriz?
ALL: A pessoa tem que ir no complexo de saúde do Parque Anhanguera ou nos SAES da cidade. O SAE-IST é o serviço de atendimento especializado, que fica localizado no complexo. Ela deve está disponível em todas as emergências do Brasil, os hospitais devem ter a Pep e a PrEP. Como se fosse uma medida de emergência, caso o complexo esteja fechado por conta de feriado ou outros imprevistos. Você deve encontrar a medicação nas emergência dos hospitais.
IN:Em janeiro de 2023 o novo diretor do ministério da Saúde, o médico Draurio Barreira em entrevista ao G1, afirmou que é possível eliminar a AIDS no Brasil. Você acredita nessa possibilidade trazendo para a realidade de Imperatriz?
ALL: Claro que sim. Mas o que temos que fazer é testar mais e iniciar o tratamento de forma precoce. E porque é importante testar mais, porque uma vez que a pessoa tem HIV e ela é testada ela vai começar o tratamento e não irá transmitir o vírus, o nosso problema é que estamos testando pouco. Quantas campanhas vocês já viram aqui de testagem rápida de HIV na UFMA. Já era pra ter tido uma campanha dessas pelo menos em uma tardezinha. Imaginem uma pessoa aqui contaminada, quem ver cara não vê AIDS e às vezes a pessoa está contaminada e sai contaminando outras pessoas sem saber. Então o tratamento hoje não é só para o bem da pessoa portadora do HIV, é também uma forma de prevenção, por isso que é possível nós extinguir a AIDS. Saiu uma pesquisa que comprova a existência de pessoas com o vírus que não fazem tratamento nenhum, e mesmo assim não contamina ninguém. São os chamados “controladores de elite”, inclusive no Brasil nós temos vários controladores. E como funciona a pesquisa, fizeram um teste com a medula de um desses controladores e colocaram em uma pessoa em estado grave de AIDS, a pessoa melhorou rapidamente ela começou a produzir células de combate que evitam que o vírus não entrasse. E mesmo que a pessoa tenha o vírus, ela não desenvolve sintomas, não precisa fazer tratamento e não transmite o vírus. E poucas pessoas sabem da existência desses controladores e se o Brasil investisse nessas pesquisas dos nossos pacientes controladores de elite teríamos um grande avanço. Inclusive, o que me fez buscar o doutorado na área de HIV foi porque eu atendia uma estudante da UFMA casada que tinha HIV e o marido dela nunca pegou o vírus. Daí fiquei curiosa pra saber se isso era possível, e comecei a pesquisa, hoje no mundo temos cinco pessoas que já foram totalmente curadas do HIV.
IN: Então, qual a forma mais eficaz para a prevenção?
ALL: A forma mais eficaz se chama prevenção combinada, o que é isso. É a gente juntar várias formas de prevenção, como por exemplo o uso de preservativo, mais prep e pep, preservativo masculino e feminino, uso de lubrificantes, tudo isso ajuda a reduzir o risco de transmissão. A pessoa pode usar também a combinação de todas essas ferramentas juntamente com o tratamento anti-retroviral, esse tratamento é o que conhecemos como coquetel. Outra forma de prevenção, é deixar a população mais consciente sobre o assunto, seja com vídeos educativos ou palestras.
IN: Você já pensou em implementar ações ou projetos na área da pesquisa para o controle ou amenização dos casos de HIV em Imperatriz?
ALL: Sim, inclusive minha pesquisa está relacionada a isso.Tem uma parte que é segredo de pesquisa, mas ela é para reduzir a transmissão de mutação, de mães para filhos,descobrir os fatores que estão relacionados a isso. Porque tem criança que já nasce com a resistência à medicação e ao anti retroviral.
IN: Quando você abriu o perfil no Instagram qual era o seu objetivo e ele foi alcançado? O que fez você ter a iniciativa de usar uma rede social para falar dessas doenças?
ALL: Foi principalmente por dois motivos, comecei na pandemia para sensibilizar minha família sobre a covid-19 assim que surgiu. Eu estava muito preocupada com meu pai e com a minha mãe, saindo pra todo lado. E eu pensei, vou começar a divulgar a gravidade dessa doença, porque eles pareciam desconhecer a gravidade. E como eles gostam de ficar olhando o Instagram, eles iriam acabar vendo os vídeos. E o segundo motivo, foi que durante a pandemia muitas pessoas ficavam querendo saber quais os principais sintomas, eu recebia muitas mensagens pelo privado tipo aproximadamente oitenta (80) mensagens por dia. E eu não estava conseguindo responder todo mundo, eu sabia que eram informações importantes, então resolvi continuar postando vídeos sobre essas doenças.