Home office, trabalho híbrido e a volta das atividades presenciais foram os causadores do aumento da síndrome de burnout nessa faixa-etária

Discente cansado durante entrega de trabalho (Ketcia Freita)s

Paulo Maciel

Com a pandemia e o isolamento social, as empresas tiveram que aderir ao trabalho feito em casa, o home office. Além da pressão em si do contexto de uma pandemia, muitos profissionais se tornaram ainda mais ansiosos e sobrecarregados de atividades, por conta do trabalho em casa, gerando assim muitos problemas psicológicos. Os jovens fazem parte desse grupo de trabalhadores que sofreram com transtornos psicológicos durante esse período. Um desses transtornos é a Síndrome de Burnout.

O burnout é um transtorno psíquico de caráter depressivo, com sintomas semelhantes ao da ansiedade, do estresse e da síndrome do pânico, mas que é desencadeada por esgotamento profissional. Ela causa problemas como dificuldade de concentração, insônia, irritabilidade e sintomas físicos como dores no corpo. A síndrome foi incluída em 2019 pela OMS (Organização Mundial da Saúde), na classificação Internacional de doenças.

Ketcia Freitas

Segundo pesquisa feita em 60 países pela empresa Adecco RH, fornecedora líder mundial de soluções de gestão de recursos humanos, das 15 mil pessoas ouvidas, 45% são jovens e sofrem da síndrome de burnout  e outros 32%  informaram que a saúde mental piorou significativamente por conta do trabalho a distância.

Esse é o caso de Lucas Lima de Medeiros, 23 anos, morador de Imperatriz-Ma, que trabalha em uma startup (Empresa emergente que tem como objetivo principal desenvolver ou aprimorar um modelo de negócio) de São Paulo e teve problemas que foram acentuados pelo trabalho em home office. “Eu já tinha uma predisposição à ansiedade, e o trabalho em home office me causou um estresse a mais, acentuando essas crises”, conta. Outro ponto que afetou a vida do jovem foi a saúde física, que por conta de não ter um escritório apropriado para desenvolver suas atividades, teve que improvisar um na sua casa e isso causou muitas dores na costa e pescoço, interferindo na sua produtividade.

Segundo a Psicanalista Marcia Lima, especialista em Psicopedagogia, o esgotamento profissional atinge diferentes faixas etárias, mas a prevalência é maior entre os nascidos a partir da segunda década de 1990, ou seja, a chamada geração Z. “As pessoas que pertencem a essa faixa-etária são preferência na contratação da maioria das organizações, pois nasceram em um contexto tecnológico desenvolvido, e os jovens tendem a ter maior comprometimento com as organizações. Por isso a oferta de trabalho tende ser maior para esse público. Em virtude disso podemos considerar que a faixa etária mais comprometida pelo estresse ou excesso de trabalho vai desde os 18 aos 27 anos aproximadamente”, afirma Marcia.

Psicanalista Marcia Lima (Arquivos pessoal)

Segundo pesquisa feita pela Deloitte, empresa que oferece serviços de soluções em consultoria  e gestão empresarial, , os níveis de Burnout são significativamente mais altos no Brasil do que a média global. Dos 59% dos entrevistados da geração Z (nome dado às pessoas nascidas entre 1995 e 2003) e 58% dos millennials (nascidos entre 1983 e 1994), dizem se sentir esgotados por causa da intensidade e das demandas do trabalho. As médias globais são de 46% e 45%, respectivamente.

 
Cayro produzindo material em casa para o trabalho (Ketcia Freitas)

Tayná Duarte

A necessidade de distanciamento social nos últimos anos motivou a implementação de novas políticas de trabalho que, cada vez mais, se consolidam como novos modelos de colaboração. A principal delas é o modelo híbrido que, em 2022, se torna uma realidade implementada por 48% das empresas, como indica a 18ª edição do Índice de Confiança Robert Half (ICRH). Contudo, um estudo global recente conduzido pela plataforma de envolvimento de funcionários Tinypulse mostra que trabalho híbrido é emocionalmente mais rigoroso que o trabalho totalmente remoto e até que o trabalho em tempo integral no escritório.

A quebra da rotina dos funcionários ao longo da semana é um fator que pode tornar o trabalho híbrido mais cansativo que o presencial. Para o estudante Cairo Yuri, 25 anos, não ter uma rotina fixa se torna algo exaustivo e cansativo às vezes. ‘’Com o trabalho híbrido adquiri estresse, pois quando você trabalha de casa não consegue se alimentar direito, as horas passam e quando percebo já passei horas sem comer’’, diz. 

Além disso, ele fala que a sua principal dificuldade é conciliar o trabalho com a paternidade. ‘’Tenho um filho de 1 ano e 4 meses, e requer muita atenção. Mesmo ele ficando com a avó enquanto trabalho, em algum momento ele vem pra cima de mim, ou ele chora querendo colo, atenção ou brincar, e isso tira o meu foco do trabalho”. 


A mudança de forma constante de um trabalho para outro e o planejamento necessário para essas devidas mudanças podem deixar os trabalhadores mais esgotados. A estudante Nathália Carvalho, de 21 anos, começou a trabalhar de forma híbrida em meio à pandemia e conta que no início se sentiu insuficiente por não conseguir se organizar.

Nathália concentrada durante trabalho (Ketcia Freitas)

‘’Trabalhar home office requer muito o uso das redes sociais, principalmente da plataforma WhatsApp, então você está online o tempo inteiro e as pessoas acham que você é um faz nada ou simplesmente que não quer responder. Em geral, me causa ansiedade e frustração, pois além do trabalho, a casa tem todo um fluxo que acaba te afetando, seja de barulho ou alguém pedindo algo. Então, eu tenho me sentido mais cansada do que trabalhar 100% presencial”, afirma Nathália.

Nathália falando sobre pauta de trabalho com colegas (Janayna Sousa)



Lívia Carvalho


Uma pesquisa feita em 2021 pela Isma-BR (International Stress Management Association no Brasil) mostra que cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros encontram-se sem condições emocionais, mentais ou físicas para continuar. Esses números colocam o Brasil como segundo lugar em um ranking de oito países, perdendo apenas para o Japão com 70% da população atingida.


Com o avanço da vacina e o aumento do número de pessoas imunizadas contra a Covid-19, a volta do trabalho presencial se tornou realidade. Contudo, mesmo em um cenário de desemprego alto e parte da população com dificuldades para voltar ao mercado de trabalho, o Brasil bateu recorde de pedidos de demissão nos últimos 12 meses, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Foram 6.175.088 pedidos de demissão, de trabalhadores com carteira assinada, entre junho de 2021 e maio de 2022 — mais que os 5.980.401 acumulados até abril e que o recorde anterior, de 5.838.788 pedidos em março de 2014.


A estudante Valéria Cristina, de 25 anos, está entre as pessoas que pediram demissão em 2021. ‘’Não estava feliz. Cheguei a um momento que me sentia triste em saber que tinha que ir para o serviço e enfrentar a rotina de trabalho. Era muito estressante e cansativo

A cobrança para bater meta também era muito grande e lidar com o atendimento, com os clientes era muito estressante’’, relata.


Antes de completar dois anos no trabalho, a estudante conta que desenvolveu ansiedade e teve fortes crises. ‘’Isso começou durante um atendimento com um cliente. Fiquei sem visão por alguns segundos, depois voltou, mas comecei a ter tonturas que não passavam, minha pressão estava sempre alta, sentia falta de ar e muito cansaço ao andar durante duas semanas, pensei que tivesse problema no coração’’, acrescenta Valéria. 


Ela diz, ainda, que foi em diferentes médicos, mas só depois de um tempo descobriu que o que ela sentia era a ansiedade causada pelo trabalho. Após pedir demissão, Valéria disse que se sentiu muito feliz. ‘’Fiquei nervosa no início, mas depois parecia que havia tirado um peso enorme de cima de mim. Era algo que eu precisava. Decidi que minha saúde era prioridade’’. 

Ketcia Freitas- estudante estrssado após horas fazendo trabalho
Jovem estressado após horas no trabalho (Ketcia Freitas)
Janayna Sousa- grupo de trabalho corrigindo texto
Grupo de trabalho corrigindo texto (Janayna Sousa)

Especialistas apontam que o excesso de pressão e a falta de reconhecimento profissional estão entre os principais motivos dessa onda global de pedidos de demissão. O excesso de tarefas diárias, os prazos de entrega e a necessidade de perfeição são fatores que podem causar um estresse que leva ao burnout. 

 

A grande demanda e a exigência por uma mão de obra especializada fazem com que o trabalhador dedique cada vez mais tempo de sua vida para o aperfeiçoamento profissional. Medidas como o estabelecimento de metas diárias e recompensas por produtividade são exemplos de controle sobre o trabalhador que, intensificando sua atividade, aumenta a produtividade das empresas em menos tempo e com menos recursos. Essa sobrecarga de trabalho não leva em conta as necessidades de cada indivíduo, prejudicando a sua saúde mental.