O ponto mais frágil da violência pública de Imperatriz é a Polícia Civil, garante delegado Andrade

Texto e fotos de Thaynara Leite

"Há muito que fazer, são muitos anos de descaso, muita propaganda e uso da mídia por governos que buscam passar a sensação de que as coisas funcionam"
“Há muito que fazer, são muitos anos de descaso, muita propaganda e uso da mídia por governos que buscam passar a sensação de que as coisas funcionam”

Nascido em Pernambuco, na cidade Limoeiro, o delegado Carlos Cézar de Andrade, é hoje o responsável pela chefia das investigações dos crimes na primeira delegacia de Polícia Civil de Imperatriz. E, ao que parece, uma responsabilidade nada fácil: em 2016 foram registrados 2.940 boletins de ocorrência com acusações de roubo, e entre o primeiro dia de 2017 até o dia 27 de abril, já foram registrados 874 casos de roubo e 32 casos de homicídios. “Eu, particularmente, tenho experimentado o trabalho em unidades policiais de muita dificuldade, em face de muita demanda e a estrutura muito aquém do necessário”. Com experiência comprovada nos seus mais de 19 anos de trabalho em delegacias como

das cidades de Nova Olinda do Maranhão, Santa Luzia do Parauá, Açailândia, Mirador e atualmente está em Imperatriz, o especialista em processo civil, nessa entrevista, conta sua opinião política acerca do polêmico assunto do porte de arma, além de detalhar mais sobre os procedimentos das investigações de inquéritos, conduzidos por ele na cidade.

Imperatriz Notícias: O que é mais frustrante para a profissão de delegado?

Carlos Cézar de Andrade: Não conseguir realizar a contento o que existe a ser feito. A histórica precariedade da estrutura dos órgãos de segurança, principalmente da Polícia Civil, se vê em todos estados da Federação. A par disto, percebe-se um investimento bem maior na Policia Militar, investimento este que tem até que ser aumentado, porém, seria bom que houvesse um pouco mais de equilíbrio entre os orçamentos destas instituições, pois, do modo que tem sido esta preterida a investigação. Isto é um desastre para a segurança pública, na medida em que compromete uma fase tão relevante da persecução penal, a investigativa. Não adianta apenas prender e trazer para as delegacias o agente do delito e não adianta a vítima ou qualquer interessado comunicar o fato criminoso à polícia civil, se esta carece de estrutura para o desenvolvimento da apuração. Em comparação a governos anteriores, há no Maranhão um investimento considerável na Polícia Militar, e nesse ponto se tem acertado; mas ainda deixa a desejar muito com relação à Polícia Civil.

IN: Como nem todos os casos são possíveis de investigação, qual o limite para a investigação de dados? O que faz uma investigação ser interrompida e outra ser priorizada?

CC: Os crimes de maior gravidade, naturalmente, ganham alguma priorização. Mas não apenas. Como eu dizia, a estrutura da Polícia Civil é muito precária. Eu, particularmente, tenho experimentado o trabalho em unidades policiais de muita dificuldade, em face de muita demanda e a estrutura muito aquém do necessário. Sobre a questão da precedência da apuração, por exemplo, a gente vê algum tipo de possibilidade de solução em dado caso, que não vislumbra tão seguramente em outro, e esse tipo de condição leva a um imediato empenho num caso assim. Quando você chega à delegacia e tem 800, 600, 500 inquéritos para conduzir, presidindo-o sozinho, e você apanha alguns inquéritos que versam sobre crimes gravesmas sem a perspectiva de imediata solução, e, frente a outros inquéritos cujos elementos de prova estão ali, bem ao seu alcance, ou se o indicado se encontra preso, você se dedica antes a estes, o que leva a algum prejuízo ao andamento de casos até mais graves. Ora eu tenho uma requisição ministerial ou judicial com prazo para cumprimento de 48 horas, às vezes 5 dias; ora eu tenho um inquérito que tem o indiciado preso, o qual, por força de regramento legal deve ser tratado com especial celeridade. Enfim, a gente encontra uma estrutura em que é muito difícil realizar a contento as tarefas

"O clamor público não pode ser ignorado, tem alguma relevância, no entanto não pode simplesmente determinar os caminhos da investigação"
“O clamor público não pode ser ignorado, tem alguma relevância, no entanto não pode simplesmente determinar os caminhos da investigação”

IN: Clamor popular interfere na investigação?

CC: Interfere, mas depende muito da autoridade que preside essa investigação e as autoridades que com essa investigação venham a se relacionar, como o Ministério Público e o Poder Judiciário. Algumas autoridades cedem mais a esse clamor público, outras cedem menos. O clamor público não pode ser ignorado, tem alguma relevância, no entanto não pode simplesmente determinar os caminhos da investigação. É preciso ter personalidade e adotar uma postura responsável, técnica, e não apenas “jogar pra plateia”.

IN: Com tanta dificuldade, como fica sua atenção ao tratamento às pessoas que vão a delegacia prestar queixa ou fazer um boletim de ocorrência?

CC: Há preocupação, sim, naturalmente. Dentro dessa estrutura deficiente, há muito boa vontade. Mas o particular que precisa registrar uma ocorrência, que precisa ser ouvido pelo delegado e que quer uma investigação, não deixa de encontrar dificuldades. Como eu dizia, em geral a gente não consegue deixar de todo satisfeito. Mas há um esforço. Somos todos seres humanos, somos educados e em sua maioria preparada pra o melhor servir. Situações de estresse a gente vive muito frequentemente, face às características do trabalho policial e esta estrutura que tanto nos exige e a carência de recursos leva algumas vezes a avaliação de que o atendimento não foi o ideal. Entretanto, se descontados estes fatores, muito pouco tem deixado a desejar. Importante seria a existência de um ambiente mais aconchegante para quem venha à delegacia, em qualquer condição, diria eu, mesmo para o preso. Há muito que fazer, são muitos anos de descaso, muita propaganda e uso da mídia por governos que buscam passar a sensação de que as coisas funcionam.

IN: Qual análise o senhor pode fazer da segurança pública de Imperatriz?

CC: Eu diria que o ponto mais frágil é a Polícia Civil, com sua deficiente estrutura. Frágil é a precariedade do investimento. Você tem os policiais militares presentes nas ruas, fardados e com seus veículos que devem sempre estar caracterizados como viatura policial, evitando, repreendendo vigorosamente a criminalidade. Da ação destes há imediatamente uma certa intimidação. A polícia ostensiva, sobretudo inibe o infrator menos discreto, como o assaltante de rua e de comércio, de banco. Porém, mesmo nestes casos, terá ensejo a necessidade do trabalho da Polícia Civil. Agora, o hacker, o estelionatário, o sonegador de tributos, que pela natureza mesma de suas condutas delituosas agem com discrição, esses passam em sua maioria totalmente imunes à polícia ostensiva. De novo, não adianta trazer o infrator preso, seja por quem for feita a prisão, e a polícia judiciária não ter condição de dar seguimento à investigação. Isto fatalmente leva a impunidade e muitos criminosos percebem isso. Como delegado, posso dizer que a Policia Civil está sob necessidade de urgente socorro, o que é necessário toda a sociedade, e não apenas para o delegado, o escrivão e o investigador no exercício de suas funções.

IN: A unificação das polícias seria positiva no procedimento das investigações?

CC: Não me julgo em condições de opinar com segurança em relação à unificação das polícias. Nunca fiz uma análise aprofundada e é um tema bem difícil. Talvez, haveria um ponto positivo, pois as instituições na maioria das vezes trabalham com vaidade. A Polícia Civil que hoje está tão pequena que não consegue fazer essa promoção da imagem como instituição. Mas o que eu vejo é que a Polícia Militar, pelo elevado número de policiais na rua e pela liberdade que tem se dado ao proceder nas investigações, ao me ver, quase sempre uma ilegalidade, ela muitas vezes tem informações que não chegam à Polícia Civil.

IN: No seu ponto de vista o porte de arma para o cidadão comum seria uma alternativa para solucionar a violência?

CC: Não, no meu ponto de vista só vai aumentar a violência,a permissividade ampla para o porte de arma. O cidadão comum em geral não está preparado para isso e nem é plausível que vir a estar. Já vi muitas situações em que o ladrão vai investir na subtração, pelo furto ou até pelo roubo, da arma de indivíduos com porte. Até contra policiais. As ações do agente criminoso normalmente são de surpresa. Ainda há que se pensar noutros inconvenientes, como uma série de acidentes dentro de casa, suicídios. Eu sou contra.

IN: Para o senhor, qual a causa da frágil segurança pública de Imperatriz, visto que o número de homicídios desse ano já chegou a 32 casos? Não seria uma obrigação da policia civil juntamente com a militar dar segurança à população?

CC: Inegável que a polícia tem a obrigação de contribuir dentro dos seus respectivos papeis. Todo servidor público, todo agente de segurança tem que desempenhar suas funções com seriedade, empenho, e, de modo muito especial, estar disposto a muitos sacrifícios, onde em outras carreiras não se verifica. Essa obrigação temos, sim, e em geral eu acredito que ela é cumprida. Naturalmente, há casos e exceções lamentáveis; acredito que os policiais realizam suas funções com muita dedicação e gosto, mesmo porque, tenha certeza, a função policial para quem se dedica é apaixonante. Esses números tão negativos não se devem a falta de dedicação dos membros da policia civil e militar, que são os extremos de um processo de realização do serviço público de segurança. Índices alarmantes de criminalidade tem origem e fator determinante no ambiente de injustiça social, na falta de investimento em ações políticas amplas em prol da segurança pública. Nas falhas dos grandes administradores, dos governantes, na figura do legislador que não fiscaliza e nem legisla de modo realmente positivo, isto é, dos parlamentares altos gestores, da sociedade.