Quem disse que balé é só para mulheres? Entrevista com o bailarino Bruno Cantanhede

Por Adriana Pontes

Fotos: Acervo pessoal

"Minha família sempre soube que eu dançava. Mas no início, pra falar que estava dançando balé foi um pouco difícil"
“Minha família sempre soube que eu dançava. Mas no início, pra falar que estava dançando balé foi um pouco difícil”

 

O senso comum costuma associar a dança, principalmente o balé, como sendo “coisa de mulher” e que homens não deveriam estar envolvidos nisso. Esta visão provoca o distanciamento de muitos meninos, que acabam desistindo do próprio sonho por não encontrarem apoio na sociedade, amigos e por vezes na própria família. De acordo com a bailarina e proprietária da escola de danças Dançarte de Imperatriz, Márcia Gabriela Mota, para cada 20 bailarinas há um bailarino na cidade. Mostrando assim a enorme diferença que existe entre homens e mulheres nesta dança, que é vista ainda com muito preconceito pelos homens e pela sociedade em geral. E é lutando contra o preconceito que bailarinos como Bruno Cantanhede estão conquistando cada vez mais espaço.  Ele é um dos bailarinos da companhia de dança do estúdio Djane Monteiro que fica em Imperatriz. Bruno já se apresentou em espetáculos como “Quebra nozes e o rei dos ratos” em 2014 e “O reino encantado dos sonhos” em 2015; apresentados no Teatro Ferreira Gullar em Imperatriz. Participou ainda do festival de dança “Dança Pará”, que acontece todos os anos em Belém- PA e premia os melhores bailarinos, coreógrafos, bailarinos revelação etc. Com o desejo de crescer e aprimorar a dança, o bailarino conta que tem investido em ensaios, aulas e workshops de dança como o ministrado pelo reconhecido maestro da Companhia Brasileira de Dança Jorge Teixeira em São Luís. Nesta entrevista, Bruno conta um pouco dos preconceitos e dificuldades que encontrou, e ainda encontra, no percurso para dançar balé masculino e dá dicas aos rapazes que sonham em entrar nesta dança. Confira!

 

Imperatriz Notícias – Como o balé entrou na sua vida?

Bruno Cantanhede – Desde que me entendo por gente sempre gostei de dançar. Sempre gostei de estar envolvido com a arte, com o teatro e com danças que tinham na escola. Só que nessa época ainda nem me imaginava fazendo balé. Nunca tinha nem pensado em entrar pro balé, mas quando entrei me apaixonei desde a primeira aula que fiz. Ali, na primeira aula, quando coloquei minhas mãos na barra para fazer os primeiros exercícios, foi onde nasceu um sonho de seguir uma carreira no balé. Isso me transformou, eu acredito, em algo bem melhor. Acho que se eu não tivesse encontrado a dança naquele tempo, não seria quem sou hoje.

N – Quando se fala em balé, as pessoas geralmente associam a ideia de uma menina, mulher dançando, e não um homem. Como sua família reagiu quando você decidiu que iria dançar balé?

C – Pra mim, essa ideia de associar o balé apenas às meninas, ou que imaginam só uma mulher dançando é, digamos, machista. Desde criança nós aprendemos que menina tem que fazer balé e menino tem que jogar futebol. Eu nunca tive isso. Minha família sempre soube que eu dançava. Mas no início, pra falar que estava dançando balé foi um pouco difícil. Depois que souberam e viram que isso era o que eu realmente queria não falaram nada. Meu pai até questionou o que eu estava fazendo todo dia indo pra escola de dança. Ele começou a perceber mais ainda quando comecei a viajar pra dançar e competir. Então minha mãe falou pra ele o que estava acontecendo, mas hoje ele aceita sem problemas. Eu também gostaria de deixar claro que a dança não tem nada a ver com sexualidade, até por que no mundo da arte, nós costumamos dizer que, o artista não tem sexo, mas que somos apenas artistas.

"Aqui no Brasil que ainda tem muito disso, de balé ser coisa só de mulher, mas em países como a Rússia e China, por exemplo, não é visto dessa forma"
“Aqui no Brasil que ainda tem muito disso, de balé ser coisa só de mulher, mas em países como a Rússia e China, por exemplo, não é visto dessa forma”

N – Em Imperatriz a proporção é de um bailarino a cada 20 bailarinas. Apesar do número ser baixo, no passado era ainda menor. Em sua visão, por que o número de homens no balé aumentou?

C – Eu acredito que por causa da aceitação tanto familiar, quanto da própria pessoa em não se importar com as opiniões contrárias. Hoje as pessoas pensam mais se isso é algo que ela gosta, se é algo que ela realmente ama fazer. Aqui no Brasil que ainda tem muito disso, de balé ser coisa só de mulher, mas em países como a Rússia e China, por exemplo, não é visto dessa forma. Lá os meninos começam a fazer balé desde cedo sem sofrerem discriminação por isso. Acredito, também, que hoje a visibilidade do balé masculino é maior, e isso influência pra que mais homens estejam dispostos a fazer a dança.

I.N – Você já sofreu algum tipo de preconceito por parte da sociedade por ter escolhido o balé?

C – Ô minha filha! E como já sofri. Quando você está dançando, fazendo sua coreografia as pessoas olham diferente pra você, como se fosse estranho um homem dançar balé. Mas isso não acontece necessariamente só no balé, mas em quase todas as danças, e nós não devemos nos importar com isso, porque se você for dar importância pro que estão falando e a forma como estão te olhando você pode acabar não seguindo o que quer.

I.N – Mesmo dizendo não se importar com as opiniões contrárias você já pensou em desistir do balé?

C – Sim. Já pensei em desistir várias vezes. Durante esses quatro anos de balé eu passei três meses parado, por várias coisas que aconteceram na minha vida. Eu acabei desistindo do balé, parei mesmo. Doía estar longe, foi um tempo em que eu estava precisando do balé porque me fazia bem, mas tive que parar. Depois desse tempo eu acabei voltando e desde então não parei mais.

N – O que te incentivou a voltar ao balé, após ter dado esse tempo?

C – O amor e a falta que o balé me fazia. Eu tinha saudades das dores que sentia nas aulas (risos).

N – Bailarinos homens têm alguma desvantagem em relação às bailarinas mulheres?

C – Sim. Mas eu atribuo as desvantagens não ao mundo da dança, mas sim a sociedade que é muito machista ainda. Querem ver mais as mulheres dançando do que homens, porém pra quem está no mundo da dança não tem desvantagem, pois as escolas estão à procura sempre de meninos do que meninas, pois ainda existe uma falta de homens nas companhias de dança.

N – Quais as maiores dificuldades em ser um bailarino masculino?

C – Apesar de já ter diminuído muito hoje, o preconceito ainda é uma das maiores dificuldades.

N – E benefícios? Existem para os homens que dançam balé? Se sim, quais?

C – Sim. A oportunidade é maior. Como o número de meninos é menor nas escolas de dança, quando aparece um menino as escolas fazem de tudo para que ele não desista.

N – O que o senhor diria pra os meninos e rapazes que sentem vontade de fazer balé?

C – Eu diria que se eles têm vontade, que sigam esse sonho. Se for o que eles realmente desejam, que nunca desistam, pois nós só temos esta vida pra viver e você não pode deixar que seus sonhos se destruam por preconceitos. Eu prefiro seguir este sonho, por mais que seja difícil, do que deixar passar e não viver isso. O que mais me completa ultimamente é ter a dança e eu não vou desistir dela. Se entreguem de corpo, alma, coração, espírito e acreditem que tudo é possível.