Reforço na vigilância da ponte Dom Felipe Gregory é proposta do vereador Ricardo Seidel, que encontrou dificuldade para aprová-la na Câmara Municipal
Ricardo Seidel: suicídio é visto como tema irrelevante
“O suicídio é um tema pouco discutido, mas deve ser debatido principalmente pelo poder público”, afirma o vereador Ricardo Seidel, do partido REDE, da Câmara Municipal de Imperatriz. O vereador, que também é pedagogo, encaminhou recomendação ao Governo do Estado para que seja intensificado o monitoramento da ponte Dom Afonso Felipe Gregory, local de suicídios na cidade. Para ele, esse procedimento é um alerta para melhorar o atendimento às pessoas que tentam se matar.
Nesta entrevista, concedida ao projeto Coletivas da turma de Técnicas de Reportagem do Curso de Jornalismo da UFMA, o vereador apresentou ainda as dificuldades enfrentadas para a aprovação da proposta na Câmara Municipal. Um dos argumentos foi de que o suicídio seria um assunto menos relevante, mas que o monitoramento diminuiria os assaltos ocorridos na ponte que liga os estados do Maranhão ao Tocantins.
Como surgiu o interesse pela temática do suicídio em Imperatriz?
Ricardo Seidel – É muito importante trabalhar com tema silencioso, mas muito relevante, é silencioso porque não é debatido, principalmente no que diz respeito ao poder público. Minha proximidade com o tema se deu antes da vida pública. Quando a gente trabalhava com as ONGs, teve um projeto muito desafiador que montamos aqui em Imperatriz, o projeto Recomeço. É um projeto que fica às margens da BR 010, próximo ao município de Governador Edison lobão. Trabalha com pessoas que, de alguma forma, passaram a ser andarilho e alguns eram dependentes químicos. Conversando com essas pessoas, entendemos o alto índice de suicídios que acontece devido às frustrações. Às vezes, a pessoa montou um negócio e não deu certo, terminou um casamento ou enfrentou a morte de um filho. Ficou constrangido e envergonhado, se sentiu incapaz em alguma situação, abandonou o seu lar e posteriormente pensou em cometer um suicídio. Esse foi o início do meu interesse pelo assunto. E na Câmara de Vereadores nós começamos a acompanhar e monitorar o número de tentativas de suicídios em Imperatriz. Nesse monitoramento, juntamente com a Polícia Militar, identificamos um local onde ocorrem muitas tentativas de suicídio na nossa cidade, que é a ponte Dom Afonso Felipe Gregory. Então, começamos a nos aproximar um pouco mais do tema e tentar sensibilizar o poder público, porque é uma tarefa muito difícil, já que o suicídio é um tema muito silencioso e, por conta disso, as pessoas não dão tanta importância como deveriam dar.
Foi feito um estudo acerca dos números de suicídios na cidade? E quais os casos ligados à ponte Dom Felipe Gregory?
Ricardo Seidel – Nós levantamos os números através da imprensa local. O índice de suicídio ou tentativas aproximava-se de dois por mês, mas, quando nós começamos a conversar com a Policia Militar e com as pessoas que lidam diariamente com essa situação, descobrimos que o que a imprensa local divulgava estava muito longe da realidade. As tentativas de suicídio passaram a ocorrer uma ou duas por semana. Nós tivemos casos que um aconteceu numa segunda-feira e outro em uma quinta-feira. E o que nos fez despertar esse interesse também foi algo muito pessoal: um colega nosso de trabalho, cujo padrasto era um empresário aposentado que tentou o suicídio. Ele estava muito apreensivo na Câmara, pois acabara de chegar da ponte Dom Afonso Felipe Gregory, onde fora feito o resgate do seu padrasto. Perceba que é o mesmo perfil: se aposentou, passou a ficar ocioso em casa, começou a ficar triste e depressivo pela a ausência do trabalho na vida e foi ficando depressivo. Eu já vinha dando importância a esse assunto, mas isso me fez dar muito, por ver o fato ocorrer próximo da gente, por saber quem é a pessoa que tentou cometer suicídio, por saber as evidências. É um padrão, uma frustração gerada pela depressão e esse padrão me fez pensar sobre isso. Comecei a questionar o poder público: “o que se pode fazer para reverter essa situação ou tentar inibir essa situação de suicídio principalmente naquele local?”. Quando um local começa a ser conhecido dessa forma, quando as pessoas entram em depressão já começam a pensar: “eu vou tirar minha vida naquele local porque é prático para isso, é um local indolor”. Então começa uma série de questões a se pensar.
Sobre a questão do monitoramento da ponte, o senhor sabe se há algo semelhante em outros municípios?
Ricardo Seidel – Não. Eu fiz uma indicação para que se colocasse um monitoramento na ponte, que é uma ação governamental do poder público de baixo custo, bem simples, basta colocar uma câmera na ponte e um sistema de monitoramento, ou seja, um vídeo no posto policial que fica na cabeceira da ponte, cerca de 300 metros do posto policial até o local onde geralmente as pessoas pulam. Esse monitoramento iria auxiliar a Polícia Militar, porque quem faz o resgate, quem é sempre o primeiro a chegar, é sempre a Polícia Militar do Maranhão, na maioria das vezes, pois o posto policial deles fica mais próximo. Mas geralmente a Polícia Militar do Tocantins também é acionada. Então fiz essa indicação e eu fiquei surpreso pelo motivo pelo qual foi a votação foi favorável na Câmara de Vereadores. Quando fiz a indicação, pensando nessa situação do suicídio, muitos colegas se manifestaram alegando que essa indicação e esse tema não eram relevantes, não atingiam a sociedade, porém votaram a favor porque esse monitoramento vai servir para inibir assaltos na ponte. Escutamos efetivamente esse discurso que o tema suicídio não é relevante, que o foco em si desse monitoramento também não é relevante, porém iriam votar a favor.
Quase não conseguimos a aprovação, até que nós usamos a tribuna e fizemos a defesa para que se mantivesse essa justificativa do monitoramento. Eu realmente queria que a justificativa fosse o alto índice de suicídio ou tentativas de suicídio cometido na ponte, porque o que se tentou foi mudar minha justificativa. Eu até aceitei acrescentar a justificativa de que iria auxiliar no monitoramento da segurança, visto que aquele é um local de caminhada também e, querendo ou não, acontece assalto. Mas o verdadeiro sentido não era o monitoramento para guardar o valor do objeto, mas sim para guardar o valor da vida. Foi aprovado, mas essa indicação foi para o Governo do Estado, que trata da segurança pública, que é a Polícia Militar, então fiz a indicação para que o Governo do Estado tomasse as providências, mas até agora não obtivemos retorno. Gostaram da ideia, mas não houve ação para concretizá-la.
A respeito do monitoramento da Ponte Dom Felipe Gregory e da abordagem às vítimas de suicídio, os policiais serão treinados para atender as pessoas de maneira adequada?
Ricardo Seidel – Analisando os vídeos que a Polícia Militar fez evitando o suicídio na ponte, na base do diálogo, eles conseguiram remediar a situação. A Polícia Militar é único organismo que tem feito o papel de contenção ao suicídio na ponte. A pergunta que fica é: por que existe uma dificuldade para conseguir um atendimento psiquiátrico em Imperatriz? No dia 19 de junho deste ano, passou em um telejornal local que são distribuídas apenas 40 senhas por semana para este tipo de atendimento. É muito complexo culpar uma corporação por estar fazendo seu trabalho de acordo com o treinamento que ela teve. O treinamento da polícia é de repressão, mas a polícia também tem seu lado cidadão. Eu acredito que em alguns momentos ela use da força, pois existem vários vídeos, de outras cidades, em que a pessoa está prestes a cometer o suicídio e eles usam da força para tirar a pessoa do local. Eu não sei dizer se isso é válido, mas eu sei que evitou um suicídio. Eu não sei qual é o procedimento adequado, mas eu sei que existe essa falta de articulação para o trabalho em rede, para adequar os policias que trabalham naquela área, onde há um alto índice de suicídio.
A ponte é vista como um ponto turístico de Imperatriz. O monitoramento não irá reforçar o apelido de “ponte da morte”?
Ricardo Seidel – Eu creio que não. A ponte é um ponto turístico que poucos visitam; quando um turista chega a Imperatriz, a ponte não é um local procurado para visitação. Esse monitoramento apenas para facilitará o trabalho da Polícia Militar, pois muitas pessoas passam pela ponte. Pode ser um pescador, pode ser alguém que está saindo de um estado para o outro, pode ser alguém fazendo caminhada, pode ser alguém que parou para tirar foto. Mas no momento em que ela para e passa para o outro lado da grade é preciso ter atenção. Normalmente essas pessoas demoram, como se estivessem esperando alguém estender a mão, uma última ajuda. Esse monitoramento vai auxiliar o trabalho da polícia. Não só ele, mas o trabalho em rede; precisa-se de um treinamento para lidar com isso: por exemplo, evitado o suicídio, para onde levar essa pessoa? Vai ter uma vaga de urgência/emergência no CAPS para internação? Haverá acompanhamento? Ou só depois a pessoa ir para a casa? Esse trabalho precisa acontecer.
A partir do levantamento feito por sua equipe, qual o perfil dos que buscam cometer suicídio em Imperatriz, especificamente na ponte?
Ricardo Seidel – Dentro do que eu pude perceber, a maioria são homens. Não há uma idade coerente, vai de 18 até 70 anos. Os motivos podem ser a frustração no trabalho, a situação econômica e a situação de ociosidade. Eu não consegui ir a fundo nisso, mas o número de mulheres é muito baixo.
A maioria dos órgãos que abordam o tema do suicídio são organizações não-governamentais (ONGs). Em sua opinião, o governo é omisso em relação ao tema?
Ricardo Seidel – Eu acho que sim. Você vê que tudo aquilo que é doença mental é desvalorizada pelo governo. As doenças valorizadas pelo governo são as doenças expostas, como uma fratura, isto é, aquelas que precisam de atendimento de urgência. Já as doenças mentais são desvalorizadas. Os anos se passam e o déficit na infraestrutura do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), só aumenta. As doenças mentais são silenciosas e só aumentam, como a depressão. Precisamos de uma ação pública para que se possa pensar sobre isso. Por exemplo, inserir na escola questões sobre a saúde mental, ensinar as pessoas sobre aonde conseguir auxilio, etc. As ONGs estão sempre com campanhas, mas isso deveria ser papel do poder público também.
No seu projeto Gabinente Móvel, que vai até aos bairros com um ônibus e sala de atendimento, há atendimento psicológico?
Ricardo Seidel: O Gabinete Móvel é um projeto meu desde a campanha. Depois de muita dificuldade, conseguimos o ônibus com salas de atendimento e vamos até os bairros atender a demanda da população. Eu vou fazer meu papel de parlamentar, que é ouvir a população e ver o que estão precisando. Cada profissional amigo meu vai se doar para a sociedade naquele dia. Nós vamos com médicos, psicólogos e psicopedagogos. Eles fazem identificação, acompanhamento, fichas de cada um e depois ligam para monitorar. Isso seria papel do governo, mas o governo não faz, então nós fazemos. As ONGs trabalham assim, isto é, criam um projeto para que a população não sofra com esse déficit. Percebi que o governo não está fazendo o papel dele, então me reuni com meus amigos, de diferentes áreas, e estamos atendendo. As assistentes sociais me passaram que a demanda de atendimento para depressão é altíssima. Inclusive, no último atendimento móvel que nós fizemos, no Parque Alvorada, atendemos uma senhora que estava com um quadro muito grave de depressão pós-parto. Nós tivemos que deslocar o profissional até a casa dela. Ela não conseguiu atendimento no posto de saúde do bairro e não teve forças para procurar atendimento psiquiátrico. Fizemos então o atendimento na casa dela. Espero que tenhamos conseguido gerar um resultado positivo.
O suicídio é um tema que vem sendo tratado de forma isolada e visto como um tema irrelevante. Em sua opinião, quais as razões do aumento no número de casos de suicídios no Brasil?
Ricardo Seidel – Eu acredito que sim. Quando você não dá relevância para o tema, você acaba dando margem para que aconteça o que está acontecendo. Apesar de entender que saúde pública também é saúde mental, não se dá importância. Isso deixa margem para que as pessoas entrem em depressão e cheguem ao suicídio. Nós fazemos o nosso papel, que é cobrar, fazer indicações, mas o governo só trabalha, infelizmente, quando a sociedade civil se organiza e cobra em massa.
Equipe organizadora da coletiva e foto: Janaína da Silva Oliveira, Luciana Franco Nascimento e Rafaela do Nascimento Gomes