Lugar de luta: um dia na Vila Conceição

Texto e fotos: Luiza Amanda

Já é dia no assentamento Vila Conceição. Com as casas todas por perto dá para sentir o cheiro de café do vizinho. Os galos cantam, um papagaio antigo não para de falar e as galinhas passeiam nas ruas tranquilamente. Já se vê algumas pessoas indo para suas roças e jovens que se deslocam para trabalhar na cidade.

O assentamento foi ocupado em 1987, pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra). O lavrador Luís Umbelino, 71 anos, chegou na região em 1989 e, em 1994, ganhou uma doação de “oito linhas de terra” de um posseiro chamado Cícero. Ele lembra que a Vila foi fundada com “umas 30 casas” e hoje já tem em torno de 200.  Antes não havia banheiro, nem energia e as moradias eram feitas de palha e barro.

Cena comum no assentamento Vila Conceição

 

“Hoje em dia a maioria das casas são construídas e o assentamento já está bem mais estruturado. Gosto de viver aqui, é tranquilo. Todo dia acordo cedo, pego meu saco com comida para mim e para os bichos que crio na roça, porco, galinha e peixe. Passo o dia lá, planto e colho milho, feijão, banana, amendoim. Só volto para o assentamento de tardezinha para jantar e dormir”, relata o agricultor.

No assentamento, as árvores estão com as folhas verdes e aquele cheiro de terra molhada da neblina da noite exala por todo o ambiente. Às 8h, em algumas casas se escutam ruídos, já se vê pessoas limpando seus quintais, queimando seus lixos e o odor de fumaça é bastante ruim.

Mudanças

Ana Karolyne relata melhorias e problemas do assentamento

 

Ana Karolyne, 21 anos, observando tudo, diz que não sabe muito sobre o início do assentamento, mas se recorda que muitas coisas melhoraram desde a ocupação. Seus avós contam que andavam a pé mais de sete quilômetros no sol quente e achavam normal. Mas hoje em dia quase todo mundo já tem seus meios de transporte. “Antes, quando não se andava a pé, era de carroça. Nos dias atuais, aqui na Vila Conceição, têm algumas melhorias, mas ainda precisa de mais. O descarte do lixo é muito difícil e acaba que os moradores se livram dele por conta própria, jogam em lixões, que é perto das casas ou queimam, e dessa maneira prejudica a todos”, destaca.

Enquanto a menina reclama dos ares poluídos, de longe dá para observar uma idosa, Maria Esmeralda, 65 anos, inalando aquela fumaça e cuidando de seu viveiro. “Cuido do meu viveiro todo dia. Sempre venho dar uma olhadinha, mas é meu filho que faz a limpeza geral dele”. Logo ela aponta uma planta, chamada pega-rapaz. “Ela é facinho de pegar, se desenvolveu bem rápido”.

Em uma rua próxima, encontra-se um grupo de jovens jogando Free Fire. Eles comentam sobre a falta de emprego no assentamento.  “Ruim demais não ter serviço aqui na Vila. Quando não temos que sair para a cidade, o único tempo bom para pegar uma graninha aqui é no tempo do açaí. Pegamos do pé e vendemos para os feirantes”, diz Adriano, 18 anos.

Benedita Oliveira comercializa frutas e verduras

 

O vento sopra, os barulhos de cachorros latindo são constantes. Já são 15h e uma voz não muito distante ecoa: “Olha a banana”. Benedita Oliveira anuncia os produtos de sua banca de frutas e verduras. “Meu marido traz as bananas da roça, daí peguei e fiz uma mesa para vender as verduras”. Coloco quando tem abóbora, amendoim na minha banquinha para vender. Aqui é bem farto e não dá para passar necessidade. Lá na roça tem galinha, porco, peixe. São coisas que ajudam muito na nossa alimentação do dia a dia’’, considera a vendedora.

Tempos de luta

Em uma casa perto dessa banca encontra-se Maria do Nascimento, 65 anos, que cuida da sua plantação no quintal. Ela acredita que não dá conta mais de mexer com roça igual a antes, na juventude. Maria estava por perto quando ocorreu o movimento de ocupação das terras da chamada Fazenda Criminosa, que daria lugar ao assentamento Vila Conceição. No período, o então proprietário José Sarney, era presidente da República (1985-1990). Embora estivesse grávida, ela acompanhou alguns despejos e conta que foi preciso liberar a antiga fazenda para os posseiros em 1987. “O presidente liberou e todo mundo voltou para a ocupação de novo”. Maria explica que a sede da fazenda era marcada por balas e manchas de sangue e, por isso, chamada de Criminosa.

“Ainda lutamos muito para conseguir aqui de vez. Todo mundo teve que ir a São Luís, no Incra, para conseguir projetos para cá. As pessoas que vieram para a ocupação moravam espalhadas em Imperatriz, quando ficamos sabendo que iria ter, viemos para ganhar um pedaço de terra. Hoje em dia está mais de boa em relação à posse, mas está perigoso em outras partes, pois acontece uns crimes de vez em quando por aqui”, confessa a lavradora.

Diversão e tédio

Já é noite, as crianças brincam, correm, adolescentes conversam em rodas, alguns idosos estão sentados em suas portas e os sons dos bares estão ligados. Tudo calmo e ao mesmo tempo uma agitação. “Eu gosto de sentar entre amigos pegando o vento da noite, ouvindo o som dos grilos e jogar conversa fora. Já que aqui não tem muitas opções”, conta Raniele Silva, 22 anos, que integra um grupo de jovens.

Outro que está na mesma roda explica a importância de jogar conversa fora com os amigos. “Gosto muito, ficamos falando de política, damos várias risadas a toas e isso faz bem. Fumo meu cigarro, bebo uma Coca-Cola, tudo isso socializando”, explica Andreone Boddenberg, 17 anos. Já Camila Carvalho, 25, que estava ouvindo tudo, revela que acha ruim o assentamento no período noturno. “Essa Vila não tem nada, é difícil achar alguma coisa boa aqui”.

Logo mais as ruas do povoado vão se esvaziando. Por volta de 22h já não se vê quase ninguém. Todos entraram para as suas casas e o silêncio prevalece no lugar, no encerramento de mais uma jornada na Vila Conceição.

* Esta matéria faz parte do Projeto Vivências, que estimula os estudantes de jornalismo a abrirem todos os seus sentidos e narrarem ambientes, ações e personagens.