Texto e fotos: Ana Maria Nascimento
Um cheirinho de horta e terra molhada com o vento tranquilo da manhã. Pessoas aos poucos vão chegando e conversando.
– Quanto tá o tomate?
– 5 conto. Faço tomate e cebola pra senhora por 10.
A cliente entrega uma nota de R$ 50 e o comerciante corre em outra barraca para ver se alguém tem trocado.
Essa é uma das cenas mais comuns na feira da Praça de Fátima, que acontece todas as manhãs de quartas e sábados. Localizada no centro comercial de Imperatriz, esta praça é um dos marcos mais importantes para os imperatrizenses, já que grandes manifestações de visibilidade na cidade são promovidas lá. Porém, também é destaque porque sedia a feira de pequenos agricultores da região. Um projeto que surgiu para incentivar a agricultura familiar e hoje é um espaço de conexões entre a comunidade.
“Eu acho essa comunidade perfeita. É bem particular para mim, porque facilita a vida das pessoas de ter que ir lá no Mercadinho fazer suas compras, tendo essa belezura aqui. Eu gosto demais”, afirma Francinalva Coelho, 55 anos, que frequenta o local desde o início.
A feira na Praça de Fátima começou há cerca de 15 anos, a partir das parcerias de empresas como Sebrae, Facimp e a Associação Comercial e Industrial de Imperatriz (ACII). O objetivo inicial era mostrar para a sociedade os insumos oriundos da zona rural, produzidos por agricultores familiares. A organização e os produtores agrícolas gostaram tanto da recepção do público que deram um passo a mais.
“Aí, da apresentação, foi que eles se juntaram e conversaram com o povo da Prefeitura de Imperatriz. Eles aceitaram a gente a formalizar a feira aqui”, conta Antônia Cláudia Lima, 40 anos, agricultora familiar. Atualmente, a feira conta com mais de 10 pracistas que comercializam verduras, frutas, legumes, hortaliças, grãos e uma extensa variedade de outras mercadorias.
O responsável pela Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Produção (SEAAP), Raimundo Roma, informa que a assistência da Prefeitura começa na etapa de prestações de serviços em que os produtores da Agricultura Familiar buscam ajuda. “Prestamos auxílio técnico no trato do solo, na preparação para o cultivo e até mesmo na hora de colher, cedendo maquinário para aqueles que solicitam”, explica.
Coronavírus
Com o abalo da pandemia da Covid-19, muitos feirantes cessaram as suas atividades, mas alguns não pararam, como é o exemplo de Ananias Severo da Silva. “Eu continuei. Muita gente não veio. Aqui foi pingado, a maioria das pessoas ficou em casa, porque tem muita gente idosa de 70 anos que faz feira aqui. Nessa faixa etária aí não veio”.
Para a feirante Antônia Cláudia foi um momento de muito medo, só que algo a motivou a voltar. “Eu passei até umas duas feiras sem vim no início da pandemia, mas aí depois meus clientes ligando: ‘Cláudia, no momento que a gente mais precisa de você, você vai nos abandonar?’. Aí eu digo: ‘Não, eu preciso voltar’. Aí eu voltei e desde então, às vezes ainda tem até pessoas que me ligam e pedem entrega. Aquelas senhoras que não podiam vir pra feira, eu mandava entregar pra elas”. Ela se locomovia de carro do bairro em que mora, Parque Alvorada II, e ia às residências das clientes que tinham receio de sair de suas casas para realizar as entregas das senhoras.
Os pequenos agricultores alegam que, durante a pandemia, a Prefeitura não prestou nenhum tipo de apoio a eles, gerando uma frustração para a comunidade. Essas pessoas acabaram perdendo a sua fonte de renda. Quando procurada, a Secretaria de Agricultura respondeu que o Governo Federal, por meio da SEAAP em Imperatriz, lançou o Programa Alimenta Brasil (PAB). Esta iniciativa representou a aquisição direta dos insumos da Agricultura Familiar, fornecendo uma renda com aquilo que os feirantes produzem em suas terras.
Alguns comerciantes ponderam questões positivas e negativas com a volta do movimento do comércio. “Tá sendo ótimo. Só que não tá muito bom, porque a gente vê que o pessoal tá sem dinheiro. É por isso que se torna mais fraco as feiras e a convivência”, declara Máximo Dionísio da Silva, 72 anos. Após dois anos sem vender os seus produtos na feira, o comerciante está sentindo as consequências da pandemia e do aumento dos preços dos insumos.
Para a feirante Fátima de Jesus, 63 anos, a situação não é muito diferente. Ela frisa que, como os preços estão elevados, os consumidores acabam não comprando verduras ou frutas. Então, a solução foi negociar com o comprador.
“É, a gente que é mãe de família, sabe a dificuldade. Aí falam: ‘Fulano, meu dinheiro só dá pra comprar isso’, pois leva. Não vai ficar sem levar não. É dois reais o cheiro verde, a gente vai e divide. Divide um pacote de limão e divide um pacotinho de feijão”, comenta a comerciante Fátima.
Há muitos questionamentos a respeito da diferença entre comprar em supermercados e feiras orgânicas, já que ambos oferecem quase os mesmos produtos. Uma pesquisa feita pelo Instituto Kairós, que desenvolve projetos em companhia com outras entidades para garantir o crescimento da agroecologia e a segurança da alimentação saudável, apontou que é mais acessível comprar alimentos orgânicos em feiras e em Grupos de Consumo Responsável (GCR) do que supermercados. Isso porque os insumos ficam mais baratos à medida que são reconhecidos pela população. Então, quanto mais compradores, mais econômico.
As feiras, ao contrário dos supermercados, conseguem flexibilizar o volume de produção do agricultor familiar, o que colabora para o reconhecimento do público e ainda fortalece o trabalho destas pessoas, algo que o supermercado não faz. “O supermercado é três, quatro dias para eles trocarem de mercadoria, e na feira não. É diário, é todo dia mercadoria nova”, informa a vendedora Antônia Cláudia Lima.
Desorganização
Observando o local em que ocorre a feira, se vê um contingente de vendedores com as mais diversas mercadorias, desde a venda de insumos orgânicos até o brechó, localizados no mesmo ambiente. É um consenso entre os entrevistados que a falta de organização do lugar é o que mais chama atenção. Sebastião Francisco Nunes, 63 anos, trabalha há mais de quatro na feira orgânica e desabafa: “Aqui é uma praça central, de referência. Então uma pessoa de fora e não conhece, vai dizer: ‘Meu Deus, que bagunça é essa?’. Porque não tá organizado. Uma organização seria muito bom”.
Elizabeth de Lima, 43 anos, não discorda do pensamento do feirante. “Eu acho que a Prefeitura poderia fazer umas barraquinhas mais arrumadinhas. Vai dar mais conforto para eles e pro público, algo mais bonito”, ressalta. O parecer da Secretaria de Agricultura sobre essa questão é que existem os agentes de Limpeza Pública, que prezam por manter o ambiente limpo e organizado. “Mas é importante que o Município conte com a colaboração dos feirantes e também dos consumidores para que o espaço seja mantido organizado e mantenha-se uma alternativa atrativa para a população”, destaca o secretário Raimundo Roma.
Os espaços em que há feiras necessitam de uma divulgação para que a população saiba onde encontrar mercadorias acessíveis, sem o uso de agrotóxicos e com alimentos frescos. Porém, não há ações de incentivo deste quesito para os comerciantes da feira orgânica da Praça de Fátima. “Acho que os feirantes deveriam ter um ponto de contato mais próximo com a sociedade. Tipo, ter uma página no Instagram para dar informações, se vai ter a feira, se não vai ter. Ter uma organização geral para mostrar os produtos para a cidade”, sugere Leonardo da Silva, 45 anos, que sempre faz suas comprinhas na feira com o objetivo de fortalecer o circuito, ajudar a economia local e também incentivar os agricultores.
A feira ao ar livre, além de um espaço de comercialização, é também um local de interações, amizades e trocas de conhecimento, estreitando o vínculo entre produtores e consumidores. Um ambiente humano e de grande valor para os compradores, que não abrem mão de retornar à feira sempre que possível para garantir as compras da semana. Para a consumidora assídua, Rosilene Vasconcelos, 54 anos, a feira foi “a melhor coisa que teve para quem mora aqui no Centro. Tudo isso ficou melhor para a população daqui ao redor”. Apesar da organização continuar não agradando, o que motiva Rosilene a voltar sempre à feirinha são os preços dos alimentos e o carinho que recebe dos comerciantes.
A agricultora Antônia Cláudia Lima expressa muito bem o sentimento de orgulho do seu trabalho e de tudo que conquistou. O que começou como um simples projeto agora é uma oportunidade até mesmo de cultivar amizades, que ela conquistou durante todos esses anos trabalhando na praça. “Na verdade, a feira pra mim é o meu tudo, porque é daqui que eu tiro meus pães. Não consigo nem imaginar eu sem vender aqui nessa feira”, enfatiza.
Para os comerciantes interessados em iniciar a distribuição de suas mercadorias na Praça de Fátima primeiro é preciso procurar a Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Produção, na avenida Babaçulândia, 553, esquina com Tancredo Neves, Vila Lobão. Assim, a solicitação será avaliada e se for aprovada, o cadastramento será criado.
- Esta matéria faz parte do projeto “Meu canto também é notícia”, desenvolvido com os estudantes do 1º semestre do curso de Jornalismo da UFMA de Imperatriz (MA). Eles e elas foram estimulados a procurar histórias no entorno onde vivem.