“Isso não tem idade”: Psicóloga Francisca Oliveira fala sobre envelhecimento e sexualidade feminina

Texto: Brenda Marques

Fotos: Brenda Marques e acervo pessoal

Um levantamento do Projeto Sexualidade (ProSex), do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), aponta que 66,7% das mulheres brasileiras com mais de 60 anos mantêm uma vida sexual ativa. Ainda assim, a sexualidade na velhice, especialmente entre mulheres, segue envolta em estigmas e tabus, distantes da realidade expressa pelos números. Ainda é possível encontrar a crença de que o desejo e prazer desaparecem com o tempo, como se amar e se sentir desejado tivesse prazo de validade. No entanto, essa ideia não poderia estar mais distante da realidade. 

Pesquisas como o Estudo Transversal Sueco sobre Atividade Sexual e Satisfação entre idosos com mais de 60 anos, realizado em 2020, mostram que a sexualidade é parte da saúde integral em todas as fases da vida, inclusive na velhice. Ainda assim, muitas mulheres chegam à terceira idade carregando crenças construídas desde a infância, que as fazem acreditar que o prazer não lhes pertence mais, ou nunca lhes pertenceu.

Entender como a trajetória de vida dessas mulheres, hoje idosas, influencia sua relação com a sexualidade é algo que a psicóloga Francisca Feitosa Oliveira, 63 anos, faz no consultório e nas rodas de conversa que promove. Atuante na Terapia Cognitivo-Comportamental, ela trabalha a relação entre pensamentos, emoções e comportamentos. 

Em 2018, durante a graduação em Psicologia, desenvolveu o projeto Mulheres Conectadas, voltado ao acolhimento emocional de mulheres, sobretudo acima dos 30 anos. Também se especializou no Método de Terapia para Mulheres (TEPM), criado para atender as necessidades específicas do universo emocional feminino. A partir dessas experiências, passou a observar como padrões de pensamento interferem na forma como as mulheres lidam com o próprio corpo e sexualidade. Na manhã do dia 18 de junho de 2025, Francisca compartilhou, nesta entrevista, reflexões sobre como é possível ressignificar a sexualidade na maturidade, encarando-a não só como direito, mas como expressão de saúde, bem-estar e dignidade.

Imperatriz Notícias – Como o envelhecimento pode ser visto quando falamos em sexualidade?

Francisca Oliveira – A Organização Mundial de Saúde vem dizer que é um estado de bem-estar físico, emocional, mental e social. Isso vem reforçar que o envelhecimento não deve ser visto como uma fase de negação ao prazer, mas sim de transformação e possibilidades.

I.N – Que tipo de possibilidades?

F.O Quando a gente vem falar de sexualidade na terceira idade, está se falando de intimidade, afeto, da conexão de uma pessoa para com outra, isso não tem idade. Embora o corpo físico não esteja mais como o da mulher de 25 anos, o desejo está ali. Muitas das vezes ela tem vergonha, tem medo, foi ensinada que é tabu.

Quando a gente vem falar de sexualidade na terceira idade, está se falando de intimidade, afeto, da conexão de uma pessoa para com outra, isso não tem idade.

I.N Como as crenças que essas mulheres carregam desde a infância influenciam a forma como vivem a sexualidade hoje?

F.O – Quando a gente olha para a história da mulher, nós sabemos que a sociedade sempre ensinou, principalmente para as que hoje têm os seus 60, 70 e 80 anos, foi internalizar uma verdade que se torna, na psicologia, as “crenças centrais”. Aquilo que eu ouvi quando criança, o que me contaram, tudo isso que aconteceu eu internalizei como verdade. Então essa mulher foi se fechando no seu mundo. Muitas delas não conseguiram expressar os seus desejos, eles ficaram guardados ali.

I.N A senhora tinha comentado que houve uma construção da vivência dessas mulheres, principalmente para a partir dos 60 anos. No caso dessas que estão casadas, esses momentos no passado impedem que elas conversem com os parceiros?

F.O – Essas feridas emocionais são construídas. Ela viu a mãe passar por isso, a avó, geração e geração, que “precisa” ter esse comportamento e essa postura. Há um tempo, em uma revista da VEJA, eu li uma reportagem em relação ao orgasmo. Uma mulher relatou que tinha 40 anos de casada, nunca tinha tido um orgasmo, e que queria muito saber o que era na prática. Ela dizia amar o esposo, mas que não tinha a iniciativa de dizer como é o que gostaria no ato sexual. Ela não vivenciava, mesmo tendo um desejo muito grande de “gritar” e expressar isso. Como foi ensinada que uma mulher fazer isso seria ridículo, foi segurando por um tempo, ficando preso dentro dela. Ela foi polida naquele momento e é como se a energia fosse sugada. Foi apenas objeto de prazer do outro, mas não vive o prazer.

I.N – Pesquisas da Universidade de Michigan, de 2021, mostram que, embora 76% dos idosos valorizam a vida sexual, 54% sentem que a sociedade os considera “invisíveis” nesse aspecto. Como a senhora enxerga esse paradoxo?

F.O – Na prática clínica e nos espaços de escuta, percebo que muitos idosos internalizam essas crenças e passam a silenciar seus desejos, como se fossem incompatíveis com a fase da vida em que estão. Esse silenciamento pode gerar sentimentos de inadequação, vergonha e isolamento. É essencial que se reconheça a sexualidade como parte da saúde integral em todas as fases da vida, inclusive na velhice. Precisamos olhar para o idoso como um sujeito de desejo, com história, afetos e corpo que sente. 

I.N Tem um dado de 2020 da OMS que aponta um aumento de 120% no número de novos registros de HIV em indivíduos com mais de 50 anos, comparados ao ano anterior de 2019. O que a senhora acredita que seja o motivo para essas mulheres neste quadro não fazerem o uso da camisinha?

F.O – Aquilo que aquela mulher internalizou como verdade, o certo ou o errado, ela vai manter. Na época dela, adolescência ou idade menor, ela não sabia nem o que era uma camisinha. Para ela, hoje é assustador, “como que eu vou usar esse preservativo?”, “por que vou usar isso se meu pai e mãe tiveram (sem preservativo) uma relação e deu tudo certo?”. Então volta para o que a terapia cognitiva comportamental fala, a crença dela é que se for usar uma camisinha não vai ter o mesmo prazer, como se estivesse sendo indiferente, achando que o parceiro é sujo. Ele também não vai aceitar porque se ela fizer isso é como se tivesse desprezando-o. Então tudo isso que ela tem de verdade, vai mantendo. Prefere correr um risco de um adoecimento, do que quebrar essas crenças que já estão internalizadas.

I.N Uma pesquisa do Instituto Kinsey, dos Estados Unidos, diz que 68% das mulheres com mais de 60 anos mantém uma relação sexual ativa. No entanto, esse cenário não bate com a crença que as pessoas têm. Na sua opinião, por que ainda é mais fácil acreditar que mulheres idosas não praticam sua sexualidade?

F.O – Isso, lá atrás, era considerado um tabu, mas em pleno século 21 eu já entendo que hoje há uma nova forma de ver. A gente ver várias reportagens, programas, em que tanto o homem quanto a mulher vão falando “Nós estamos mantendo a nossa vida ativa e nos sentimos bem”. Hoje eu acredito ser completamente diferente, as pessoas vivem a sua sexualidade ativa.

I.N – Sendo também uma mulher que envelhece, a senhora já está na faixa etária dos 60 anos. De alguma forma sente que esse tabu da sexualidade na terceira idade te atravessa pessoalmente, mesmo sendo uma profissional na área?

F.O – Não, eu sempre fui uma pessoa muito ousada, determinada, vamos dizer além do meu tempo. Sempre fui curiosa para estudar, para aprender, com maturidade e tranquilidade. Hoje sou viúva a cinco anos, tive um relacionamento com meu esposo saudável, em nenhum momento eu tive alguma uma restrição, embora eu tenha sido criada de uma forma “isso não pode” e “isso não deve”, mas eu sempre fui de perguntar “porque?”.