Violência contra mulher: abuso silencioso que precisa ser discutido

Mais de 440 denúncias de casos de violência doméstica foram feitas somente no ano de 2018

 

MICHELY ALVES, MARIANA MUNIZ, GABRIELLA FIGUEIREDO

A cada hora cerca de 150 mulheres são vítimas de violência doméstica somente no estado do Maranhão. A partir de um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o Brasil é o quinto país do mundo em número de assassinato de mulheres, ação promovida a partir das agressões cometidas. Ao menos 441 denúncias de violência contra a mulher foram feitas no ano de 2018. É o que mostra o índice regional coletado na Delegacia Especial da Mulher (DEM) de Imperatriz. O número de vítimas é ainda maior – isso porque as estatísticas contabilizam apenas as denúncias registradas na delegacia. No geral, a situação é mais grave nas cidades do interior, onde muitas mulheres têm receios de denunciar seus agressores.

“Em casos de agressões em zonas rurais é muito mais difícil a chegada dessa mulher, vítima, para denunciar seu agressor, isso porque, muitas vezes não é o marido que agride, e sim, o próprio filho, vizinho, parente. No geral, a distância e o constrangimento do caso são fatores predominantes na hora da denúncia”, explica a juíza da Vara de violência Doméstica e Familiar, Ana Paula Araújo Oliveira Silva.

O cenário de violência doméstica na cidade de Imperatriz está passando por muitas mudanças. Os casos de denúncias estão, cada vez mais, ganhando notoriedade, visto que, os meios de comunicação e os próprios projetos sociais que funcionam na cidade estão dando visibilidade à mulher e suas questões. A violência doméstica e familiar contra a mulher se constitui em uma das formas mais graves de violação dos direitos humanos, atingindo a família como um todo, necessitando de prevenção e combate.

“Lugar de mulher”

O machismo há séculos cria a mulher para servir ao homem. Casar, ter filhos, lavar, passar, cozinhar, educar. Essas são umas das diversas “obrigações” estabelecidas pela sociedade para a mulher. Historicamente, a mulher é considerada uma propriedade particular dos homens, devido a um conjunto de instruções machistas que ganharam espaço historicamente. Segundo a delegada, Sylvianne Lenira Cavalcante, as mulheres estão sujeitas a comportamentos machistas e patriarcais vindo de seus respectivos maridos, submetendo-as uma vida altamente dependente, fruto de relacionamentos abusivos. Em cidades pequenas as relações de mulheres com homens são extremamente possessivas. Logo, para muitos lugar de mulher é casada, com filhos, recebendo ordens do marido.

A partir de um breve estudo elaborado pela Delegacia Especializada da Mulher, percebeu – se que a maioria dos casos de agressões estava ligada à postura machista de desrespeito à mulher. Na visão de Sylvianne, a mulher que mora em cidades pequenas é tratada com mais dureza pela sociedade. “O machismo é uma fator cultural, é bem maior a incidência dessa violência em cidades menores. Há uma cobrança por parte dos homens em cima das mulheres, chegando a praticar até crimes mais cruéis”, lamentou a delegada.

“Até que a morte nos separe”

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que no Brasil ocorram cinco feminicídios para cada grupo de 100 mil mulheres. Os dados divulgados anualmente apontam que boa parte desses crimes são gerados por homens que não aceitam o fim do relacionamento e a outra parte, revelam uma questão brutal de gênero, só pelo simples fato de ser mulher.

De acordo com a psicóloga Tânia Almeida, a maioria das mulheres não denuncia seus agressores por medo de morrer. A obsessão e o ato de enxergar a mulher como objeto de posse levam homens muitas vezes a cometer o crime de feminicídio, nome recente dado ao grande número de homicídio de mulheres. Para tentar impedir os crimes contra as pessoas do sexo feminino, foi sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, a Lei 13.104, em 9 de março de 2015, conhecida como a Lei do Feminicídio.

O homem comete o feminicídio a partir de uma série de violências praticada contra a própria esposa, quando ela já vem sofrendo violência doméstica e resolve pôr um basta, e, então, o agressor não aceita o fim do relacionamento, assim optando pelo crime de homicídio contra a mulher. Mas o feminicídio não acontece apenas nesses casos. Ele pode acontecer até por desconhecidos da vítima, como dito anteriormente, só pelo simples fato de ser mulher.

Medidas protetivas e segurança

A juíza Ana Paula Araújo apresenta dados sobre o número de medidas protetivas expedidas no ano de 2018 e destaca o fato de não haver um monitoramento mais eficaz para combater a criminalidade contra as mulheres imperatrizenses. Em 2017, as medidas protetivas expedidas foram mais de 500, apenas as recebidas na Vara Especial da Mulher de Imperatriz. Cerca de 900 mil processos que visam à segurança da mulher prosseguem em todo o Brasil. Em setembro de 2018, o número de medidas recebidas na Delegacia Especial da Mulher já superavam as denúncias do ano anterior inteiro, 742 medidas. As medidas protetivas de urgência para casos da Lei Maria da penha, somaram 669, apenas no ano de 2017, cerca de um por dia.

De acordo com a delegada da DEM, Sylvianne Lenira, o aumento de denúncias não reflete em geral o aumento da violência contra as mulheres. “O aumento de denúncia pode ser vista com bons olhos, já que pode não significar o aumento da violência. Pode significar que as mulheres estão tendo mais coragem e consciência para denunciar seu agressor, evitando chegar a casos mais graves, como o feminicídio”, analisa a delegada.

Da dor à Lei  Maria da Penha

Aprovada no dia 7 de agosto de 2006 como Lei n° 11.340, a Lei Maria da Penha deu início a um marco que serve até hoje para ajudar a proteger as mulheres de qualquer abuso ou violência doméstica e familiar. Nomeada assim, quando a farmacêutica Maria da Penha sofreu tentativas de assassinato do próprio marido e criou coragem para denunciar seu agressor para que pagasse por esse crime. A Lei tornou-se bastante conhecida e deu voz a muitas mulheres que passaram e ainda passam por situações de vulnerabilidade, mas que não desistiram de buscar por um pedido de socorro.

Quando se fala em violência o primeiro pensamento remete apenas às agressões físicas, aquelas que deixam lesões corporais, mas o que muitas mulheres ainda não sabem, é que a Lei também inclui a proteção contra violência psicológica, quando causam danos no emocional da vítima como: humilhações, chantagens e também o afastamento do seu círculo social de forma que somente o marido ou companheiro tenha contato com ela e possa controlá-la nesse relacionamento abusivo.

A partir das leis que entraram em vigor a favor da liberdade feminina, muitas mulheres estão tenho coragem de falar sobre o assunto e denunciar seus agressores, é o caso de Fabiana Letícia, 21, que explica como descobriu que estava em um relacionamento abusivo. “Terminamos várias vezes, ele era uma pessoa maravilhosa no início, engajado em questões sociais, principalmente ligadas às questões femininas. Certo dia estava voltando para minha casa, ele apareceu no meio do caminho, pegou meu braço e puxou assim, como se fosse ao sentido contrário do braço, como se fosse quebrar, logo de cara, tomei providências”.

Ana Sousa, 36, conta que nunca sofreu violência doméstica na sua vida de casada, mas passou a infância inteira, por diversas vezes, vendo seu próprio pai querendo assassinar sua mãe. “Teve certo dia que ele chegou bêbado em casa e tentou matar ela, eu me lembro desse dia com dor no coração, ele jogou uma garrafa de bebida alcoólica para acertar nela e logo depois tentou afogá-la”, relata Ana. Ouça parte da entrevista concedida:

 

Onde posso pedir ajuda?

Os meios utilizados para denúncias são variados. Na cidade Imperatriz há as delegacias de plantão, mas os espaços destinados preferencialmente às mulheres são os mais preparados, como a Vara Especial da Mulher e a Delegacia Especial da Mulher, é que recebem o maior número de denúncias.

A delegacia especializada em violência doméstica e familiar é uma importante porta de entrada para denúncias em Imperatriz, mas não há somente ela:

  1. Delegacia Especial da Mulher – DEM: a Delegacia Especial da Mulher é um dos principais canais de denúncias, o atendimento é especializado e totalmente direcionado a mulher vítima de violência doméstica. Localização: Rua: Sousa Lima, S/N – Centro.
  2. Vara Especial da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: A Vara Especial da Mulher é direcionada a pedidos de medidas protetivas, sem necessidade de abertura de inquérito na DEM. Localização: Rua; XV de novembro – Centro.
  3. Outras delegacias: A delegacia do seu bairro ou até mesmo o Plantão Central podem receber a sua denúncia. Localização do Plantão Central: Rua Sousa Lima, n° 167 – Centro.
  4. Disque 180

O disque 180 é o disque-denúncia onde podem ser realizadas as denuncias anônimas, pela vítima ou até mesmo um vizinho ou parente da mesma, sem necessidade de identificação. É gratuito e funciona 24 horas por dia.

*Nome fictício para preservar a identidade das vítimas entrevistadas

Reportagem especial produzida para a disciplina de Técnicas de Reportagem (2018.2)