Moradores relatam as lutas e conquistas que moldaram a comunidade
Leticia Nascimento
Fundado entre os anos de 1986 e 1987, com o fomento da Caixa Econômica Federal, que sorteava os nomes dos moradores para ganhar suas casas, o Conjunto Nova Vitória I e II em Imperatriz, Maranhão, surgiu da necessidade de habitação e do crescimento urbano. O bairro, assim como outras áreas da cidade, tem sido impactado pelo avanço dessa urbanização.
Há registros de como a região se transformou ao longo dos anos, com obras da prefeitura adentrando áreas que antes eram rurais. Essa expansão traz consigo desafios relacionados à sustentabilidade ambiental e à regularização fundiária, questões que são pautas importantes para os moradores e a gestão municipal.

Conjunto Vitória 1
Moradora do Conjunto Vitória 1 desde sua fundação, em 1988, Carlinda Lúcia Noleto Chaves acompanha há mais de 35 anos o crescimento e as transformações do bairro. Com orgulho, ela conta como conquistou sua casa. “Cheguei bem no início. Eu mesma fui lá, meti a mão no saco do sorteio”, relembrou, referindo-se ao processo de distribuição das residências, construídas pela Companhia de Habitação Popular (Cohab). Segundo ela, as moradias foram destinadas a servidores públicos federais e estaduais. Carlinda considera uma sorte o pai ter sido contemplado com uma casa.
Quando questionada sobre a história da associação de moradores, ela se emociona ao lembrar do pai. “Foi papai o primeiro presidente”, diz com honra. Seu nome era José Ferreira Chaves Silva, figura que teve grande participação nas primeiras mobilizações do bairro.
Entre as grandes conquistas da comunidade, dona Carlinda destaca a construção da creche Baby Júnior, localizada na avenida principal. Segundo ela, tudo começou com sua mãe, Osmarina Noleto Chaves e um grupo de mulheres da região, que, junto com outros moradores, fundaram a creche. A instituição era mantida pela própria população até ser municipalizada durante a gestão do então prefeito Ildon Marques de Souza. Durante a entrevista, Carlinda também mencionou o movimento “Produzir para Libertar”, embora não entre em detalhes por conta de falhas de memória causadas por problemas de saúde.
Outro ponto importante em sua história é sua casa, que ficou conhecida como “o casarão”, por ter sido ponto de distribuição de leite durante a gestão de Roseana Sarney. Segundo ela, o programa, implantado em 1995, foi uma iniciativa da então governadora, na gestão do presidente José Sarney. Carlinda conserva uma lembrança visível da época. A parede ainda tem o aviso da distribuição de leite, mas, como pintaram por cima, não é possível perceber direito.

Na mesma época, sua mãe também participou da criação da feira do bairro, junto com outros moradores. O projeto tinha até um local definido, mas não avançou devido à ocupação do espaço por novos moradores, que passaram a construir casas e comércios.
Dona Carlinda também recorda as primeiras melhorias estruturais do bairro, como o asfaltamento realizado no mandato do deputado Davi Alves Silva, entre 1989 e 1992. Outro marco importante foi a retirada de um lixão que incomodava a todos por conta do mau cheiro e da presença constante de moscas e ratos. Ela destaca o alívio sentido pela comunidade quando foi transferido para a Estrada do Arroz, ação realizada na gestão de Ildon Marques de Souza (1995 a 1996).

Em tom descontraído, ela compartilha uma lembrança curiosa envolvendo o deputado Davi: “O Davi vinha sempre tomar café aqui em casa. Um certo dia, ele disse que ia trazer um grupo de repórteres da Mirante e eu não acreditei. Quando foi no outro dia, ele realmente trouxe! Foi uma correria só porque eu não tinha preparado nada”, contou, rindo.

Conjunto Vitória II
Aos 72 anos, Valdete Pereira da Costa Araújo, a Dona Val, continua a ser a memória viva de seu bairro em Imperatriz. Seus 34 anos de moradia, iniciados em 1991, revelam uma saga de mudanças, marcada tanto por conquistas que trouxeram tranquilidade, quanto por desafios de infraestrutura que ainda teimam em persistir.
Questionada sobre o processo de urbanização, Dona Val compartilha as particularidades das construções. Ela explica que o lado da rua onde reside hoje foi edificado com financiamento da Caixa Econômica Federal, enquanto o lado oposto, que antes era “só mato” – uma frase que repete diversas vezes para ilustrar a paisagem inicial –, teve suas casas erguidas pelos próprios moradores.
Ela optou pela residência construída pela Caixa, pois apesar da distância, vivia de aluguel e a atmosfera de paz que o bairro oferecia fez ela e seu falecido marido optarem pela comunidade. Com um tom divertido e alegre, ela enfatiza: “Olha, só da gente poder dormir com a mente tranquila, sem medo de ladrão entrar na nossa casa, então aqui é muito bom por conta disso”, relatou dona Val, com sorriso no rosto, sobre o porquê de nunca ter saído do bairro.

A chegada do asfalto ao bairro foi, inicialmente, um motivo de celebração. “Foi um momento feliz e alegre”, relembra Dona Val. Contudo, a alegria logo se transformou em desapontamento. A qualidade do asfalto, que já foi aplicado duas vezes, não atendeu às expectativas. Sua casa continua a ser invadida por poeira, assim como nos tempos em que as ruas eram de pedra, e os buracos se acumulam rapidamente na estação chuvosa. O sentimento que a assola é de total abandono, pois, segundo Val, “passam os meses, o verão chega, mas nada é arrumado.”
Há alguns anos, a comunidade tem recebido obras asfálticas em diferentes períodos. É importante notar que a pavimentação de um bairro geralmente ocorre em etapas, com algumas ruas sendo asfaltadas antes de outras. Em junho de 2019, já havia uma frente de serviços avançando no Conjunto Vitoria com recuperação de algumas ruas e preparação para asfaltar outras vias. Mais recentemente, em setembro de 2022, equipes da prefeitura atuaram na recuperação de avenidas e ruas no Grande Conjunto Vitória.
Isso indica que o asfaltamento não ocorreu em uma única data, mas sim em um processo contínuo de melhorias e obras ao longo dos últimos anos. Com muitas ruas recebendo asfalto, após mais de 30 anos de espera, os moradores do Conjunto receberam mais conforto e segurança dentro do bairro.
Apesar das significativas transformações, Dona Val acredita que o bairro ainda tem um longo caminho a percorrer em termos de infraestrutura. “Faltam muitas coisas para, de fato, ser um bairro completo”, pontua. Ela aponta a ausência de uma lotérica e de um supermercado com maior variedade de produtos, o que é especialmente relevante considerando o tamanho do bairro e a proximidade com outras três comunidades e o acesso a Divinópolis.
Outra queixa recorrente é o transporte público, que Dona Val descreve como “bem precário”. A falta de ônibus é constante, forçando os moradores a acordar mais cedo e, muitas vezes, a correr o risco de assaltos. Ela também recorda que, quando chegou, a presença de indígenas era maior, e o ambiente era “frio e calmo”, lembrando muito o interior.

Luta e dedicação
Elizabeth Rodrigues Lima, mais conhecida como Beth, tem 50 anos e há três décadas reside no Conjunto Vitória, onde atua há quase dez anos como presidente da Associação de Moradores. Com uma trajetória marcada por lutas, histórias e superações, Beth é um símbolo de resistência e cuidado com a comunidade.
A liderança de Beth teve início em 2015, quando foi eleita presidente da associação, após vencer uma eleição comunitária, na qual concorreu com outro candidato. Com mais de 700 votos, ela se tornou a representante da comunidade. Questionada sobre o que a motivou a se candidatar, Beth responde com sensibilidade: “Foi o desejo de trazer estudos e cursos para a comunidade. Muitas vezes eu me inscrevia em cursos do Senac e desistia por conta da distância”.
Beth reforça que o carro-chefe de sua gestão sempre foi a promoção de cursos e ações sociais dentro do bairro. Ela relembra com carinho o primeiro projeto promovido pela associação sob sua liderança: o plantio de árvores com crianças ao redor da quadra.

Ao abordar os desafios enfrentados pela comunidade, Beth não hesita em apontar a falta de infraestrutura e o descaso do poder público. Ela critica, por exemplo, a precariedade do transporte público que atende o Conjunto Vitória. A presidente destaca, ainda, que os diretores da associação não recebem nenhum tipo de remuneração ou apoio institucional: “Tudo que foi conquistado até hoje, como o prédio das reuniões e até mesmo o pagamento das contas de luz, veio por meio de doações dos próprios moradores”.
Em suas memórias, Beth se emociona ao relembrar José Ferreira Chaves Filho, o primeiro presidente da associação, conhecido na comunidade como “seu Chaves”. Com voz embargada, ela recorda uma frase que ouviu dele e que carrega como lema: “Por mais que esse cargo não dê lucros, pode ter certeza que sua história como ser humano será escrita”. Apesar das dificuldades, Beth comemora conquistas importantes, como a construção de um poço artesiano que hoje abastece a comunidade e a tão sonhada pavimentação asfáltica.
Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.