Desafios da língua: Como é viver longe da língua materna

Texto: João Marcos

Diante de uma câmera, a holandesa Nienke Helthuis, hoje com 21 anos, gravou um vídeo para o seu canal no YouTube com o título “Tentando falar português brasileiro”. Com seu smartphone nas mãos, ela usa o recurso de voz do Google Tradutor para traduzir instantaneamente o que diz em inglês para o português. O objetivo? Reproduzir as frases sem nenhum ensaio ou estudo prévio. “Eu acho que o português é parecido com o espanhol. Talvez eu esteja totalmente errada. Eu não tenho ideia do que me aguarda” (tradução livre).

O vídeo foi ao ar em 14 de setembro de 2016 e teve uma repercussão muito positiva no país. Comentários como “português é difícil até para os brasileiros”, eram muito recorrentes. Isso não é brincadeira: a língua possui diversas conjugações, tempos verbais, pessoas. São 435 mil verbetes. É a língua oficial em nove países, já passou por quatro reformas ortográficas. Assim, não é tão complicado compreender a realidade que os estrangeiros vivem por não saberem se comunicar com clareza.

Foi dessa forma com Nidal Boutros, em Imperatriz. “Aqui não tem curso árabe-português. Quem me ensinou foi meu irmão e minha cunhada. Meu irmão já está casado com minha prima há dez anos e ela me ensinou português e eu ensinei ela árabe. Agora ela fala árabe cem por cento e eu falo português meio por cento”, brinca, enquanto pede para que seu funcionário, João, se sente ao seu lado para interpretar possíveis expressões que ele não venha a entender.

Para ele, o que “pega mesmo” são as gírias, as palavras que fogem da norma culta. As diferenças de sotaque e modos de falar dificultam ainda mais a compreensão. “O português é complicado. Tem muitas palavras que não ‘significam nada’. ‘Arrocha’, essa palavra eu não esqueço.”

Da mesma forma aconteceu com o americano Bailey, que está há 18 anos em Imperatriz, onde fundou uma escola de idiomas e dá aulas de inglês. “Eu lembro quando eu era criança a gente chegou aqui e eu não conseguiu me comunicar com o pessoal. Como a gente era de lá (Estados Unidos), dentro de casa falamos inglês. Eu falava português, mas era muito enrolado. Tinha muito sotaque. Ainda hoje eu sinto que todo dia aprendo coisas novas, palavras novas e melhorando a pronúncia.”

Pequenos imigrantes

Se é difícil para os adultos, imagine para as crianças. De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Unibanco, com base no Censo Escolar 2016, aplicada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no período de oito anos (2008-2016), as escolas brasileiras registraram mais de 73 mil matrículas de estrangeiros em escolas em todo o Brasil. Sendo que o ensino público abriga 64% desses alunos.

Direitos esses garantidos pela Constituição Federal de 1988, no artigo 5º e 6º, em que todos têm direito à educação, independente se é brasileiro nato, naturalizado ou por se tratar de um estrangeiro. Assim como versa a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (artigos 2° e 3°) de 1997, garantindo igualdade de acesso e permanência na escola, considerando a realidade étnico-racial.

Em números, ocorreu o crescimento de 112%, mais da metade (46.047) sendo de crianças e adolescentes cursando o Ensino Fundamental, tanto nas redes públicas quanto nas privadas. No Maranhão, eles são menos de 1% do total. E a língua é o fator de maior dificuldade para adaptação dessas crianças a uma nova realidade. Por elas verem as coisas de forma diferente, a adequação pode ser um pouco mais demorada do que para um adulto.

A psicopedagoga Noélia Veloso defende que os desafios podem ser minimizados com o auxílio da escola. “A escola, primeiramente deve ser bem receptiva com os estrangeiros. Trabalhar bem a questão afetiva, fazer um trabalho na sala de aula para essas crianças, acolhê-las de maneira especial. E depois, com o passar dos meses, a escola pode fazer um projeto de ensino da língua, da nossa língua de preferência, em horários contrários da que elas estudam”, afirma.

Existem questões essenciais que as escolas devem observar, como, por exemplo, a receptividade, a efetividade e o trabalho com grupos de crianças, para que as estrangeiras se sintam acolhidas. Outra realidade a se atentar é a financeira. “Esse projeto do ensino da língua é importante porque a maioria dos estrangeiros que chegam ao Brasil, não tem condições de pagar um professor particular para ensiná-los”, ressalta Noélia.

Além do mais, o acompanhamento feito pelos pais, que também devem ser incluídos nesse projeto de aprendizado mútuo, faz com que situações desagradáveis como bullying e xenofobia não aconteçam em ambiente escolar. “Os educadores precisam estar atentos e fazer as intervenções necessárias para que a criança seja aceita e respeitada”, recomenda a psicopedagoga.