Falta de educação sexual eleva número de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) em Imperatriz

Texto: Lyandra Gomes e Sthefany Gomes

De acordo com os dados epidemiológicos coletados pelo Programa Municipal de Imperatriz, de 1985 a abril de 2022 foram notificados mil casos de AIDS em homens e 595 em mulheres. Outro dado revela que, de 2014 a abril deste ano, registrou-se 1.317 casos de HIV em Imperatriz e região, sendo 804 do sexo masculino e 513 feminino. Já a sífilis, em adultos, representa um total de 2.063 casos de residentes no munícipio.

O Programa Municipal de IST/HIV/AIDS, fundado em 1985 em Imperatriz, foi criado para atender doenças infectocontagiosas provocadas pelo contato com alguma substância humana que possa provocar contaminação, como sangue, relação sexual, secreção ou saliva. Está localizado na rua Projetada G, 70-164, Bacuri, e, atualmente, atende mais de 4,5 mil pessoas na cidade e região.

Apontada como uma das principais causas, a falta de informação tem afetado de forma direta a vida de adolescentes. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2009 a 2019 o percentual de pessoas entre 13 e 17 anos que usaram preservativo na última relação sexual decaiu de 72,5% para 59%. Entre as meninas, a redução foi de 69,1% para 53,5% e no caso dos homens, foi registrada uma queda de 74,1% para 62,8%.

“Infelizmente, no mundo de hoje, ainda recebemos pessoas com diagnóstico tardio”, explica a enfermeira de um posto de saúde CAPS III, em Imperatriz e professora do curso de Medicina da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Claudia Arrais. Para ela, que trabalha na unidade desde 2006, tem sido preocupante a velocidade do aumento de infectados. Só em uma semana de julho de 2022 foram registrados 11 novos casos de HIV no complexo.

Claudia também alerta para falta de incentivos governamentais, que, segundo ela, tem contribuído para o acréscimo desse número. “Já estamos há dois meses sem lubrificante em gel, uma das nossas principais ferramentas para prevenir as IST’s”. A profissional explica que este produto tem papel fundamental na prevenção, pois ele faz com que diminua o atrito da camisinha na hora da relação sexual ou até mesmo em coletas laboratoriais.

“Eu acho que a desinformação ainda é um grande problema”, reforça Claudia. A carência financeira implica também na hora da comunicação entre profissionais da saúde e a população. Impede que façam campanhas pedagógicas com direcionamentos para as pessoas e inviabiliza a confecção de panfletos informativos, cooperando ainda mais para a falta de informação. “A partir do momento que uma gestão não prioriza investir em informação para que as pessoas se empoderem ao ponto de saberem conduzir-se melhor em relação às suas prevenções, mostra, sim, uma deficiência”, avalia a professora.

A profissional de saúde ressaltou, ainda, que essa elevação se evidenciou com maior vigor após a flexibilização do isolamento social referente à Covid-19 . “Notei que depois da pandemia a gente viu acréscimo nos números, não necessariamente vinculados ao Covid, mas, após ela surgiu esse amontoado de casos”, afirmou a funcionária do hospital.

Encaminhamentos

A enfermeira e coordenadora do programa há quatro anos, Gisele Vieira, explica que o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) representa o início de todo processo. “Quando dá entrada no CTA e preenche uma ficha de atendimento, essa pessoa vai passar pelo aconselhamento, pegar todas as informações do que fez ela chegar até aqui, se foi provocado por relação sexual ou contaminação”. Logo após, como explica Gisele, o paciente segue para a sala de teste, onde realiza quatro marcadores: HIV, sífilis e hepatite B e C. Os testes são disponibilizados pelo Ministério da Saúde.

Programa municipal atende mais de 4,5 mil pessoas

Os resultados ficam prontos em 40 minutos. Se derem negativo, a pessoa irá receber todas as orientações para não precisar voltar. Caso seja positivo para HIV, ela permanece no local para iniciar o tratamento e ser encaminhada para o SAE (Serviço de Assistência Especializada). Lá será aberto o primeiro prontuário, feita a checagem e os agendamentos dos exames Carga Viral, CD4 e CD8, para saber o nível de contaminação. Essa informação é importante, pois definirá quais medicamentos serão usados. Após todos esses processos, o paciente segue para a primeira consulta de enfermagem e agenda outra com o médico infectologista. A cada seis meses é preciso fazer Carga Viral, CD4 e uma nova consulta com o médico.

Diagnóstico

Produtor de conteúdo para influenciadores e marcas, João Vitor, 23 anos, natural de Imperatriz, vive com o vírus do HIV há quatro anos. “Comecei a me sentir muito mal em janeiro de 2018. Eu tinha um relacionamento com um estudante de medicina que estava no último ano do internato. Em abril, senti os sintomas piorarem, tinha febre constante, vômitos, muita diarreia e passei a perder peso sem parar, perdi mais de 26 quilos”, relata.

João conta que ficou de janeiro a abril com o vírus circulando em seu corpo, sem fazer qualquer exame, até que, em seu aniversário, ele o namorado chegaram à conclusão de que deviam se cuidar mais e resolveram realizar o teste rápido em São Paulo, onde moravam na época. “O teste rápido já constatou que eu estava com o vírus HIV. Mas como sempre há chance de erro, mesmo que seja mínima, no dia seguinte procuramos um centro de referência de IST’s e fiz um exame mais aprofundado. O meu deu positivo novamente e o dele negativo”. Na entrega do resultado, ele frisa que houve uma grande rede de apoio dos profissionais, que explicaram como proceder e a diferença entre HIV e AIDS.

João Vitor: “Vamos cuidar do nosso patrimônio que é o nosso corpo”

“Passei dois dias chorando sem parar, sem sair de casa, sem ir ao cursinho e ver meus amigos. Então minha mãe, mesmo de longe, perguntou o que tava acontecendo. Eu disse: mãe, tenho HIV, com AIDS. Porque até então, mesmo que tivessem explicado pra mim a diferença, eu só conseguia pensar que ia morrer logo”, relembra.

HIV é o vírus que ataca o sistema imunológico, deixando o organismo sem defesa para outras infecções, assim, provocando a imunodeficiência humana. Ele destrói o linfócito T-CD4+, uma célula de defesa produzida pelo timo, glândula localizada no tórax. Se o vírus não for diagnosticado a tempo e já estiver em estágio avançado, o sujeito fica cada vez mais debilitado, devido ao enfraquecimento do sistema imunológico, que não consegue impedir as doenças oportunistas. Quando isso acontece é que a pessoa acaba desenvolvendo AIDS.

No dia seguinte, toda sua família viajou para encontrá-lo, conversaram novamente e procuraram ajuda profissional. João explica que como estava muito fraco, depressivo e com a imunidade extremamente baixa, precisou ser atendido em casa. Logo após iniciar o tratamento, se sentiu seguro para comunicar ao restante dos familiares. “Eu e meus país fizemos uma ligação no grupo da família, contamos e graças à Deus tive uma grande rede de proteção por parte deles. Minhas primas, que faziam medicina e enfermagem, conversaram comigo, me explicaram novamente como tudo funcionava e a diferença de cada coisa”.

Tratamento e prevenção

O rapaz recorda que o tratamento em São Paulo era algo muito completo e eficaz. Havia psicólogos disponíveis toda semana, enfermeiros, assistentes sociais e medicamentos em dia. “Imperatriz ainda tem um déficit muito grande. Aqui a gente não é bem assistido. O centro de referência só é aberto até meio-dia, eu já fiquei sem pegar medicação mais de duas vezes, por não conseguir sair a tempo do trabalho. Às vezes eu chegava lá às 11h30 e não tinha mais ninguém. Eles não cumprem a carga horária deles”, reclama. Durante sua adaptação no Complexo de Imperatriz, ele relata que precisou lidar com algumas situações invasivas e constrangedoras. “Quando cheguei aqui, teve muito zumzumzum lá, fofocas e era um ambiente em que eu não me sentia seguro, ainda não me sinto”, conta ele.

João acredita que é preciso trabalhar melhor contra a desinformação.  “Estamos em 2022, a internet é algo que surgiu a nosso favor. Temos grandes influencers que vivem com HIV, que fazem conteúdos de alerta e prevenção. Não é mais uma coisa de outro mundo, é importante se cuidar. No meu ponto de vista, principalmente a comunidade LGBTQIA+, porque nós temos uma tendência maior a ter relações sem proteção, pois somos mais intensos em nossas relações”, alerta.

Mesmo que o índice de HIV seja maior na comunidade heterossexual, com um percentual de 49% dos casos, e de 38% em homossexuais, segundo o CSP (Caderno de Saúde Pública), o cuidado segue sendo algo extremamente importante. “Eu me desleixei muito confiando nas pessoas e fazendo o básico pela minha saúde. Hoje eu entendo que ela tem que ser uma prioridade pela minha condição especial de viver, apesar de não haver limites pra quem tem o vírus. Porque a Aids não é uma doença como qualquer outra, mas vivemos como qualquer  outra pessoa. Vamos cuidar do nosso patrimônio que é o nosso corpo”, aconselha João Vitor.