“Quem confunde maître com garçom não tem o hábito de andar em restaurantes”: entrevista com o maître da Cabana do Sol

Texto e fotos: Jean Camapum

“Eu atendo ele como se fosse o garçom até ele perceber que tem garçom no estabelecimento e que tem maître também”

Francisco de Assis Alves, natural de Floriano no estado do Piauí, mudou-se para Imperatriz com 17 anos. Concluído o Ensino Médio, veio para a cidade às margens do rio Tocantins com a intenção de conseguir uma oportunidade que sua cidade natal não oferecia. Chico, como é mais conhecido pelos seus colegas, é maître de um dos restaurantes mais bem avaliados da cidade de acordo com o site TripAdvisor e Google Maps, a Cabana do Sol. Maître é uma palavra francesa que significa mestre. Ela faz referência ao profissional responsável pela supervisão dos trabalhos realizado pelos garçons. Maître é quem recebe as pessoas no restaurante, faz sugestões de pedidos e vinhos. Francisco é maître há 30 anos e se encantou com o ramo ao visitar um hotel High Society de Imperatriz na época. “Um dia eu fui jantar com os meus tios no hotel Anápolis e me impressionei com todo aquele glamour, eu realmente me impressionei com aquilo, tive uma sensação deslumbrante”, lembra. Ficou tão impressionado que quis fazer do encantamento uma profissão. Foi para São Paulo, no hotel-escola Senac aprender sobre o ofício e trabalha no ramo desde então. Maître da Cabana do Sol há 25 anos, revela nesta entrevista detalhes de como começou essa paixão, curiosidades sobre o que é ser maître, as situações constrangedoras que ele passa diariamente, como agradar um cliente e os seus planos para o futuro. Confira.

 

Imperatriz Notícias – O que significa ser um maître?

Francisco de Assis Alves – Ser um maître é um cargo bem alto em uma hierarquia de empresa de gastronomia. Há muita reponsabilidade, muita cobrança e exige muita curiosidade. Você sempre tem que procurar se atualizar, se informar, porque existem tendências no mundo gastronômico que são muito velozes. Desde a hora que eu levanto, já vou para o espelho fazer minha barba, olhar o cabelo, cuidar muito bem do visual, escolher uma roupa daquele dia. Você tem que ter vários ternos, calças, sapatos, você tem que está muito bem apresentado e muito limpo. Não somente para o cliente, também para o seu funcionário que está fazendo parte da tua equipe, para ele copiar você, para no futuro ele ser um profissional e chegar a esse nível.

I.N – Então o maître é topo na hierarquia da gastronomia?

F.A.A – Na área da gastronomia é o topo. Primeiro vem o cumim, que é aquela pessoa que inicia hoje para ser um garçom e vai passar 6 meses sendo lapidado. Se ele realmente quiser, a gente fica fazendo treinamentos com ele, físicos e psicológicos, para ver se ele tem condições de ser um bom profissional. Por exemplo, entrou uma pessoa aqui hoje para ser garçom, ele é totalmente leigo e muito jovem, você começa a trabalhar o psicológico dessa pessoa e o físico também, para ver se ele também tem aptidão praquilo.

I.N – Tem muita desistência de cumim?

F.A.A – Tem muitas. Aqui, a gente pega por ano, cinco a seis cumim. Quando o ano é muito bom, você aproveita um ou dois. Hoje, você está na faculdade e a cobrança vai aumentando e mudando, na empresa não é diferente, tem uma hora que você chega no cargo e começa a modificar a cobrança, fica mais intenso.

“Você passa situações de aperto porque você trabalha com gente”

I.N – No início da sua carreira, você passou por alguma dificuldade?

F.A.A – Sempre fui uma pessoa muito privilegiada. Quando cheguei aqui em Imperatriz, vim para a casa de parentes. Um dia fui jantar com eles no hotel Anápolis e me impressionei com todo aquele glamour. Aí eu fui no dia seguinte, falei com ele que queria trabalhar nessa área. Na época não tinha currículo, era indicação, então pedi para me indicar na gerência e com uma semana foi lá em casa me chamar. Já que eu não tinha dinheiro, meu tio perguntou o que era para comprar e depois pagaria a ele. Comprei sapatos, calças e comecei a trabalhar.

I.N – As pessoas já confundiram você com um garçom?

F.A.A – É muito comum. Eu sempre digo que quem confunde são pessoas que não tem o hábito de andar em restaurante para diferenciar o maître do garçom. Quando o cara tem o hábito ele chama o maître, mas tem pessoas que chegam meio grosso e chama “ô garçom”. Eu atendo ele como se fosse o garçom até ele perceber que tem garçom no estabelecimento e que tem maître também.

I.N – Você já passou por alguma situação complicada durante a sua carreira como maître?

F.A.A – Isso é diário. Você passa situações de aperto porque você trabalha com gente. São dois ambientes lotados, então você serve em média 100 pratos no almoço, é impossível sair 100 pratos sem uma falha. Ás vezes o cara fala que pediu um prato com pouco sal e veio salgado. Então você tem que se rebolar para arrumar aquele prato, principalmente o peixe, que dá muito problema. Agora você imagina, o cara esperou 30 minutos por um prato e o prato não vai do gosto dele. Você tem que chegar na cozinha e administrar a cozinha que está todo mundo em um inferninho. Eu sempre chamo a cozinha de inferninho, porque tem uma braseira que grelha as carnes, está com 10 bocas de fogo acesa, cada um com uma panela. Quando chego lá, bato palma, falo atenção e todo mundo já olha. Aí falo, olha, aconteceu uma falha nesse pedido e todo mundo corre como se o cara tivesse dado um infarto, todo mundo corre para fazer aquele prato.

I.N – Você deve saber fisionomia de quase todos os clientes fixos da Cabana do Sol. Caso você se depare com uma pessoa que aparenta ser a primeira vez que frequenta o estabelecimento, o que você faz para conquistar esse cliente para que ele possa voltar mais vezes?

F.A.A –  Eu falo para minha equipe que é um grande achado quando o cliente chega no restaurante e pergunta onde é o banheiro. Esse cara nunca andou com a gente, nunca esteve aqui. Então a gente já procura agradar. No primeiro contato, a gente tem que fazer tudo direitinho, certinho, com todo cliente na verdade, mas com o primeiro a gente procura sempre dar aquele famoso capricho. Eu costumo falar que quando um cliente chega procurando um banheiro, ou procurando que horas o restaurante abre e fecha, é cliente novo, vamos caprichar no atendimento desse cliente para que ele se impressione e que volte sempre. Nosso objetivo é sempre conquistar um cliente novo a cada dia para aumentar o nosso estoque de cliente da casa.

I.N – Como você se sente ao saber que é o maître de um dos restaurantes mais bem avaliados da cidade?

F.A.A – Não sabia disso, isso é novidade. Bem, para mim não altera nada, isso é rotina. A gente procura fazer sempre o melhor que sabe.

I.N – Com tantos anos de serviço, você deve estar próximo da aposentadoria. Você vai continuar trabalhando nesse ramo ou vai ficar em casa, curtindo a família?

F.A.A – Com certeza eu vou curtir mais a minha família, mas eu não quero largar esse ramo nunca. Já estou me preparando para virar um consultor de restaurante através do Sebrae e qualificando meu inglês. Eles querem me usar para qualificar a rede de restaurantes aqui no nosso Tocantins, no nosso Sul do Maranhão. Tem um projeto de fazer uma qualificação em todas as barracas, lanchonetes onde o turista passa. Quero me dedicar a isso, mas nunca largar a área.