ESPECIAL Poder Judiciário protege crianças ao afastá-las de pais usuários de drogas

54% DOS CASOS DE ACOLHIMENTO EM ABRIGOS PÚBLICOS,  EM IMPERATRIZ, ESTÃO RELACIONADOS AO USO DE ENTORPECENTES PELO PAI OU MÃE*

POR AGDA EMANUELLE, ANA CAROLINA, GUSTAVO VIANA E WILLAS ILARINDO

A cidade de Imperatriz conta com dois Conselhos Tutelares, que atuam em diferentes áreas da cidade. Um levantamento feito por esses conselhos aponta que no ano de 2015 foram registrados 30 casos de acolhimento institucional e no ano de 2016 o total chegou a 36 casos. Porém,  o ano de 2017 superou os anos anteriores com o registro de 42 meninos e meninas acolhidas, sendo que 54% dos casos de acolhimentos estão relacionados com pais usuários de substâncias psicoativas, como o crack, cocaína, maconha, entre outros.

“As droga e a prostituição são os motivos que mais colaboram para o aumento no número de casos de acolhimento”, explica a coordenadora do Conselho Tutelar da área I, Viviane Oliveira Fernandes. Como aponta a assessora jurídica da Vara da Infância e Juventude, Mariana Silva de Sousa, o processo começa com medida de proteção à criança e não visa condenar o uso de drogas, no entanto existem casos em que os pais são traficantes, o que acaba ferindo os direitos da criança em relação à segurança. “Nosso intuito é sempre observar se os direitos fundamentais dessas crianças e adolescentes estão sendo preservados”, comenta Mariana.

O acolhimento institucional é feito quando os conselheiros tutelares esgotam as possibilidades das crianças ficarem com a família de origem (pai e mãe) ou com a família extensa (avós, tios, entre outros). “A gente tenta com todos os esforços não tirar a criança do âmbito familiar”, afirma o conselheiro tutelar Alexsandro Mendes da Silva. No entanto, quando o processo de averiguação inicial não tem bons resultados, os conselheiros fazem uma medida protetiva para resguardar a criança, encaminhando o caso para a Vara da Infância e Juventude de Imperatriz.  O conselheiro tutelar comenta na entrevista abaixo a importância de proteger os direitos de meninos e meninas:

 

Panorama nacional

Segundo pesquisas do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e do Mapa da Violência (publicado pelo governo brasileiro em parceria com o Instituto Ayrton Senna e outras entidades), cerca de 46 mil crianças e adolescentes vivem hoje em abrigos no Brasil, mais de 80% dos encaminhamentos estão vinculados à dependência química dos pais.

No Maranhão, de acordo com o relatório do CNCA (Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas), cerca de 369 crianças são acolhidas anualmente, distribuídas em 19 casas no estado. Uma das principais causas do acolhimento institucional, a qual corresponde a 20,1% dos casos, diz respeito a vulnerabilidade de crianças cujos pais ou responsáveis são usuários de drogas.

O acolhimento institucional é garantido através do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que é a Lei Federal nº 8069/1990. É uma medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para reintegração familiar ou colocação em família substituta, e aplicáveis a crianças e adolescentes sempre que os direitos do mesmos forem ameaçados ou violados.

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Acolhimento

A coordenadora do conselho tutelar ,Viviane Fernandes, informa que a faixa etária das crianças que mais são recolhidas por motivos relacionados ao uso de drogas pelos pais é de 0 a 5 anos. “Inúmeras vezes formos buscar crianças recém-nascidas no próprio hospital, chegando lá nos deparávamos com mães usuárias sem condições para criar o próprio filho”,  ressalta Viviane.

Imperatriz conta com três casas de acolhimento distribuídas entre o centro e outros bairros da cidade, cada casa tem sua especificação de faixa etária e sexo. A Casa Lar é destinada ao acolhimento de meninas na fase da adolescência, a Casa de Passagem faz o acolhimento de meninos entre 11 aos 18 anos, já a Casa da Criança é destinado ao acolhimento de criança de zero a dez anos, de ambos os sexos. Vale ressaltar que essas casas não são orfanatos e sim instituições governamentais de acolhimento, pois todas as crianças e adolescentes acolhidas possuem famílias.

Atualmente residem na Casa da Criança 33 menores, desse total dez estão acolhido devido aos pais serem usuários de drogas. A capacidade de acolhimento da instituição é de apenas 30 crianças. De acordo com a assistente administrativa Raylene dos Santos Almeida, no mês de outubro de 2017 foram acolhidas 46 crianças e a redução desse número foi devido a algumas terem retornado para suas famílias de origem ou foram enviadas para sua família extensa. Também ocorreram casos em que as crianças foram adotadas, que é sempre o último procedimento feito pela Vara da Infância e Juventude, se esgotadas as demais possibilidades.

A instituição Casa da Criança conta com o auxílio de uma equipe técnica formada por uma psicóloga e uma assistente social. Tem o objetivo de auxiliar as crianças no processo de adaptação. Além disso, elas trabalham fazendo visitas domiciliares e coletando informações para procurar possibilidades das crianças voltarem para o seio familiar.

 

Triste realidade

A conselheira tutelar Helena Cássia Rêgo da Silva menciona que já presenciou inúmeros casos com desfecho comoventes, entre estes, ela conta a história de dois irmãos, um de cinco, e outro de nove anos. O mais velho tinha uma séria deficiência que o impedia de se alimentar e se locomover normalmente. Ela relata que a criança recebia um benefício do governo, mas o dinheiro era gasto pelos pais das crianças para usarem drogas e ingerirem bebidas alcoólicas.

“Me ligaram fazendo a denúncia dizendo que a mãe havia brigado com pai e tinha pego as crianças, colocado em um carrinho e deixado na porta do avô.  Eu fui buscar as crianças lá e o avô falou  que não queria as crianças, que não tinha nenhuma obrigação ou culpa se os pais dos menores eram irresponsáveis. Fiz o acolhimento das crianças, preparei o relatório e entreguei ao juiz Delvan”, relata.

O caso teve vários desdobramentos, conforme Helena Cássia, o que mostra o quanto é complicado lidar com famílias envolvidas com drogas. “No período em que as crianças estavam no acolhimento, as assistentes sociais foram na casa e fizeram o trabalho de averiguação e os pais agiram como se estivessem arrependidos e que não iriam cometer novamente o descuido com os filhos, tentando mudar a situação, para terem as crianças de volta e usufruírem do benefício. As crianças acabaram retornando para os pais e 15 dias depois recebemos uma nova denúncia e, quando chegamos na casa, encontramos a criança especial quase morta, coberta de formigas e em uma situação deplorável”.

De acordo com a conselheira, os pais foram destituído da guarda das crianças e as duas passaram para o banco de adoção. Um tempo depois elas foram adotadas por uma senhora que cuidou das crianças com dedicação, no entanto, o menino mais velho, que era deficiente, faleceu devido aos maus tratos causados pelos pais biológicos.

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Reintegração familiar 

O Poder Judiciário tem o princípio de preservar os direitos da criança e do adolescente, no entanto também prioriza a restruturação familiar. Em casos que os pais são usuários de drogas, o juiz Delvan Tavares determina a medida protetiva para ajudar a criança, encaminhando também os pais dependentes químicos aos centros de recuperações da cidade como o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Lá podem ter acompanhamento com psicólogos ou são dirigidos aos CRAS (Centro de Referência e Assistência Social), onde encontram possibilidade de reintegração na sociedade participando dos projetos profissionalizantes. A medida de proteção busca então um restabelecimento seguro e estável não só para as criança, mas para os pais também. “Inclusive a retirada da criança acaba sendo um bem para os dois, a criança sai da situação de risco e os pais tem a chance de se reintegrar”, comenta a assessora jurídica da Vara da Infância e Juventude, Mariana Silva de Sousa.

A psicóloga da Casa da Criança, Solange Teresinha Fortes, analisa que o processo de reestruturação familiar é um trabalho árduo e intenso, pois os pais usuários de drogas não assumem que precisam de ajuda de imediato e, em alguns casos, tentam ludibriar os profissionais da Vara da Infância ao repassarem informações falsas. Na maioria das vezes, a psicóloga usa a reflexão para sensibilizá-los, fazendo optarem pelo que é mais importante para as crianças. “Uma pedra de crack ou seus filhos?”, costuma dizer aos casais. Dependendo da resposta dos pais, a psicóloga cria um plano de acompanhamento para trabalhar com eles. “Não é fácil, já houve caso de mãe chegar com o dedo manchado de crack, e quando eu propus que ela imaginasse uma foto do filho e ela fizesse uma escolha entre aquele dedo sujo e a fotografia do filho, ela escolheu o dedo sujo de crack”, relembra Solange.

Uma nova história

A adoção de crianças acolhidas é usada somente como último recurso, ocorre apenas quando o juiz, ao longo de todo o processo, não percebe nenhuma mudança no comportamento dos pais e os demais familiares não têm condições de ficar com a criança ou adolescente. Só então nesses casos, o juiz pode solicitar que a criança seja destituída do âmbito familiar e enviada para adoção.

No momento que acontece a destituição, as psicólogas são acionadas para que comecem a trabalhar com a criança a ideia de ter uma nova família, a equipe trabalha primeiro por chamadas da vídeo, por ligações, para fazer a criança ir se adaptando aos novos pais. “Eu faço a aproximação das crianças com essa família, mesmo distante, quando a família chega, por incrível que pareça, eles se abraçam como se já se conhecessem a muito tempo”, disse a psicóloga Solange Teresinha. A família adotiva tem três meses de adaptação com a criança, nesse período ela pode retornar, alegando que a convivência não se concretizou de forma harmoniosa ou que não desejam prosseguir com a adoção. A criança também pode retornar caso sejam constatados maus tratos feitos pela família adotiva.

 

Gravação do áudio: Ana Carolina

Edição do áudio: Agda Emanuelle

Foto e Edição: Willas Ilarindo

Infográfico: Willas Ilarindo

*Reportagem especial produzida para a disciplina Técnicas de Reportagem (2017.2)