Futebol e amizade marcam a trajetória do Galo da Madrugada

Há 20 anos o grupo movimenta as manhãs de Açailândia com as partidas e espírito coletivo

Thamires Morais

Enquanto a cidade ainda desperta, um grupo já movimenta a quadra com passes, risadas e tradição. Em Açailândia, o Galo da Madrugada reúne, há 20 anos, amigos que se encontram nas primeiras horas do dia para jogar bola de maneira informal, sem competição nem estrutura profissional. Apaixonados pelo futebol que trocaram a cama pelas quadras nas primeiras horas do dia. Não jogam por títulos, mas por saúde, amizade e o prazer de começar a manhã fazendo o que amam.

Formado por um grupo pequeno de amigos, o time foi ganhando força com o passar do tempo. O nome nasceu pelo horário em que as partidas acontecem, sempre com o início entre cinco e seis horas da manhã. “Cinco horas é o horário dos galos cantarem, procuramos um nome que agregasse a isso, então ficou Galo da Madrugada”, explica um dos fundadores do grupo, Luciano José dos Santos, mais conhecido como Lula.

Mesmo sem arquibancada cheia, o Galo tem tudo o que um verdadeiro time precisa: regularidade, respeito mútuo e muitas histórias para contar. Ao longo de duas décadas, o grupo superou ausências, lesões, mudanças de rotina e até pandemia, mas nunca abandonou as quadras.

Um dos jogos do Galo da Madrugada, que são às seis da manhã, e acontecem em Açailândia, na quadra da Sedel (foto: acervo pessoal)

Apesar do cansaço da semana e das obrigações do dia a dia, os integrantes encontram no campo não só um momento de lazer, mas um espaço de cuidado com a saúde física e mental. Muitos relatam melhorias no condicionamento e no humor.

Além disso, o Galo da Madrugada tem papel social importante: integra diferentes gerações, estimula a disciplina e reforça vínculos comunitários. Há quem leve o filho para ver o pai jogar. Outros, começaram ali por convite de um colega de trabalho e nunca mais saíram. Hoje, o grupo não pensa em parar. Se depender da vontade dos jogadores, o Galo continuará cantando pelas manhãs de Açailândia por muitos anos ainda.

Origem e história

O time teve seu início por volta de 2003 e se fortaleceu a partir de 2005. Luciano é professor e com 56 anos, hoje, é o jogador mais velho do Galo, além de ser um dos integrantes que deu início à equipe. Ele conta que a origem se deu por um pequeno grupo de seus amigos que passou a se reunir na quadra da Praça da Bíblia, de terça a sábado, para jogar futebol. “Foram Joel e Calson, conhecidos como ‘os donos da bola’, os primeiros a levarem a bola para a gente jogar”.

Ele revela que esse horário de cinco da manhã não era do Galo a princípio. No domingo outras pessoas jogavam na quadra, mas uma delas comparecia bem cedo. “Ele era de responsabilidade de um vigia que trabalhava no banco do Bradesco e nós chegávamos e jogávamos junto com ele”. Então, após a saída dele, o time adotou de vez o horário madrugador.

Luciano declara que, no início, não imaginavam que a brincadeira entre seus amigos tomaria a proporção que teve e nem que durasse tantos anos. Ele destaca a presença muito marcante de um senhor chamado Raí, ainda nos primeiros anos do time, que passava em frente à quadra quando estava voltando de sua roça e parava para brincar um pouco com os jogadores. “Ele era a graça do horário, porque ele vinha de calça, às vezes de bota, parava aqui, dava aquela jogadinha e ia embora”.

Galo na quadra da Praça da Bíblia, onde se iniciaram os primeiros jogos, ao fim de mais uma manhã jogando futebol em grupo (foto: acervo pessoal)

Quando chegava o período chuvoso, a quadra da praça alagava, pois não possui cobertura. “Nós andávamos com um rodo dentro do carro, com pano, às vezes não jogávamos porque chovia”, comenta. Foi então que surgiu a ideia de mudar os jogos para a única quadra coberta da cidade na época, chamada Sedel. O próprio Luciano fez o ofício para ter a autorização de jogar na quadra, e, assim, sendo os primeiros do dia a chegarem.

O jogador lembra que o time era bem limitado por conta horário, mas quando os jogos ainda aconteciam às cinco da manhã facilitava muito para quem trabalhava ou estudava. “Então a ideia era criar esse momento pra gente jogar, porque todos já tinham uma certa responsabilidade”. Ele também pontua o fato de o grupo ser bem agregador e não seletivo, pois o Galo não leva em conta o nível futebolístico da pessoa.

Com o passar do tempo, a falta de organização levou o grupo a enfrentar uma baixa considerável de jogadores ativos, o que quase determinou o término do time. A necessidade de uma organização era fundamental para o funcionamento do Galo. Então uma diretoria foi criada, sempre ativa e coordenando tudo, o que reanimou o grupo e passou a renovar cada vez mais a estrutura e o desempenho. “Essa renovação dá a ideia de que o grupo vai perpetuar mais anos”, afirma Luciano.

Desde a formação do time até hoje, Luciano sempre esteve presente nos jogos. “Eu gosto do esporte e gosto da turma, e a gente conversa, brinca faz resenha de igual pra igual”. Tanto os membros mais novos quanto os mais velhos possuem uma relação de respeito, uma qualidade marcante do grupo.

Rotinas e perfil

A rotina do Galo da Madrugada pode até parecer despretensiosa, mas é levada a sério por quem faz parte. Os jogos acontecem de terça a domingo, agora, às 6h da manhã. Segundo o atual diretor, Ronebes Carneiro dos Santos, para garantir que tenha jogador suficiente no dia, na véspera a famosa lista é aberta no grupo do Whatsapp do time, e então qualquer integrante pode fazer e adicionar os nomes que confirmam presença. “Deu 12 caras vai ter jogo, deu 10 caras vai ter o jogo”, acrescenta o diretor.

Quem coloca o nome e não aparece sem apresentar uma justificativa, tem que pagar uma multa de R$ 10, sem choro nem desculpa. Regras como essa mantêm a disciplina e o respeito entre os participantes, além de garantir que ninguém fique esperando com o colete na mão. Se alguém se atrasa, é comum ouvir piadinhas e provocações, mas tudo na base da zoeira saudável que alimenta a convivência do grupo.

Os jogos nem sempre acontecem no mesmo lugar, mas a quadra da Sedel costuma ser o “ponto de encontro oficial”. E é ali que os times são formados, geralmente por dois métodos. O primeiro acontece antes mesmo de os jogadores chegarem ao local: por meio de um aplicativo no celular, os atletas são avaliados com uma pontuação que vai de 1 a 5 estrelas, com base no desempenho. A divisão é feita buscando sempre o equilíbrio entre as equipes, para que ninguém entre em campo com vantagem clara.

Quando o app não é usado, entra em cena a segunda opção: os famosos “cabeças de chave” – geralmente os menos habilidosos (segundo eles mesmos) – que ficam responsáveis por montar as equipes na hora, com base na percepção do grupo. A escolha, que mistura estratégia e bom humor, rende risadas e provocações antes mesmo do apito inicial. Além disso, os jogadores contribuem com uma mensalidade simbólica de R$ 10, usada para cobrir pequenos custos e manter a organização funcionando.

Momentos do time ao fim de várias manhãs ao longo dos anos, com seus participantes antigos e novos e com vários uniformes (fotos: acervo pessoal)

No grupo de Whatsapp, apesar da descontração, existem regras claras: é proibido o envio de conteúdos pornográficos e desrespeitosos. A ideia é manter um ambiente saudável, no qual o futebol seja o ponto de encontro, mas o respeito entre os integrantes esteja sempre em primeiro lugar. Essas e outras regras e regulamentos são debatidos no espaço virtual, com votos de todos. “Eles também têm voz pra decidir, não e só a presidência, eles que dão o aval”, observa Ronebes.

Apesar da informalidade, o Galo da Madrugada leva o respeito muito a sério, especialmente dentro de quadra. Quem apita os jogos não é um árbitro profissional, mas sim um dos próprios jogadores, escolhido entre os presentes. E a regra é clara: o juiz, mesmo que erre, deve ser obedecido. “Até o profissional erra, imagina quem não é. Então o atleta tem que respeitar a decisão do juiz”, ressalta o diretor.  Caso contrário, o desobediente pode ir direto para a “sanção”, uma punição aplicada a quem desrespeita as normas. Em situações mais delicadas, é feito um levantamento com os envolvidos para não haver injustiça. O grupo preza pela disciplina, e quem não observa as regras sente no bolso.

As rivalidades, claro, também existem. Uma delas são as disputas nas quais se aposta uma Coca-Cola, então se alguém quiser apostar, monta dois times e quem perder paga para todos. “Saímos do jogo e já vamos para um local que vende lanche pra tomar a Coca e quem tá ali vai pra essa resenha pós-jogo”, relata Ronebes. Outras rivalidades são duelos pessoais, com direito a disputas no estilo “x1”, em que dois jogadores tiram cinco minutos para disputar entre si, com provocações durante e depois do jogo. Mas tudo termina com aperto de mão, piada no grupo e convite para a próxima.

Após o jogo, os integrantes presentes na partida se reúnem nas lanchonetes próximas para consumir a Coca-Cola que foi apostada (foto: acervo pessoal)

O perfil dos jogadores é o mais diverso possível: há empregados do comércio, mecânicos, cabeleireiros, autônomos, professores, desempregados e aposentados. O próprio Ronebes é psicólogo e há até alguns que levam filhos, sobrinhos ou amigos para participar. É esse encontro de realidades que dá ao Galo da Madrugada uma identidade única, democrática, acolhedora e intergeracional.

E como toda boa irmandade, o Galo tem também sua tradição fora das quadras, que é a “resenha anual”. Os integrantes se reúnem e levam suas famílias em uma área de lazer, com piscina, sinuca e almoço, para bate-papos, beber, rir das histórias do ano e, claro, fortalecer os laços de amizade. O ambiente é familiar, descontraído e já faz parte do calendário do grupo.

Jogadores e família no almoço da Resenha Anual do Galo da Madrugada, uma confraternização realizada em um espaço de lazer (fotos: acervo pessoal)

Motivação, Saúde e Amizade

No Galo da Madrugada, o futebol vai muito além da bola rolando. Para muitos dos integrantes, o grupo representa saúde física, alívio emocional, rede de apoio e uma rotina que dá sentido aos dias. Jogar a partir das 6h da manhã, como fazem de terça a domingo, é mais do que um hábito, é uma escolha de vida.

Heron Ferreira de Castro é um dos que testemunham essa prática com propriedade. Técnico metalúrgico e integrante do grupo desde 2008, ele chegou ao Galo por meio de um amigo e, desde então, nunca mais saiu, além de o horário dos jogos ter se encaixado bem na sua rotina. “Pra mim é tranquilo, porque eu gosto de jogar futebol, tá no meu sangue e, também, como eu trabalho por escala, às vezes eu passo a noite trabalhando. Então, pra mim, ficou muito bom”, diz. Na sua opinião, jogar pela manhã não só melhora o desempenho no trabalho, como ajuda a manter a saúde em dia. “É o momento que o corpo tá despertando, então quando começa a praticar um exercício logo cedo você tem um pique pelo resto do dia. E qualquer esporte, não só o futebol, faz o corpo a ficar estável e você controla tudo que há de errado.”

Aos 49 anos, Heron já levou o filho para jogar no grupo e planeja seguir no Galo pelo menos até os 60. Mais do que jogador, ele foi um dos responsáveis por propor a criação de uma diretoria para organizar melhor as atividades e chegou a integrar a comissão por um período. Também participou de campeonatos com o grupo, como a tradicional liga de futsal da cidade e campeonatos como o Master45. Na liga, são divididos times de primeira até a terceira divisão. “Quando disputamos a terceira divisão o objetivo não era ganhar, era subir nosso time para a segunda divisão. Fizemos dois times, mas só um conseguiu, e foi muito gratificante”, relembra.

Os times que foram formados do Galo que disputaram os campeonatos Master45 e a liga de futsal de Açailândia (foto: acervo pessoal)

A preocupação com a saúde também é um elo comum entre os participantes. Muitos relatam melhorias em quadros de estresse, controle de pressão arterial e até combate à ansiedade. O futebol matinal funciona como terapia em movimento. “A gente aprende muitas coisas. Às vezes algumas pessoas têm problemas em casa e quando chegam lá se abre com a gente, conversamos com elas, algumas mudam de vida”, comenta Heron.

Mais do que um time, o Galo da Madrugada se consolidou como uma verdadeira rede de apoio. O grupo já organizou campanhas de doação de cestas básicas para comunidades carentes da região, especialmente no Natal. E quando algum integrante enfrenta um momento difícil, é comum que os demais se mobilizem, oferecendo ajuda, apoio ou simplesmente presença.

Cestas básicas montadas pelos integrantes do galo para serem distribuídas para a comunidade carente da região no Natal (foto: acervo pessoal)

E o futuro? Para Heron, o Galo ainda tem muito chão pela frente. “Como eu entrei cedo eu vejo como foi o passar dele, ele não vai morrer tão cedo, porque sempre tá entrando jogadores novos. Os filhos dos veteranos estão participando e esses vão levar o horário pela frente”, enfatiza com confiança. Entre corridas, risos e conselhos dados sob o nascer do sol, o Galo da Madrugada segue firme, provando que a paixão pelo futebol pode, sim, caminhar lado a lado com saúde, amizade e longevidade.

Esta matéria faz parte do projeto da disciplina de Redação Jornalística do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz, desenvolvido em parceria com a disciplina Laboratório de Produção de Texto I (LPT), chamado “Meu canto tem histórias”. Os alunos e alunas foram incentivados a procurar ideias para matérias jornalísticas em seus próprios bairros, em Imperatriz, ou cidades de origem. Essa é a primeira publicação oficial e individual de todas, todos e todes.