Lutas e esperanças movem vidas na feirinha do Bacuri

Feirantes resistem às dificuldades econômicas em busca de sustento e aspiração

Ana Luiza Nogueira

No coração do bairro Bacuri, em Imperatriz, a tradicional feirinha vai muito além de um ponto de comércio comum, é um espaço de encontro, de sustento e de memória para dezenas de trabalhadores e moradores que circulam entre bancas de frutas frescas, produtos variados e refeições caseiras. Apesar das dificuldades, o local permanece como símbolo de resistência e pertencimento para a comunidade, que vê ali muito mais do que um simples lugar de compras.

Por trás das barracas, existem trajetórias marcadas por desafios, superações e escolhas feitas por necessidade. Muitos chegam ao comércio popular após mudanças bruscas na vida pessoal, enquanto outros dedicam décadas à mesma atividade, criando filhos e mantendo suas famílias com o que conseguem vender dia após dia. É o caso de Raimunda Moreira, Roza Amélia Ferreira e Francisca das Chagas Sousa de Almeida, mulheres com histórias distintas, mas que compartilham as mesmas incertezas e a força de quem segue trabalhando todos os dias na rotina que começa antes do sol nascer, mesmo diante da insegurança, da falta de apoio e da instabilidade financeira.

Feirinha do Bacuri em uma tradicional manhã de sábado, com sua variedade de frutas, legumes e temperos. (foto: Ana Luiza Nogueira)

Trajetórias

Raimunda, de 63 anos, está há apenas um ano na feira. Após a separação do marido, precisou buscar uma nova fonte de renda para cuidar do neto, que mora com ela. “Eu nunca trabalhei, eu fui obrigada a trabalhar, e a opção que eu achei foi essa”, conta. A renda varia bastante. “Tem dias que vende R$ 20, dias que a gente vende 50”, relata.

Roza Amélia, por outro lado, soma 22 anos de experiência na feirinha. Seu dia começa ainda de madrugada, às 4h, quando sai para comprar os produtos, enquanto o marido monta a estrutura da barraca. Mais tarde, eles se revezam e, à tarde, trabalham juntos. Ela também fala sobre a instabilidade nas vendas. “Quando a gente começa a trabalhar com feira, a gente fica se iludindo. Hoje a feira não foi boa, mas amanhã vai ser”, diz. Mesmo com as dificuldades, sente orgulho da trajetória que construiu. Foi ali que criou as duas filhas, uma delas hoje nutricionista, que inclusive a ajuda na banca. “Eu não tenho o que reclamar da feira, não. Eu agradeço todo dia o pouquinho que Deus me dá”, afirma.

Francisca, de 52 anos, vende panelada há 16 e atua somente pela manhã. Antes disso, trabalhou como costureira por 15 anos, até decidir mudar de ramo. Apesar das oscilações nas vendas, ela diz que aprendeu a lidar com essa questão com planejamento. “A gente pega menos mercadoria, e procura não dever tanto”, conta. O contato com o público é o que mais gosta. “Eu gosto de trabalhar com pessoas”, resume, com um sorriso.

Na banca de frutas que montou com as próprias mãos, Raimunda Moreira atravessa mais uma manhã com firmeza e fé (foto: Ana Luiza Nogueira)

Dificuldades

Além dos desafios financeiros, há também questões mais graves enfrentadas diariamente por quem vive da feira. A falta de segurança é uma das principais queixas. O medo é constante entre os trabalhadores. “Aqui na feira eles passam, pegam e levam. Se disser alguma coisa, amanhã você amanhece com a boca cheia de formiga”, denuncia Raimunda, que já presenciou diversas situações de risco. Ela destaca que os feirantes ficam vulneráveis, sem proteção ou apoio em casos de ameaça ou roubo. Esse clima de insegurança é um dos fatores que mais desmotivam quem precisa do local para sobreviver.

Outra reclamação recorrente é a ausência de apoio por parte dos órgãos públicos, especialmente em relação à defesa dos direitos da categoria. Muitos se sentem esquecidos pelas autoridades, como aponta Roza.

 “Tem feirante aqui que tem 40 anos de serviço. Se tivesse um sindicato, já era a idade de se aposentar. A gente trabalha aqui sem direito algum”.

Segundo ela, a falta de uma organização representativa contribui para a precariedade das condições de trabalho. Sem respaldo legal, os feirantes seguem na luta diária, lidando com a informalidade e com a ausência de garantias mínimas, mesmo após décadas de dedicação.

Banca de Roza Amélia com frutas e legumes que se amontoam em cores vibrantes e cheiros marcantes (foto: Ana Luiza Nogueira)

Mesmo diante da instabilidade nas vendas, da insegurança constante e da falta de reconhecimento, essas mulheres seguem firmes, abrindo suas bancas todos os dias com a expectativa de dias melhores. Roza reconhece que, com o tempo, a feira se torna parte da rotina. “Depois que a gente passa a ser feirante a gente se acomoda com essa vida: ‘Ah, nesse domingo não foi bom, mas no próximo a feira vai ser boa.” Já Raimunda vê ali uma forma de garantir o essencial para quem depende dela: “Tô conseguindo sobreviver, dar o que comer pro meu neto, comprar coisa pro colégio, remédios, devagarzinho, mas tá indo.”

Francisca, em meio a esse cenário, enxerga na feira um lugar de afeto e pertencimento, “Na verdade, dificuldades pra mim não tem, eu acho muito bom trabalhar aqui”, confessa, destacando o prazer no contato com as pessoas e nas amizades que construiu ao longo dos anos com os clientes fiéis. São vozes que traduzem não só a luta, mas também o vínculo com um espaço que, mesmo com tantos desafios, continua sendo sustento, rotina e encontro.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.