Repórter: Mateus Farias
O Linux é um sistema operacional de código aberto, alternativa e concorrente ao Windows, sistema que é pago e privado. Suas principais características são a gratuidade, sua flexibilidade, segurança e alta personalização. Além de muitas outras características, o Linux se propõe a ser um sistema operacional amigável principalmente a estudantes, desenvolvedores e programadores.
Pouco conhecido pelo público comum, de fora da área da tecnologia, dados do Statcounter dizem que o Linux está presente em apenas 4% dos computadores pessoais. Sendo um sistema operacional usado em sua maior parte por especialistas, técnicos em informática ou sistemas de informação. Entretanto, ele pode sim ser usado por usuários comuns, de rotina diária com tarefas cotidianas. Isto é, há a possibilidade do usuário escolher usar um sistema gratuitamente, junto das ferramentas e funções encontradas nele.
Para entender melhor o impacto do Linux no setor empresarial e na educação, conversamos com Paulo Henrique Sousa Barbosa, graduado e mestrando em sistemas de informação pela Faculdade de Imperatriz, foi docente no Instituto Federal do Maranhão, faculdades Facimp e Pitágoras, especialista em cibersegurança, fundador da empresa ImSec Cyber Security. Ultimamente trabalha na consultoria em segurança de dados e com cursos online de segurança e tecnologia na Escola Hacker. Com experiência na área de tecnologia, sistemas, e mais de quinze anos usando Linux como sistema principal, ele compartilha como o Linux tem sido uma ferramenta muito útil tanto em empresas, como no uso pessoal.
Durante a entrevista cedida ao Imperatriz Notícias, Paulo Henrique explicou que o uso do Linux na educação não é apenas uma questão de preferência pessoal, mas uma decisão estratégica e econômica. O sistema permite que os alunos tenham acesso a um ambiente de desenvolvimento sem custos, algo essencial em uma instituição pública que busca maximizar seus recursos.
Imperatriz Notícias: Dados da Statcounter de fevereiro de 2024 apontam que o Linux está presente em pouco mais de 4% de todos os computadores pessoais. Apesar de ser um recorde para o sistema, o Windows é o sistema principal de 72% dos computadores. Por que você acredita que ainda há tanta resistência ao uso do Linux, tanto no ambiente acadêmico quanto no mercado de trabalho?
Paulo Henrique: O que eu tenho a falar é o seguinte. Uma, é a cultura popular. O Windows se tornou algo de desktop para usuários finais antes que o Linux se popularizasse. Hoje, o Windows se tornou bem popular por conta da cultura. A cultura mundial, principalmente no Brasil, de ter sistemas operacionais Windows que pudessem efetivar o trabalho. Porque o objetivo era para o usuário final. O Linux, no seu início, não foi direto para o usuário final, mas sim para usuários [especialistas] de tecnologia. Porém, o Windows é licenciado. Então, geralmente as pessoas não se dão conta de que tem que pagar uma licença para ele. [Ainda] mais no ambiente empresarial. Mas, com esse conhecimento de que o Windows é pago, é privado, as empresas têm pensado muito mais em usar o Linux, principalmente no âmbito de tecnologia. O Linux é muito bom para quem estuda tecnologia. Faz curso de graduação, ciência de computação, etc. Por quê? Porque por ele ser aberto, ele tem condições de gerar um aprendizado bem maior para estudantes de computação. Isso facilita muito. Então, hoje o Linux é desktop, ele é para o usuário final. A gente chama os usuários finais aqueles usuários mais comuns do dia a dia.
IN: Mas por que as pessoas ainda têm medo de dar uma chance ao Linux?
PH: É porque é cultura, na minha opinião, é cultural. E a segunda, é por falta de conhecimento. À medida que as pessoas usam, elas vão entendendo. A gente já fez alguns testes com as empresas, por exemplo, que a gente já aplicou um sistema Linux em todas as empresas, e alegando para os profissionais que era um sistema diferente, sem citar que era Linux, por exemplo. E todos usaram. A gente tem exemplos de algumas empresas em Imperatriz, por exemplo, da nossa região aqui, que usam Linux, somente Linux. E não tem sentido nenhuma diferença. Então, quando se dá oportunidade para conhecer, ele aprende e fica de boa. Ele usa normalmente.
IN: Você acredita que esse cenário terá mudanças?
PH: Sim, não só eu acredito, como vai mudar. É muito comum, e vai crescer muito mais ainda. No ambiente da faculdade, como em outros lugares também.
IN: Por quê? Acredita que futuramente o número de usuários de Linux possa alcançar o de usuários de Windows?
PH: Eu vejo que quanto mais a tecnologia crescer, mais o Linux vai se tornar conhecido, porque é seguro e gratuito. Então eu vejo uma linha exponencial de crescimento à medida que a tecnologia cresce. Se a tecnologia está crescendo, tem Linux lá. Então, o Linux vai se tornar mais conhecido. Ainda é uma grande caminhada, mas com conscientização, eu acho que ele pode pegar [mais usuários], sim um dia. Não é atoa que o Windows hoje adotou ferramentas Linux, justamente para aproximar esse público, mas é possível, é uma longa caminhada, já evoluímos bastante aí, mas acredito que ainda pode ter um chão para andar ainda.
IN: Do ponto de vista técnico, como o Linux se compara a outros sistemas operacionais em termos de desempenho e eficiência, especialmente em ambientes de ensino?
PH: Assim, quanto ao desempenho, o Linux, por ser aberto, ele dá mais oportunidade para quem for modificá-lo, e dá para saber o que de fato está sendo utilizado. Claro que, do ponto de vista técnico, isso é mais abrangente. É mais confiante, mais confiança em utilizá-lo, porque a gente sabe o que entra e o que sai na utilização. Isso facilita muito. Fora que, como ele é aberto, a comunidade é muito grande e acaba ajudando a utilizar também.
IN: E quanto a segurança, o código ser aberto não facilita uma pessoa má intencionada ter acesso a dados de outros computadores?
PH: Se a gente for analisar, por exemplo, a urna eletrônica das votações, o que de fato deixa a urna eletrônica mais segura? É a gente olhar o conteúdo dela e saber como é que os dados estão passando dos votos, por exemplo. E na urna eletrônica tem o [sistema operacional] Linux. Olhando por esse ponto de vista, ao entender que, se eu sei o que está passando ali, eu vou utilizá-lo de forma mais eficiente. Saber o código não significa que o sistema é vulnerável. Se eu sei o código, eu vou utilizá-lo para entender como funciona. E quando falo de segurança em um código, eu vou verificar que tipo de criptografia, que é a técnica de embaralhamento, aquele código que está utilizando. Isso vai me provar se ele é seguro ou não.
IN: No início da conversa você disse que realizou troca de sistema operacional em algumas empresas. Você poderia dar exemplos de quais foram e dos resultados?
PH: Olha, eu tive casos em que não foi empresa toda, mas eu coloquei um Linux. Um que eles sabiam e usaram foi o jornal Progresso. Um dos jornais principais aqui da região. Ali, trocamos todos os computadores, não fui eu, inclusive, mas eu tive a notícia que trocaram todos os computadores, e eu pude ir lá comprovar, e todos eles usaram tranquilamente. Agora, entre a empresa A ou B ou C, geralmente a gente coloca algumas trocas de computadores rápidas. Por exemplo, o Windows deu problema, você instala o Linux, com a cara do Windows, sim, isso é possível, e eles acabam utilizando sem problema. Se você for pensar no aplicativo Office, [navegador de] internet, por exemplo, esse tipo de coisa, que o usuário usa mais no dia a dia, o usuário final, é bem tranquilo. Você tem um sistema gratuito, você instala rapidamente, ele vai utilizar e pronto, fica bem tranquilo o uso, e fica fácil. A partir do momento que ela sabe [que está usando Linux], a pessoa usa, e usa por muito tempo. É conscientização, lembra da palavra, conscientização.
IN: Você acha que todo universitário deve usar, ou pelo menos dar uma chance ao Linux?
PH: Claro, sim, principalmente nas grades, nas disciplinas. Uma sugestão, é que os professores nas faculdades nessas disciplinas falem do Linux. E até os professores que têm mais experiência nesse seu [espaço] profissional para poder falar mais um pouco, com a expertise a respeito do sistema, tirar dúvidas, etc. Mas é muito importante, na própria grade, o professor vincular isso, por exemplo, um coordenador ou instituição. Não só focar em aplicativos somente, mas sim também nesses sistemas operacionais que podem ser úteis para as empresas, por serem gratuitos e serem úteis também.
IN: Como você enxerga o fato de universidades públicas ainda não adotarem o Linux como sistema padrão?
PH: A gente sabe que no âmbito computacional, as instituições, têm que dar espaço para vários sistemas, para que os alunos tenham maior experiência, quanto maior a experiência do aluno na utilização do sistema, melhor vai ficar com vários profissionais diferentes. Então é uma recomendação excelente, seria muito bom que as faculdades tivessem laboratórios com ambos os sistemas, tanto quanto o Windows, como tanto quanto o Linux.
IN: Quais são as principais barreiras que impedem que as instituições de ensino adotem o Linux como sistema operacional?
PH: Talvez falta de conhecimento e cultural também, porque geralmente as faculdades, quando têm cursos de tecnologia, são mais abertas a esse tipo de sistema operacional. Quando a gente tem uma faculdade que não tem curso de tecnologia, infelizmente tem percebido que há esquecimento nesse sentido de informações. Então a recomendação é ir no núcleo de tecnologia, ou que se tenha coordenadores e professores de tecnologia de fato, para que possa evoluir nesse sentido. Se for pegar um curso de pedagogia, farmácia, cursos que não são de tecnologia, a grade não vai exigir material de computação. Então a galera do corpo de TI, da coordenação de tecnologia das faculdades, nesse caso devem expor, que é interessante. E cabe também para os coordenadores e diretores entenderem que o profissional bem qualificado, usaria ferramentas livres. Hoje eu vejo muito mais vantagem do que desvantagem de usar Linux, se bem que eu sou suspeito, porque eu uso há mais de 15 anos. E eu não vejo necessidade de usar outro sistema operacional, por me dar segurança, etc.
IN: De que forma poderia ser implementado o estudo do Linux nas universidades?
PH: Eu costumo dizer que os alunos têm muita força na faculdade, talvez até mais, na verdade, que professores e coordenadores. Se tivesse essa conscientização, principalmente dos alunos, essa exigência, essa manifestação, talvez não uma manifestação agressiva, uma manifestação de interesses, na verdade, para a área de tecnologia, nós teríamos faculdades bem diferentes, grades curriculares bem diferentes. Então, assim, eu vejo os alunos entendendo, formalizando, indo e fazendo movimentos. Inclusive, a gente tem um movimento chamado FliSol, que é um festival latino-americano de software livre, um evento internacional que fomenta instalações de software livre. É feito em abril, todo ano em abril. Então, nesses momentos, a gente convida as faculdades, etc., para estar participando. Então, esses eventos, esses movimentos, com pessoas e profissionais da área, vão ajudar demais. Então, assim, [é preciso] o envolvimento dos alunos e manifestações dos alunos para tal item. Todo e qualquer evento tem que falar de tecnologia, porque é o futuro, é mais um leque de possibilidades. Se os eventos hoje começarem a falar de tecnologia, que é o futuro, e falar de Linux, a gente vai ter muito mais ámbito de software livre, por exemplo, nas faculdades.
IN: E em cursos fora da área da tecnologia quais seriam as vantagens do uso de Linux como sistema operacional padrão?
PH: Quando você faz a agregação de cursos, a boa parte aí é tudo hoje vem da tecnologia. Qualquer curso que você for, você vai estar usando o computador, e você vai ter que pagar por aquele computador. Independentemente do curso, você vai ter que pagar o computador, você vai ter que usar, você vai ter que pagar o sistema operacional. Se você quiser, pode pagar o sistema operacional. Agora o computador não, você vai ter que comprar. Você tem a opção, paga ou não o sistema operacional. Qual é a melhor opção custo-benefício? É não, obviamente, e o sistema operacional que fornece as atividades sem pagar. Então, tecnologia, ela tá aí. Nós temos que aplicar isso em outros cursos em qualquer área, mas a tecnologia tá aí. Ela sendo aplicada de forma correta, todo curso é essencial utilizar o computador de tecnologia, obviamente, e usar software livre, porque é custo-benefício. Se a gente for na farmácia, ou em um hospital, em qualquer lugar, você vai usar a tecnologia. E quem é empresário no setor privado, ou o instituto, ou federal, ou na estadual, quem não quer diminuir seus custos? E quando a gente fala do bolso, aí a gente percebe que há uma abertura maior nesse sentido.
IN: E quais seriam, na sua opinião, as principais estratégias para superar essa resistência cultural nas universidades?
PH: Aí são eventos. Tem que fazer eventos em qualquer área, incentivar, aquele movimento. É aquela coisa que quem quer ser visto tem que aparecer. Então, eu sou um dos responsáveis da região pela cultura de software livre. Não estou sozinho, mas eu queria muito, muito, pessoas de outros cursos junto comigo. Então, eventos nessa área, todo evento que tiver, seja de qualquer curso, encaixar ali com a tecnologia e falar de Linux, falar de software livre.
IN: Softwares livres são programas de código aberto, em sua maioria gratuitos. Existem no mercado alternativas para programas enraizados no mercado, como os pacotes Office e pacotes Adobe. Você poderia comentar sobre?
PH: Sim, sim, tem várias alternativas. O Wink, o Gimp, por exemplo. Eu uso o Gimp, que é a alternativa ao Photoshop. Existe o Wink, que é a alternativa ao Corel Draw, por exemplo, e infelizmente as pessoas instalam essas aplicações de uma maneira pirateada. E acaba sem conhecimento, está pirateado, que é um risco muito grande para a empresa instalar isso dessa forma. Então, quando a gente aplica de forma correta e se conhecendo, aí fica bom. Isso é pirataria, porque quando se usa pirataria, você acaba quebrando a imagem da empresa, sem falar das multas que pode acabar recebendo.
IN: Você poderia compartilhar algum exemplo de sucesso em que o uso do Linux em uma instituição educacional ou em um projeto que tenha gerado resultados significativos?
PH: Eu vou citar, por exemplo, a Liliane, que é a de aluno nosso. A Liliane tem muitos computadores e tem projetos da área de software livre. Nós temos o grupo Lyra também, que é o Autogiro Mil Volts, Motor Diesel. Todo esse grupo. E usam ferramentas de software livre também. É o jornal Progresso, como citei. São casos que utilizam mais efetivamente. Agora, no âmbito de servidores na área de computadores mais avançados para gerir todos os outros computadores, aí cada empresa hoje teoricamente tem um. Deve ter um Linux gerenciando como servidor, que é muito comum. É mais comum de você ver na nossa região Linux como servidor. A gente tem vários casos de sucesso, implementação de software livre em clínicas na nossa região, e usam Linux e tem sucesso. O computador fica ligado há muitos anos sem apresentar problema nenhum. Aí você vai ver nesse servidor, nesses computadores avançados, tem um Linux lá.
IN: O mundo Linux é bastante vasto de conteúdo de documentação, fazendo com que muitos desistam do sistema pela dificuldade em encontrar ajuda ou soluções. Quais são os principais recursos e comunidades que você recomendaria para estudantes que estão começando, ou que gostariam de começar a aprender Linux?
PH: O principal evento da comunidade, esse é o FliSol, que acontece na nossa região. Além do FliSol, tem o fórum de software também, que acontece no segundo semestre. Então, são dois eventos principais. [Ocorre] todo ano em abril. Nós temos o FliSol, que é feito em alguma faculdade da região, e a gente compartilha nas redes sociais. Existe uma comunidade no Facebook, chamado FliSol Imperatriz, como também tem no Instagram nas principais redes sociais, FliSol Imperatriz. Onde você pode ver como são os últimos eventos, você pode ver toda a comunidade.
IN: Linux conta com inúmeras distribuições, com diferentes propósitos. Por ser um sistema livre e gratuito, permite criações independentes e próprias, como vemos em distribuições nacionais. Estima-se pela comunidade do Linux que existam mais de mil distribuições. Com isso em mente, quais distribuições você recomendaria para um usuário que gostaria de dar uma chance ao Linux?
PH: Boa pergunta. Eu recomendaria o Ubuntu, que é bem comum, o próprio Mint, que a gente comentou ainda mais cedo. O Mint tem usabilidade muito alta. E são distribuições amigáveis, né? Eu não vou utilizar as distribuições amigáveis, mas eu vou ficar com duas. O Ubuntu e o Mint.
IN: E quais são suas top cinco distribuições favoritas?
PH: Debian, O Ubuntu, Suse, Elementary OS, e por último Red Hat.
IN: Teria algo que você gostaria de acrescentar?
PH: Não, acho que é isso mesmo. Vamos dar um bate-papo legal. Na verdade, eu quero só agradecer pela oportunidade,Mateus, que nós possamos ter mais trabalho de alunos assim, que tem um interesse, né? Tecnologia, principalmente software livre. E dizer que é um desafio, né? Usar software livre é um desafio, mas quando você vai usando e você deixa, abre espaço para usar, você percebe que você acaba gostando. Então, assim, a recomendação que eu falaria, né? Dê espaço pro Linux. Dê uma oportunidade. E eu tenho certeza que quando começar a usar, você vai gostar muito.