“Vai ter drag gorda, sim”: entrevista com o ator e DJ drag Thales Melo

Texto de Rennan Oliveira

Fotos de Kaio Henrique

 

 

 

O ator e DJ drag Thales Melo, 24 anos, começou sua vida artística em 2012 quando entrou para o teatro pelo antigo grupo Artback, hoje inexistente no mundo das apresentações. O teatro ajudou a consolidar sua personagem drag, Ravenna Bombom, quando aperfeiçoou suas técnicas em maquiagens em uma nova companhia. Em 2016 Ravenna se tornou independente dos palcos do teatro, passando a atuar também em festas LGBTQ+ como deejay set. Sua personagem drag carrega um discurso de empatia e aceitação do próprio corpo. Quando iniciou sua carreira como DJ enfrentou barreiras e preconceitos por causa do seu corpo. Ravenna Bombom é a primeira drag queen da região tocantina a assumir uma identidade “gorda”. A personalidade que carrega é importante para o movimento em nossa região, já que ainda existe muito preconceito dentro e fora do meio.

Melo viu a importância do empoderamento “gordo” quando percebeu que o movimento plussize não comtemplava todos que se sentiam fora do padrão. Desde a infância ouvia comentários preconceituosos sobre seu corpo. Em sua fase adulta percebia ainda muito presente o preconceito, então a ideia de fortalecer a personagem Ravenna fora dos palcos do teatro. O palco sempre ajudou Melo com sua personagem, Ravenna é um alter ego muito diferente do seu criador, livre, fora de uma caixa, podendo expressar sua arte sem se importar com comentários. “A Ravenna é a melhor parte de mim mesmo, ela me deu uma liberdade de me expressar e comunicar maior que o teatro”, defende.

A música pop carregada de amor próprio e aceitação está sempre presente em seus sets. O mundo dos DJs ajudou a forma de expressar seu empoderamento com músicas que afirmam em suas letras a identidade drag, negra e gorda.

Imperatriz Notícias – Como você se interessou pelo mundo drag?

Thales Melo – Eu comecei fazendo teatro, então foi quando eu tive contato com perucas e maquiagens, mas até então não conhecia sobre a cultura.  Com o teatro me identifiquei bastante e comecei a aprimorar técnicas de make para apresentações aí descobri o que é ser drag.

IN – Quando surgiu a ideia de criar a Ravenna Bombom?

TM – A Ravenna foi um processo um pouco lento, eu comecei assistindo Rupaul’sDragRace, sou da geração das “filhas da Rupaul’s” como algumas drags se denominam. Mesmo trabalhando encenando eu fiquei com muito medo de iniciar a arte drag, então eu pensei “as pessoas pagam pra me ver em um palco, mas quem vai me pagar pra me ver tocar em uma festa?” o processo de criar minha personagem começou em 2014 eu só vim colocar em prática em 2016.

INVocê é a primeira drag de Imperatriz a assumir uma identidade “gorda”. Por que gorda e não plussize?

TM – Eu não gosto do termo plussize por conta de uma marca que lançou uma campanha de plussize com modelos vestindo 42. Isso não é ser plussize, e sim mulheres magras só um pouco acima do peso. É por isso que sempre falo: a Ravenna é uma drag gorda. Nunca falei gordinha, plus, ou algo do tipo. Eu sempre ouvi que a palavra gordo é uma ofensa e quando você pega aquelas pedras que te machucam e constrói a tua parede, a tua base com aquilo não tem por quê te machucar.

INQuais foram as principais referências para a transformação da Ravenna?

TM – É complicado dizer, eu saí catando um pouco de cada coisa e o que estava ao meu alcance. Por exemplo, eu amo a Kim Chi, ela é uma drag gorda, eu quero me inspirar nela, mas não está ao meu alcance fazer algumas coisas que ela faz. Uma drag da região que me ajudou e que eu pego referências é a Sara Summer, ela é minha mãe drag e me ajudou em algumas coisas que sei hoje.

INA aceitação do próprio corpo sempre foi algo presente em seus discursos. Essa aceitação veio com sua drag?

TM – Sim, não é atoa que o sobrenome da Ravenna é Bombom. Isso surgiu em uma apresentação de uma peça em outra cidade, um integrante da companhia que trabalho virou pra mim e disse que eu precisava de um nome de drag. Então eu decidi que ia ser Bombom e ele perguntou o porquê. Eu respondi que todo mundo que tá de dieta come um bombom escondido, por que as pessoa tem vergonha do seu corpo e de dizer que gostam de gordos.

INMas o seu discurso só contempla pessoas gordas?

TM – Antes eu achava que sim, e com o tempo eu comecei a ver que não era. Quando eu vou tocar em festas um monte de gente me puxa pra conversar pra falar que se inspira na Ravenna, pela força da Ravenna e aceitação. Outros desabafam bastante. O mais interessante são pessoas que estão dentro de um padrão falar que não gostam de seus corpos ou aparência e que a Ravenna é um exemplo de amor próprio. Eu comecei um discurso de gordos para gordos e acabei abraçando outras pessoas que eu não imaginava.

“Ser drag é um ato político”

INCom a evolução da Ravenna como hoje você a define?

TM – Eu não defino um estilo, ela é algo. Pode ser qualquer coisa. No início, quando comecei a me montar, eu tinha uma peruca ruiva e todos me amavam usando ela e quando vendi muitas pessoas diziam que eu iria matar a Ravenna, que a peruca ruiva era minha marca registrada. Então eu disse: “gente, a Ravenna não é só uma peruca, não é uma maquiagem, não pode limitar ela dessa forma”. Eu tento fugir das definições.

INHá dificuldades financeiras para manter uma drag?

TM – É puxado, o cachê é pouco e o custo de manter uma drag é alto. O cachê é 120,00 reais e uma peruca é 300 reais. Então tive que tocar três noites para comprar uma peruca. Atualmente descobri alguns sites baratos, mas se por na balança a Ravenna já gastou muito, mas eu me sinto recompensado quando chego em festas e vejo o carinho do público, eu gosto do contato com as pessoas, a reação delas.

INComo lida com o preconceito por ser gorda e drag?

TM – Já lidei muito antes, não por ser drag, mas por ser gorda. Quando fui tocar em outra cidade, algumas pessoas me olhavam com um tom de deboche, torto, porém eu não me deixei abalar, depois quando eu soltei um set (lista de música), as mesmas pessoas que me olhavam torto e com ar de deboche, pediram pra tirar foto comigo falando que adoraram meu setlist. Aqui em Imperatriz já escutei comentários gordofóbicos.

INEsses comentários não te afetam?

TM – Não me afetam mais, acho que na minha infância isso me abalou fortemente a ponto de eu vomitar depois das refeições por que eu almejava a magreza, porque ser gordo era ruim. Eu firmei minha rocha aqui e hoje afirmo que sou drag e gorda sim, ser drag é um ato político.

INQual a importância do empoderamento e aceitação do próprio corpo em meio ao cenário LGBTQ+ na nossa região?

TM – De suma importância. Pessoas se matam diariamente por não se aceitarem, por serem ditos esquisitos demais. É muito difícil entrar em uma roda de amigos e não ver pessoas que não sofram com depressão e ansiedade. Então, você carregar um discurso de auto aceitação, e de que as pessoas devem se amar da forma que elas são é muito importante. E é disso que fortaleço minha rocha.