Por: Laécio Bezerra
Era para ser apenas mais um capítulo na minha vida, mas acabou se tornando a história mais importante que eu poderia escrever. Nunca me imaginei no curso de Jornalismo. Sempre admirei a profissão, mas seguir essa carreira? Jamais. A pandemia, no entanto, mudou minha vida. Perdi amigos, meu restaurante de comida chinesa, e até a moto que comprei com tanto esforço. Diante desse caos, fiz o que me parecia mais insano: decidi fazer o ENEM, sem sequer ter estudado. O resultado? Fui aprovado, e o destino me levou ao curso de Jornalismo. Agora, no terceiro período, percebo que essa foi a melhor escolha que fiz em anos.
No início, eu não tinha certeza se permaneceria no curso. As dificuldades começaram cedo, já no primeiro período. A primeira grande prova veio na disciplina de Redação Jornalística, ministrada pelo professor Alexandre Maciel. A tarefa era simples, pelo menos na teoria: escrever uma reportagem sobre o bairro onde cada aluno morava, como parte do projeto acadêmico “Meu canto também é notícia”. Decidi falar sobre a expansão imobiliária e seus impactos ambientais. O professor me alertou sobre os riscos de abordar um tema tão polêmico, que envolve confrontar interesses de pessoas poderosas. Ainda assim, segui em frente.
Foi durante esse trabalho que me deparei pela primeira vez com os perigos reais do jornalismo investigativo. Enquanto tirava fotos de uma grande área de mata nativa sendo derrubada, fui perseguido por dois “peões” da obra, em uma motocicleta. Conhecendo melhor o território, e também de moto, consegui escapar, mas a adrenalina e o medo daquele momento ainda ressoam em minha memória. Ao mesmo tempo, aprendi outra lição sobre o jornalismo: a humilhação de ser ignorado. Para aquela reportagem, eu precisava entrevistar o diretor do Ibama. Quando cheguei ao local, a secretária olhou para mim e disse friamente: “Ele não está falando com a imprensa.” Não sabia se me sentia triste por não conseguir a entrevista ou feliz por, de alguma forma, já ser considerado parte da “imprensa” no primeiro período de faculdade.
As dificuldades não pararam por aí. Em uma matéria de Jornalismo Cultural ministrada por Yara Medeiros e novamente Alexandre Maciel, eu escolhi o tema das lendas urbanas e sobrenatural. Achava que seria mais simples, pois era um tema que me fascinava e também fui alertado pelos professores da dificuldade e para piorar, ninguém tinha conseguido ainda falar sobre o tema na matéria em questão. Para minha surpresa ao começar as entrevistas, muitas pessoas não queriam falar sobre o assunto. Alguns entrevistados preferiam recitar trechos da Bíblia e me “evangelizar” ao invés de compartilhar suas histórias. Ainda assim, com persistência, consegui reunir material suficiente para uma boa reportagem.
Outro grande desafio veio na disciplina de Gêneros Jornalísticos, ministrada pela professora Thaisa Bueno. O objetivo era criar um utilitário que falasse sobre o apoio psicológico nas universidades de Imperatriz. Isso exigiu entrevistar cinco psicólogos espalhados pelos quatro cantos da cidade, tudo em uma única tarde. E claro, durante essas entrevistas, eu não perdia a chance de fazer que avaliassem meu estado mental. Meu diagnóstico prévio? Com o volume de tarefas que enfrentava, eu precisava urgentemente de algum tratamento. Em uma das entrevistas, que deveria acontecer em uma universidade local, a psicóloga simplesmente não apareceu. Passei três dias indo ao local e esperando por horas, sem sucesso. Esse tipo de situação faz parte do cotidiano de um jornalista em formação.
Mas não foram só dificuldades e decepções que marcaram minha jornada até aqui. Conheci pessoas incríveis na minha turma, gente que levarei para a vida. Depois da pandemia, eu não esperava conhecer mais ninguém, e confesso que eu mesmo não estava aberto a isso. Mas o destino, sempre cheio de surpresas, me trouxe amigos que me ajudaram a ressignificar muitas coisas. Juntos, fizemos projetos que foram muito além da sala de aula. Por exemplo, levei um colega, Bruno Guilherme, juntamente com Stephany Apolinário e Ivanilde Firmo, a conhecer o Mercadinho aqui em nossa cidade, um lugar que ele nunca havia sequer ido em sua vida, apesar de estar tão perto dele. Foi uma experiência incrível vê-lo descobrir esse pedaço da cidade pela primeira vez.
O ponto mais alto foi quando o convencemos a visitar o Cemitério Campo da Saudade, um local que inicialmente ele relutou muito para não ir. No entanto, ao chegar lá, Bruno descobriu que o lugar não era o que ele imaginava e que as pessoas que trabalhavam ali tinham histórias de vida fascinantes. Essas vivências ajudaram a consolidar não só minha visão sobre o Jornalismo, mas também sobre as pessoas e os ambientes que muitas vezes ignoramos.
Tudo isso enquanto trabalhando durante as madrugadas como atendente de uma empresa fornecedora de energia elétrica, atendendo a região do Rio Grande do Sul. Não raro, recebo ataques psicológicos de clientes irritados pela falta de energia, mas não estou aqui para julgá-los. Entendo que a situação é difícil para todos. Eu só quero mostrar que a vida de um estudante de Jornalismo não é fácil, especialmente quando se estuda e trabalha ao mesmo tempo. Cada experiência tem me moldado, me tornado mais resiliente e, talvez, até um pouco mais sábio.
O curso de Jornalismo salvou minha vida de mais formas do que posso contar. Se antes eu não tinha um sonho, hoje ele está bem claro: quero ser jornalista. É como se eu tivesse encontrado um novo sentido, uma nova razão para seguir em frente. Quero contar histórias, mesmo que isso signifique enfrentar humilhações, riscos e portas fechadas. Cada passo nessa trajetória tem sido uma batalha, uma busca pelo significado de ser quem eu sou.
Ainda há muito a ser contado, mas quem sabe essa crônica não se estende em outra oportunidade. Por enquanto, espero que essas palavras sirvam para mostrar que o Jornalismo, mesmo com todas as suas dificuldades, tem o poder de salvar vidas, de transformar histórias. Afinal, no fim das contas, não há almoço grátis, mas há, sem dúvida, muito a aprender e muito a contar.