Histórias que transformam o povoado São José dos Pereiras

No sul do Maranhão, moradores preservam costumes e compartilham memórias

Kelvia Leite

O povoado São José dos Pereiras recebe esse nome em homenagem aos primeiros moradores da região, a família Pereira, e ao padroeiro, São José. Entre estradas de terra, esse lugar guarda tradições, memórias e laços familiares que resistiram ao tempo. Fundado por volta de 1940, o povoado começou com apenas quatro casas, que na época eram consideradas fazendas. Localiza-se a 45 km do município de Carolina, no sul do Maranhão, com aproximadamente 93 famílias.

São José dos Pereiras mantém viva sua história e tradições, conectando gerações em um cenário de mudanças (foto: acervo pessoal)

“Antigamente o movimento era roça e gado”, ressalta Higino Fernandes da Silva, de 83 anos, um dos moradores mais antigos. O primeiro comerciante da época foi Manoel Neto. Aos finais de semana, ele abatia animais e organizava uma feira, quem tivesse algum alimento também podia levar para vender ou trocar. Ele foi responsável por construir a primeira escola do lugar, feita de palha, e era dono de um engenho de cana-de-açúcar, onde se produzia rapadura e uma cachaça consumida pelos habitantes, chamada de “Sertaneja”.

“Naquele tempo tinha uma pessoa responsável pelo lugar, era o delegado de quarteirão”, relembra Higino. Nessa época, quem demonstrasse coragem e liderança era nomeado o zelador pelo bem-estar da comunidade.

No quintal, rodeado de animais e frutas, Higino cultiva as lembranças de uma vida dedicada ao povoado (foto: acervo Higino Fernandes)

Dificuldades

Na comunidade, não existia transporte. Para ir à escola, as crianças precisavam caminhar ou ir a cavalo e não havia merenda escolar. Se alguém ficasse grávida, as parteiras vinham com um mês de antecedência, pois não tinha possibilidade de ir a um hospital. “As pessoas que ficavam doentes eram levadas em redes para Carolina”, conta Antônia Costa Santiago, de 79 anos. Quando isso não era possível, recorriam aos chamados “remédios do mato”. A família dela criava porcos e produzia farinha para o sustento.

Naquela época, não existia energia elétrica, que só chegou por volta de 1989, sendo ligada efetivamente em 1992. A maior dificuldade, no entanto, foi a água. Sem nascente permanente, foram necessárias quatro tentativas para cavar um poço. Na terceira, encontraram o líquido, mas ele era salgado e imprópria para consumo, por causa de uma camada de calcário a partir dos 50 metros de profundidade. Somente na quarta escavação conseguiram.

O posto de saúde só foi construído entre 2005 e 2009. Até então, os moradores ainda precisavam se deslocar para Carolina para receber atendimento médico.

Antônia Costa Santiago dedica os seus dias a cuidar da casa e preservar o cotidiano simples típico do povoado (foto: acervo Antônia Costa)

Memórias

“Eu catava coco e comia, era longe e ficava com fome”, relembra José Lucena da Mota, de 56 anos, ex-professor local. Ele ia de animal até o ponto buscar o pai, que voltava de Carolina com as compras. Às vezes, este não conseguia transporte, e ele precisava voltar novamente no dia seguinte. Conta que andava a pé até outra comunidade apenas para jogar bola. Na época em que estudava, os professores tinham formação apenas até o 4º ano. Adulto, já como professor, certa vez a escola desabou sobre ele e os alunos.

A primeira televisão do lugar foi um evento marcante. “Eram cinco assistindo e o resto segurando a antena. Às vezes, desligavam a televisão”, comenta com humor. José conta que ia até a parte de trás do aparelho para ver se havia pessoas lá dentro, pois ficava surpreso.

Professor no povoado, José Lucena é exemplo de quem faz da educação um caminho de transformação (foto: acervo José Lucena)

Cariri

A comunidade tinha poucos moradores e todos eram parentes, até que, em 1983, chegou José Delgado de Jesus, vindo de Codó (MA), conhecido popularmente como “Cariri”. Ele comprou terras, doou algumas e vendeu outras, contribuindo para a expansão do povoado. Além disso, construiu um clube onde promovia festas, aniversários, distribuía presentes em datas comemorativas e exibia filmes em telões para todos assistirem.

Cariri chegou a se candidatar a prefeito, mas não foi eleito. Ainda assim, continuou ajudando quem precisava, sendo considerado até hoje um símbolo de boa vontade e humanidade pelos moradores.

Com história de luta e solidariedade, Cariri é símbolo e representa a memória do povoado São José dos Pereiras (foto: acervo Cariri)

Tradições

No mês de junho, era comum acenderem fogueiras em frente às casas e dançarem ao redor, com outras pessoas que ao final da dança eram considerados seus padrinhos ou madrinhas. Já em dezembro, realizavam a Folia de Reis, percorrendo as casas com cantorias que duravam vários dias.

As famílias também costumavam alugar carros e passar horas às margens de um rio próximo ao povoado, levando comida e bebida e ficando até o anoitecer. Com o tempo, esses costumes foram se perdendo e deixaram de ser praticados.

Mudanças

Hoje, o lugar se desenvolveu bastante. Conta com internet, bares e comércios. A agricultura e a pecuária permanecem ativas. A escola e o posto de saúde ainda carecem de melhor estrutura, mas os moradores reconhecem o avanço.

Ao longo dos anos, o povoado cresceu, e, apesar das dificuldades, os moradores seguem com fé e esperança de que novas transformações virão. “O povo diz que hoje tá difícil, mas tá é fácil”, destaca Antônia.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.