As pedras no caminho da escola

Gravidez, trabalho e desmotivação são causas da evasão escolar, que levam jovens a procurar a modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA) para conciliar emprego e estudo

Por Inghrid Keith Borges, Renata Coelho Mateus, Vitória Castro Andrade

“No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho”. Assim, como na máxima de Carlos Drummond de Andrade, alguns alunos encontram dilemas e obstáculos, as famosas “pedras no caminho” que dificultam a permanência desses alunos em sala de aula, especialmente para os que buscam acelerar o acesso à escola por meio dos programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA).

 Na década de 1940, o Governo Federal criou o sistema de Educação Jovens e Adultos, que permite que jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso ou desistiram do ensino regular, mesmo com a idade avançada, retornem aos estudos e o conclua em menor tempo. Dessa forma, poderão buscar melhores oportunidades no mercado de trabalho, que está cada vez mais exigente. É uma forma de reestabelecer a dignidade desses estudantes, afetada pela ausência de um aprendizado básico escolar. É o que avalia a pedagoga Rosimar Locatelli, mestre em Letras, na área da língua e da literatura, pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).

“A gente precisa sempre está mostrando para eles que é possível vencer mesmo com a idade, com as dificuldades. uma possibilidade de você vencer esse processo e realmente conseguir uma formação adequada, conseguir chegar ao mercado de trabalho, se formar”, analisa. A pedagoga comenta sobre a evasão e desistência dos estudantes:

 

Pão de cada dia

Vinicius Matos Amorim, 20 anos, estudante do EJA na escola Imperador na cidade de Imperatriz do Maranhão, relata as dificuldades e as razões que o fizeram retomar os estudos. “Eu saí porque eu comecei a trabalhar cedo, preferi trabalhar de que estudar, porque estudando eu só iria trabalhar um horário”. Para Vinicius, o seu maior empasse para continuar os estudos foi por motivo de não conseguir conciliar a escola e o trabalho. “O EJA é mais rápido”, afirma o estudante.

Uma realidade cada vez mais crescente no Brasil é a evasão escolar. De acordo com o monitoramento do Todos pela Educação, com base na Pnad Contínua, do IBGE, quase quatro em cada dez jovens de 19 anos não concluem o ensino médio por vários motivos, como gravidez precoce e o trabalho.

Por esses motivos, muitos jovens optam pelo EJA, sobretudo no período noturno, visto que conciliar uma rotina de trabalho com estudos é desafiador. Assim, para retornar à sala de aula, parte deles prefere uma forma mais rápida e com qualidade para que não sejam prejudicados.


             Vinícius não conseguiu conciliar emprego e estudo

Entre mamadeiras e livros

O dilema da gravidez precoce é um dos fatores da evasão escolar, porque com a chegada do primeiro filho, muitas jovens se afastam da sala de aula para cuidar dos bebês. De acordo com a Fundação Abrinq, quase 30% das mães jovens, com até 19 anos, não concluíram o ensino fundamental, ou seja, estudaram menos de sete anos.

No entanto, para Andressa de Castro Silva, de 21 anos, ter sua primeira filha não foi um empasse, a desmotivação antes da gravidez foi que a fez deixar de lado os estudos. Porém, com o passar dos anos, ela decidiu voltar para a escola e encontrou nos professores e nos pais apoio para essa decisão. “Eu levo ela para a escola, sem nenhum problema”.

O caso de Andressa é um exemplo da importância das políticas públicas para ajudar as adolescentes a retornarem aos estudos. “Eu engravidei com 18 anos e, com 19, eu decidi voltar para a escola, depois de passar um tempo longe”, diz Andressa.

 

Incentivadores e mestres

A retomada dos estudos pode ser uma atividade bem difícil e encontrar um equilíbrio entre trabalho, estudo e família pode parecer uma missão quase que impossível. No entanto, muitos alunos encontram em seus professores um alicerce para continuar e não desistir. Assim diz Alysson Rodrigues, de 32 anos, estudante do EJA no Centro de Ensino Delahê Fiquene. “Ainda sinto muita dificuldade para conciliar, mas os professores nos motivam muito, nos ajudam. Para falar a verdade, eu, pelo menos, estou aqui mesmo porque eles não deixam a gente desistir, pois mesmo com a carga horária de trabalho tudo é complicado”. Alysson parou de estudar em 2005, pois decidiu se casar e encontrou uma complicação para manter trabalho e estudo. No entanto, hoje seu pensamento em relação aos estudos se transformou, visto que ele enxerga uma necessidade para o seu crescimento pessoal e profissional. “Eu preciso do meu ensino médio para continuar os meus estudos, possivelmente fazer uma faculdade ou um curso técnico, para me especializar e me adequar ao mercado de trabalho”.

O professor, em um país que o desvaloriza tanto, é um esteio para que parte da juventude continue na escola. A prova da desvalorização é a pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que apontou que o Brasil é o que paga o pior salário para os professores do ensino fundamental ao médio, entre 40 países ou sub-regiões membros da organização. Os mestres, em meio ao descaso para exercerem sua profissão, resgatam jovens e os ensinam a reescreverem seu futuro. Como diz o escritor Monteiro Lobato, “um país se faz de homens e livros”.

Edição: Roseane Arcanjo Pinheiro

Foto/abertura: reprodução

Reportagem especial produzida para a disciplina Técnicas de Reportagem (2019.1)