Jovens e suicídio: do sofrimento às estratégias para recuperação

“A pessoa que comete suicídio não deseja acabar com a vida dela e sim com a angústia que está sentindo que chega a ser insuportável”, diz a psicóloga Dayse da Silva Chaves.

                                           Dayse Chaves (esq):  homens demoram a pedir ajuda

Nesta entrevista para o projeto Coletivas, da disciplina Técnicas de Reportagem do curso de Comunicação Social – Jornalismo/UFMA, vamos conhecer as dificuldades dos jovens que sofrem de depressão e que chegam a ter pensamentos suicidas. Para esclarecer sobre o assunto, convidamos a psicóloga Dayse da Silva Chaves para tirar nossas dúvidas quanto aos sintomas e causas do suicídio entre os jovens. A convidada também comenta sobre a importância do apoio da família para a superação desse problema. Ela é especialista em Neuropsicologia e mestranda em Psicologia Clínica. Cada vez mais cresce o interesse da sociedade pela temática do suicídio e da depressão, principalmente com o compartilhamento de jogos na internet que colocam em risco a vida de jovens. Cerca de 1 milhão de pessoas no mundo morrem devido ao suicídio, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Todo jovem que comete suicídio já passou por um estágio de depressão ou pode ocorrer de ele não estar com depressão e pensar em cometer suicídio?

Dayse da Silva Chaves – Eu nunca conheci ninguém que, sem estar em depressão, pense em si matar. Os dois maiores transtornos que causam pensamentos suicidas são a depressão – causada por vários fatores, desde a falta de autoconhecimento até problemas como questões sociais, profissionais, acadêmicas, familiares e etc – e o transtorno bipolar, em que ocorre a oscilação entre a depressão (momentos de tristeza) e a mania (momentos de extrema alegria compulsória). Na maioria das vezes, o senso comum costuma classificar que aquele amigo que muda de humor é bipolar, sendo que não é assim que se dá o diagnóstico, tendo em vista que é preciso antes de tudo uma avaliação por uma junta médica bem cuidadosa. No transtorno bipolar, o suicídio ocorre mais no tempo de mania do que de depressão, sabendo que é nesse momento que a pessoa põe a sua vida em risco sem intenção e é onde tudo pode acontecer.

Quais são os motivos mais frequentes que são associados ao suicídio?

Dayse da Silva Chaves – Os motivos mudam de pessoa para pessoa. Mas em termos gerais são a violência, que pode incluir contextos mais específicos como abuso sexual, relacionamento abusivo, violência doméstica, conflitos familiares (causados pela ausência de um pai ou de uma mãe) ou até mesmo a violência cometida por eles, a sensação de mal estar psicológico relacionada com a depressão, a falta de interação social, etc. A maioria das pessoas depressivas tende a se isolar, porém em alguns casos há indivíduos que conseguem se curar e voltar ao normal por terem apoio, acompanhamento e tratamento, ou seja, cada pessoa é um caso diferente. É importante ressaltar que não são todas as pessoas que têm depressão que pensam em suicídio, mas geralmente todos que pensam em suicídio têm depressão.

Para dar apoio ao paciente, em algumas situações, a família também acaba passando por um processo de acompanhamento. Qual a importância da família na recuperação de uma pessoa que já tentou o suicídio?

Dayse da Silva Chaves – A família exerce uma posição muito importante no cuidado desse paciente, pois desde o início costumamos dizer que a família é um sistema: se um fica doente, pode chegar a afetar todo mundo. A família é importante para demonstrar apoio social, tendo em vista que aqueles que têm depressão e não possuem esse apoio podem acabar se isolando e tendo seu quadro clínico agravado. Com o apoio da família, é possível se recuperar mais rápido, se resgatar e perceber que tem um porto seguro sem que alguém o julgue. É interessante relatar aqui uma pesquisa que diz que quando a pessoa tem depressão, atinge em média 6 pessoas em volta dela, um número bem impactante não só para mim, como profissional, mas também para todas as outras. Suicídio é uma das mortes mais traumáticas que podem acontecer e pensando nisso, o apoio familiar e daqueles que o querem bem é fundamental.

Quais são os profissionais indicados para tratar esse tipo de situação?

Dayse da Silva Chaves – Aqui em Imperatriz, especificamente, temos uma rede de saúde mental muito bem elaborada. Não atua somente o psicólogo (profissional que estuda o comportamento etc.) ou o psiquiatra (responsável por possíveis medicações), a equipe vai além disso, contando também com assistente social, enfermeiros, pedagogos, fonoaudiólogos e nutricionistas, que são profissionais que acabam se envolvendo também com saúde mental e podendo ajudar as pessoas com que precisam. A melhor orientação é que se procure um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Para o público infantojuvenil o indicado é o CAPS IJ, para adultos o CAPS 3, casos de  álcool e drogas  são para o CAPS AD. Os postos de saúde fazem o atendimento inicial para, em seguida, encaminharem para o CAPS que melhor se adequa a situação.

Em relação ao suicídio entre jovens na cidade de Imperatriz, o número é alarmante?

Dayse da Silva Chaves – De acordo com os dados do CAPS IJ, onde funcionam dois grupos de adolescentes que tratam sobre esse o assunto, de um grupo de 20 pessoas, 10 delas já tiveram ideias suicidas, então é um índice muito grande. Pensando nisso, queremos abrir um outro grupo de jovens para debater a automutilação, álcool e drogas, fatores de risco e engajar possíveis tratamentos adequados para cada caso. É importante falar também que a maioria são homens. Nesse caso, em específico, trata-se de uma identidade cultural e só reforça o quanto que ainda temos de bater na tecla da mudança. Até para se soltarem nos grupos é um pouco mais difícil do que numa conversa individual, onde é perceptível que ainda pensam na impossibilidade de não demonstrarem sua fraqueza ou de não pedir ajuda, já que há todo um aspecto em volta da figura do machismo, de que homem não chora, não pode demostrar sentimento. E tudo isso acaba influenciando para que eles se guardem ainda mais, dificultando a ajuda.

Porque os homens demoram mais para pedirem ajuda?

Dayse da Silva Chaves – Tem muito a ver com o machismo, que ainda é a principal barreira a ser quebrada na mente desses jovens. Quebrar a figura de masculinidade é algo que só é feito quando o homem se auto avalia e percebe que precisa urgentemente de ajuda. Nós, mulheres, temos que ajudar também a dissolver essa visão, mostrar que pedir ajuda não é para fracos, que o seu ego masculino não vai ficar ferido e ajudar a perceber que para ele a ajuda de uma equipe médica é o mais adequado no momento. Temos que perceber também que tem dados sobre violência masculina. Violência  física entre homem e mulher ficam pareados, só que a violência  psicológica é maior no âmbito masculino, que pode ser causada por submissão emocional, emprego que não lhe faz bem, dificuldades familiares, financeiras, entre outros fatores. Tudo isso vem agregado à questão estrutural da cultura de como o homem não pode ser diferente daquilo que foram criados para serem, sendo naturalizado esse tipo de comportamento desde a infância.

Dados apontam que o suicídio entre os homens são mais violentos. Por quê isso ocorre?

Dayse da Silva Chaves – Porque o homem é treinado mais para suportar a dor, isso na maioria das vezes, o que acaba se relacionando como “se é pra fazer, vamos fazer para dar um fim nisso”, tratando justamente por conta de “morrer honrado como homem”. Sem contar na tentativa falha do ato, pois ele acaba pensando “nem pra isso eu servi”, agravando ainda mais seu estado depressivo.

Quem desiste mais do tratamento são os homens ou as mulheres?

Dayse da Silva Chaves – Geralmente, a mulher se predispõe por livre e espontânea vontade, onde é perceptível a força de vontade inicial, elas acabam se sentindo melhor e por isso desistem de ir até o fim com o tratamento, coisa que não é indicado em nenhuma fase do tratamento. Os homens demoram mais a procurar ajudar, porém quando percebem melhoras continuam firmes e fortes até o final. É possível perceber uma melhora inicial, mas para o resultado ser duradouro, tem que ser feito até o fim.

A psicoterapia pode ajudar as pessoas a lidarem com a depressão? 

Dayse da Silva Chaves – Sim, e é até o tratamento recomendado inicialmente. Já para tendências suicidas, é recomendado um acompanhamento psicológico e psíquico. O medicamento não vai fazer o paciente mudar de pensamento, vai apenar regularizar uma quantidade de hormônios em agitação. Já a terapia vai ajudá-lo a entender o porquê dele pensar nessas coisas e na busca do início de toda a sua angústia.

Dos 50% dos jovens que fazem parte do grupo de assistência no CAPS, quantos deles já superaram esse momento? 

Dayse da Silva Chaves – Não há nenhum dado sobre quantos já receberam alta, mas o que posso dizer é que os que superam são justamente os que levam o tratamento até o final, ou seja, aqueles que vão para todas as reuniões semanais, passam por toda a junta médica e cumprem um compromisso com eles mesmos; esses com certeza terão sucesso no resultado do tratamento. Alguns levam em torno de 3 a 6 meses, já outros levam de 6 meses a 1 ano de tratamento, dependendo do caso. Posso dizer também que procurar o tratamento o mais cedo possível, melhor será o resultado, pois o jovem ainda tem uma ideia mais flexível do que os adultos que procuram ajuda, tendo em vista que na juventude, devido ao processo de formação intelectual, é mais fácil moldar todos os princípios ou partes deles que podem ser levados para a vida toda.

As redes sociais atrapalham no tratamento dos pacientes? 

Dayse da Silva Chaves – Não. Não hora do tratamento não atrapalha, mas em outros momentos sim, como por exemplo na doença. Como as redes sociais muitas vezes ajudam na idealização de algo podem causar, em algumas situações, o questionamento da inferioridade e levando ao surgimento de pensamentos como “por que a vida do fulano é melhor do que a minha?” ou coisas do tipo, agravando ainda mais o estado do paciente sem ele perceber. Temos que concordar que além de tirar muito tempo de nós, elas têm o poder de criar campos ilusórios. Para pessoas saudáveis ​​podem ser simplesmente uma dor de cotovelo, algo momentâneo, mas para aqueles que tem depressão, acabam se tornando um espelho que, por consequência, podem levar a formação de sentimentos inferiores.

Você acredita na religiosidade ou espiritualidade como um fator de proteção ou de ajuda para a depressão ou pensamentos suicidas?

Dayse da Silva Chaves – Pensando em uma visão holística, que procura compreender os fenômenos na sua totalidade e globalidade, eu acredito que sim, porém com equilíbrio. Para muitos, essa religiosidade ou espiritualidade transforma-se mais em uma força de vontade ou até mesmo fonte de força para seguir em frente. Aquele que faz isso de forma sã vai ser como um grande consolo. Nós somos seres espirituais, onde cremos em crenças, dogmas, instituições e nesse momento em específico não seria diferente. Alguns acreditam que por Freud, pai da psicanálise, ser ateu, psicologia e religião deveriam seguir em caminhos opostos, mas eu acredito em um conjunto de formação do nosso ser em que é possível essas duas vertentes caminharem de mãos dadas em prol da nossa saúde.

Podem leigos ser treinados para ajudar no tratamento dos pacientes?

Dayse da Silva Chaves – Sim. E o que mais precisamos nesse momento é de voluntários. Um dos eventos em que podem participar pessoas sem formação profissional é o “Setembro Amarelo” (campanha de conscientização para prevenção dos casos de suicídio que acontece no mês de setembro em todo o país), que aborda justamente esse tema de suicídio. Eu amei trabalhar nesse projeto. Precisamos dá essa informação, já que a saúde mental ainda hoje é vista como tabu, porque quem procura são taxadas de pessoas doidas, sendo que não é assim. Apenas 1% dos nossos pacientes de saúde mental tem algum tipo de loucura, sendo que esses quando medicados são pessoas normais como qualquer outra. Em pleno século XXI, têm pessoas que não entendem o propósito disso tudo e ainda não se informam o porquê disso. Tendo voluntários é uma chance de representação comunitária e de demonstração que todos são bem-vindos para fazer o bem, que as portas estão sempre abertas e que estamos sempre à disposição não só da cidade, mas também da região. Ensinar as pessoas para esse trabalho é o que desejamos, onde a conscientização pode alcançar o público de uma forma maior. Às vezes, temos que pensar que vai chegar um momento em que a demanda vai ser tão grande que não vamos dar conta e precisaremos do apoio da sociedade para ajudar na prevenção ao suicídio e à depressão, considerada o mal do século. E podem ajudar de várias formas, desde recomendar o local para atendimento até mesmo se disponibilizar para levá-lo até o centro de tratamento. Essas pequenas ações, que, `as vezes, não valorizamos, têm grande importância não só para mim como profissional, mas principalmente para as outras pessoas que precisam desses cuidados.

Equipe organizadora da entrevista coletiva: Luana Fonseca, Lucas Milhomem, Lucas Oliveira e Talison Fernandes