Imunologista de Imperatriz diz que até 2030 metade da população terá alergia

Texto e fotos de Luciana Franco

"sso tem aumentado por diversos fatores principalmente, o aumento de partos cesariana, porque no parto vaginal, quando a criança nasce ela tem contato com as bactérias da flora vaginal da mulher e isso ajuda a estimular anticorpos de defesa."
“sso tem aumentado por diversos fatores principalmente, o aumento de partos cesariana, porque no parto vaginal, quando a criança nasce ela tem contato com as bactérias da flora vaginal da mulher e isso ajuda a estimular anticorpos de defesa.”

Ingerir alimentos causadores de alergia pode desencadear no organismo um processo inflamatório que aumenta o risco de empolar a pele, de dificuldade respiratória e ainda a alergia pode causar casos graves levando o paciente inclusive ao óbito. Dados da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) estimam que 30% da população sofre com algum tipo de alergia.

O médico alergologista e imunologista, dr. Raphael Figueiredo, médico graduado em medicina pela Universidade Iguaçu – RJ e especializando em alergia e imunologia clinica pela Faculdade de Ciências Médicas de Juiz de Fora- MG, afirma que no ano de 2030 metade da população terá algum tipo de alergia. Segundo o médico, o aumento da população alérgica se explica entre outros fatores, pelo aumento de partos cesáreos.

Com quarenta cursos na área de alergia, dr. Raphael Figueiredo esclarece as principais dúvidas sobre alergia alimentar, explica que tartrasina é um corante amarelo que agrava as crises de asma, instrui como proceder no tratamento das alergias alimentares e detalha o processo de aplicação da vacina contra febre amarela em pacientes alérgicos ao ovo.

O médico com 29 anos, que já atendeu hospitais públicos e particulares de Imperatriz e cidades vizinhas, possui três artigos no Word Allergy Organization Journal, 2015, que é o jornal que publica trabalhos com relevância clínica específica para a prática de alergia em qualquer parte do mundo, e ainda conta com quatro publicações de estudos importantes com alimentos como a uva, castanha do pará e castanha de caju, no Jornal Brasileiro de Alergia e Imunologia. Nesta entrevista, o dr. Raphael lista os maiores alimentos causadores de alergias alimentares, além de esclarecer a diferença entre alergia alimentar e intolerância alimentar. Confira.

Imperatriz Notícias ─ Qual a diferença entre alergia alimentar e intolerância alimentar?

Raphael Coelho Figueiredo ─ A diferença entre alergia alimentar e intolerância alimentar é a seguinte: a alergia alimentar ocorre por um processo do sistema imunológico. Quando o paciente ingere o alimento causador de alergia, o sistema imunológico entende como algo agressivo e passa a produzir anticorpos e substâncias contra o próprio organismo desenvolvendo um processo inflamatório. É uma questão de rejeição do organismo que com o tempo o indivíduo pode adquirir uma tolerância e voltar a aceitar aquele alimento causador de alergia. Já a intolerância alimentar, é apenas uma dificuldade do intestino na digestão de algumas substâncias,  muitas vezes pela diminuição ou pela ausência de enzimas e não tem nenhuma relação com o sistema imunológico. Então por exemplo, a mais comum é a intolerância à lactose. A lactose é o açúcar do leite, e a chamamos de carboidrato. O paciente que tem a intolerância à lactose, ingere o leite normal, mas a enzima que faz a digestão dessa lactose está reduzida ou ausente nesses pacientes. Portanto o organismo não vai conseguir fazer a digestão daquele alimento, fazendo com que ele permaneça mais tempo no intestino causando alguns sintomas como dores abdominais, excesso de gases, a barriga fica bem inchada, pode prender o intestino ou causar a diarréia. Nesses casos os sintomas são somente intestinais. Mas claro que quando você está com mal-estar intestinal, você pode sentir um mal-estar generalizado, ou uma dor de cabeça causada pelo mal-estar, mas você não vai ter reações alérgicas. Também a intolerância alimentar não costuma causar quadros graves, porque a alergia pode levar o paciente inclusive ao óbito. Já na intolerância não. Há somente o desconforto e dependendo da enzima que o paciente está com deficiência ou diminuição podemos fazer uma reposição artificial através de medicações para facilitar essa digestão ou restringir, no caso da lactose, a lactose. Nesse caso, o paciente fica ingerindo alimentos feitos com leite, sem lactose. A condução dos casos é feita dessa forma.

 

I.N ─ Quais os sintomas das alergias alimentares?

R.F ─ Os sintomas das alergias alimentares, são diversos. Podendo ser cutâneos, ou seja, na pele através de empolar ou de inchar; podem ser respiratórios, no pulmão com falta de ar, chiado no peito, tosse; no nariz com nariz entupido ou escorrendo e ainda no intestino como vômito, diarréia, dor abdominal, sangramento, esses são sintomas mais comuns em relação aos alimentos. O paciente pode ter todos esses, somente um, ou outros. Depende muito do mecanismo imunológico envolvido no processo de alergia.

I.N ─ Como identificar o alimento causador de alergia?

R.F ─ A forma de identificação do alimento causador, pode ser pelo próprio paciente.  Por exemplo: ele ingeriu um camarão e começou a ter as reações que eu descrevi anteriormente. Então ele já procura um médico relatando este sintoma e essa associação, e o médico simplesmente irá fazer os exames pra confirmar. O exame pode ser feito na pele do paciente com alguns extratos padronizados ou através do exame de sangue específico.  No caso de dúvida, a gente pode fazer a provocação oral com o alimento, mas isso tem que ser feito num ambiente seguro com um médico treinado, capacitado para atender as eventuais reações adversas e com todo o suporte de enfermagem pra estar dando essa segurança na realização do procedimento. Quando o paciente não consegue identificar ou suspeita de vários alimentos, ele deve procurar um médico e o médico deverá fazer esses exames através da pele, que é o teste cutâneo ou do exame de sangue para buscar o alimento causador. E na dúvida, o exame padrão ouro mais indicado é o teste de provocação oral, porém, como eu falei anteriormente, sempre feito com muita segurança.

 

I.N ─ Quais os principais alimentos que causam alergia?

R.F ─ Os principais alimentos causadores de alergia alimentar para a criança, são em ordem de importância, o leite, ovo, soja, trigo, milho, amendoim e castanhas. Nos adultos são mais comuns os frutos do mar, como camarão, caranguejo, castanhas e amendoim. Claro que hoje, devido à mudança da dieta e do padrão de vida das pessoas têm surgido alergia a outros alimentos menos comuns, como às frutas, aos legumes, às especiarias como o cravo e gergelim. Temos notado um aumento de alergia à banana, por ser um alimento muito comum e por ter uma proteína que pode ter uma reação cruzada com outros alimentos nesses processos alérgicos.

 

I.N ─ Como é feito o tratamento de uma alergia alimentar?

R.F ─ O tratamento da alergia alimentar a princípio, é a exclusão do alimento causador e então identificamos quais são as proteínas daquele alimento envolvidas no processo. Baseado nisso, temos um prognóstico, ou seja uma expectativa de até quando o paciente vai ter alergia àquele alimento e  vamos marcando as consultas seriadas. Pedimos a suspensão do alimento por um prazo de um ano, dois anos, ou mais ou menos de acordo com a proteína. Após o prazo determinado por exemplo, um ano e dosamos novamente os marcadores. Quando esses marcadores começarem a entrar em regressão ou eles negativarem, nós reintroduzimos o alimento e verificamos se houve uma aceitação. As crises alérgicas, tratamos com antialérgicos, que chamamos de anti-histamínicos e nos casos mais graves tratamos com os corticóides que tem uma função de controlar também esses processos inflamatórios da alergia.

I.N ─ Um alérgico não poderá nunca mais ingerir o alimento que provoca a alergia?

R.F ─  O alérgico não poderá ingerir o alimento causador por um determinado período. Muitas vezes esse período é de anos para alguns alimentos. Como na criança por exemplo, o leite ou o ovo, a criança ao evoluir com a idade, em torno de cinco a dez anos de idade, ela acaba desenvolvendo tolerância, voltando a aceitar o alimento, isso vale pros adultos também. Porém tem alguns alimentos que costumam causar alergia permanente, ou seja, por toda a vida, como o camarão, a castanha, o amendoim. Então depende do alimento e do grau de alergia que aquela pessoa tem, pra dizermos se ele vai se tornar um dia tolerante ao alimento, ou seja, vai voltar a comê-lo sem ter alergia, ou se ele nunca mais vai poder comer.  Isso deve ser sempre acompanhado pelo médico.  Quando os exames negativarem, o paciente tem que se submeter a essa provocação oral, num ambiente seguro, que vai evitar reações.

 

I.N ─  Pessoas com alergia ao ovo podem tomar a vacina contra a febre amarela?

R.F ─ Os paciente com alergia ao ovo se eles estiverem em área de risco para febre amarela, eles podem sim receber a vacina. Porém essa vacina deve ser aplicada num ambiente hospitalar e com médico preparado para atender reações adversas. Na prática  seguimos um protocolo. Nós aplicamos essa dose da vacina de maneira fracionada e antes de aplicar a medicação, nós fazemos no paciente um antialérgico ao corticóide, como uma pré-medicação, para tentar amenizar essa possível reação, então aplicamos a vacina fracionada e depois do término da aplicação, algumas horas depois, fazemos uma nova dose de antialérgico e de corticoide, dessa forma fazendo com que o paciente não tenha reação à vacina, porque a quantidade de proteína do ovo é pouco presente na vacina. Porém nos pacientes que tem um grau de alergia muito alto ao ovo, nós seguimos esse protocolo.

 

I.N ─ Existe alguma relação entre as alergias e o consumo de sódio?

R.F ─ Não existe nenhuma relação entre as alergias alimentares e o consumo de sódio. O sódio não é proteína nem carboidrato, então ele não tem capacidade de causar alergia. Ele é apenas um mineral, um eletrólito que faz o equilíbrio nas nossas células, entre essas substâncias, esses íons. O que o sódio em excesso pode causar é o aumento da pressão arterial, causando uma hipertensão arterial, uma pressão alta, somente isso. Em relação à alergia alimentar, não tem nenhuma relação.

 

I.N ─ Nós nascemos com alergia ou desenvolvemos a alergia?

R.F─ O ser humano pode nascer com uma tendência genética, com uma carga favorável pra alergia. Principalmente quando um dos familiares, um dos pais, tios ou avós tem alergia. Chamamos isso de tendência hereditária a atopia. Os fatores externos que contribuem para o surgimento de alergia, podem agravar e fazer com que essa alergia venha se exacerbar mais precocemente. Então o surgimento da alergia está muito voltado a uma questão chamada epigenética, que é uma predisposição genética associada aos fatores ambientais. Uma exposição precoce, por exemplo, ao leite de vaca antes dos 6 meses de idade, faz com que o organismo acabe rejeitando essas substâncias e desenvolvendo uma alergia.

I.N─ Os corantes possuem são mesmo os grandes vilões de alergias?

R.F ─ Os corantes, eles não são vilões para alergia como a maioria das pessoas pensam, porque como eu falei, para desenvolver alergia, você tem q ter uma ligação dos anticorpos com proteína, ou carboidrato. Então eles não são proteína, nem carboidrato. Portanto ele não tem capacidade de simular o sistema imunológico para gerar um processo alérgico. Portanto os corantes são mais tóxicos no sentido de sobrecarregar o nosso trato gastrointestinal, fígado, os rins, surgindo no futuro doenças renais como insuficiência renal, doenças de fígado e assim por diante por ser uma substância agressiva. Eles podem agravar algumas situações, mas não são vilões na alergia. Tem apenas um corante chamado tartrasina, um corante amarelo, que ele pode agravar principalmente a asma, porque ele faz com que as células liberem algumas substâncias que são inflamatórias.

I.N – Por que os alérgicos estão aumentando tanto?

R.F ─ As alergias estão aumentando, hoje estima-se que 25% a 30% da população tenha algum tipo de alergia ou teve durante a vida. No ano de 2030 será em torno de 50%. Isso tem aumentado por diversos fatores principalmente, o aumento de partos cesariana, porque no parto vaginal, quando a criança nasce ela tem contato com as bactérias da flora vaginal da mulher e isso ajuda a estimular anticorpos de defesa. A diminuição do aleitamento materno também é um fator agravante, porque no leite materno recebemos diversos anticorpos de defesa. Quando você não tem o aleitamento materno você não recebe esses anticorpos pelo leite artificial. Menos contato com a natureza, mais exposição à poluição da indústria, ficamos hoje mais tempo em ambientes fechados expostos aos ácaros da poeira e aos fungos, uma alimentação muito industrializada, todos esses fatores causam uma bagunça no sistema imunológico favorecendo o padrão de resposta imunológica da alergia. Então essa é a explicação para esse aumento, também a diminuição do número de infecções das pessoas. As infecções e as parasitoses que são as verminoses são boas no ponto de vista imunológico, e o uso excessivo de antibióticos acabam destruindo algumas bactérias boas do nosso organismo. Tudo isso causa o desequilíbrio, favorecendo o surgimento das alergias e portanto as alergias de modo geral tem aumentado no nosso meio. As alergias alimentares acometem em torno de 2% a 4% da população em geral e em torno de  7%  a até 10% de crianças em alguma fase da sua infância. Então, ter uma vida mais natural, em contato com a natureza, ter parto normal, amamentação ate os seis meses exclusiva, alimentação cada dia mais saudável, são fatores que contribuem para uma prevenção a alergia as atitudes contrárias, são fatores agravantes para o surgimento da alergia.