“Não é mais a quadrilha de Açailândia, é a quadrilha do Nordeste”: entrevista com o diretor da Junina Flor de Mandacaru

Repórteres: Lorena Marques e Valéria Rosa

Fotos: Arquivo pessoal do entrevistado

 

O que um arquiteto e designer poderia adotar como hobbie? Edilberto da Silva Alves escolheu participar do grupo de quadrilha“Flor de Mandacaru”em 2015, e desde então atua como diretor de arte e dirige os espetáculos.Hoje, com 30 anos, Beto, como é chamado, foi eleito o melhor marcador de quadrilha do Maranhão no Campeonato Estadual de Quadrilhas Juninas em Caxias. Edilberto foi o responsável pela temática que acumulou vários prêmios em 2019, sendo eles o primeiro lugar no XII Arraiá Brasil em Palmas no Tocantins; o bicampeonato do Arraiá da Mira em Imperatriz; conquistaram também a melhor colocação do Maranhão no concurso regional Globo Nordeste, que aconteceu em Recife; foi tetracampeã do Arraiá do Zeca Teixeira emGrajaú;campeã no concurso regional Fequajuma em Imperatriz; Campeã do Arraial Municipal de Dom Eliseu no Pará e ainda campeã Municipal em João Lisboa. Beto sugeriu que no aniversário de 10 anos a Flor de Mandacaru homenageasse a festa do Divino Espírito Santo que ocorreem Alcântara no Maranhão. Então, em 2019, eles trazem em suas apresentações uma releitura da festa que é chamada de “O Divino Sou Eu”.

A festa do Divino Espírito Santo de Alcântara é regada de tradições e religiosidade, acontece sete semanas após a Pascoa, durante a celebração de Pentecostes(Festa Cristã). Edilbertotrouxe para o espetáculo alguns dos fragmentos que marcam a festividade, como por exemplo as caixeiras, o mastro,a imperatriz e a visitação às casas dos brincantes. Além de relacionar passagens bíblicas ao espetáculo e relembrar a lenda da mulher de branco, contada pelo povo de Alcântara. A Flor de Mandacaru surgiu a partir de uma quadrilha junina chamada Cangaceiros de Sebastião, um grupo pequeno que fazia apresentações apenas para animar a comunidade católica de Açailândia, durante o período junino. Hoje, a quadrilha conta coma participação de 150 pessoas, entre dançarinos, diretoria e produção, possui uma costureira exclusiva para confecção de seus figurinos e reúne dançarinos das cidades de Imperatriz e Açailândia em um espetáculo que requer seis meses de ensaios e preparo antes de sua estreia no período junino.

O diretor de espetáculo conta que a produção da junina já está trabalhando na temática de 2020. “Já estamos trabalhando, a gente ainda está se despedindo de 2019 que foi muito intenso, a gente achou que tinha acabado em Alcântara, de repente fomos para Palmas e de repente voltamos com um título, então isso é muito forte, a gente ainda vai comemorar isso de verdade e começar 2020, mas já tem temática”, afirma Edilberto.

Em entrevista ao Imperatriz Notícias, Edilberto relembra alguns temas produzidos por ele, como “Meu Nome é Babaçu”, feito em 2015 em homenagem a luta das quebradeiras de coco babaçu; “PIPA: Nas Asas do Recomeço”, em 2016, relembrando a infância; e “Aos Vivos e às Flores”, em 2017, homenageando o sertão nordestino e o escritor Ariano Suassuna. Nesta entrevista,Edilberto fala ainda sobre religião, vida pessoal e sua atuação na direção da quadrilha.

 

Imperatriz Notícias: Quais influências direcionaram você, arquiteto e designer gráfico, para o universo junino?  

 Edilberto da Silva Alves: Olha, eu falo que o universo junino sempre esteve comigo, por que eu sempre gostei de festa junina.Acho que está muito enraizado na nossa cultura,sempre dancei quadrilha na escola, sempre gostei de arte e o universo da arquitetura está muito relacionado à arte, então eu não percebi se em algum momento tive que separar as coisas.Sempre gostei de ir ao teatro, de ver espetáculo, de assistir, e aí o universo junino apareceu, sei lá, como uma possibilidade de manifestar esse lado mais artístico.

 IN: Sabemos que a decisão do tema é feita pela direção artística da junina, e o senhor foi quem propôs o tema deste ano, o que lhe motivou nesta escolha?

 ESA:A festa do Divino Espírito Santo já tinha sido comentada em algum momentoalguns anos atrás e aquilo ficou muito na minha cabeça.Estava só esperando um momento legal para isso acontecer e quando chegou os 10 anos de Flor de Mandacaru eu senti que era o momento, por conta da força, da fé, da religiosidade. Uma festa popular também, uma festa que tem uma mistura de sagrado e de profano.Porque 2019, dez anos de Flor de Mandacaru, a gente precisa ter um espetáculo que emocione, que impacte.Apesar de não entender exatamente oque seria a festa do divino, por que o meu entendimento ainda era muito superficial, mas foi um acerto. A gente viveu dentro da quadra, dentro dos ensaios da festa do Divino, o amor, o respeito, o carinho, a tradição.Isso foi incrível.

 

IN:A flor de Mandacaru surgiu de um pequeno grupo que fazia apresentações para animar a comunidade católica durante o período junino, como o senhoranalisa e recebe essa transformação da quadrilha de igreja ou bairro para o espetáculo em grandes tablados e competições?

 ESA:Quando entrei na flor ela ainda era intermediará, já tinha saído da igreja, mas estava ali numa fase muito assim, e eu acredito muito que foi por uma falta de conceito no que fazia, fazia muito por que via.AFlor começou a parar de olhar para fora e olhar para dentro, aí ela se diferenciou, nós temos o nosso jeito de fazer.Eu acho que a quadrilha evoluiueacho isso muito legal, muito importante, como todo o processo.Não é mais a quadrilha de Açailândia, não é mais a quadrilha do Maranhão, é a quadrilha do Nordeste, que foi representar o Nordeste (Arraiá Brasil) e voltou com a premiação, está só colhendo os frutos do que a gente tem feito.

 IN:Como o senhor avalia o apoio e fomento às quadrilhas em nossa região?

 ESA:Hoje a gente começou a ter mais espaço, porque essa profissionalização e esse amadurecimento da quadrilha fez com que ela ganhasse mais respeito.Porque agora tem pesquisa, tem conceito, tem coreógrafo, tem um diretor, tem um figurinista, então as pessoas começaram a olhar de outra forma, hoje as empresas olham para a gente como marketing.Hoje a flor de mandacaru tem o apoio do Ministério da Cidadania,uma empresa que tem dedução fiscal, que está de acordo com o que o Ministério precisa, ela consegue patrocinar a flor, não é bem um patrocínio né, na verdade o imposto que ela ia pagar para o governo ela manda para a gente. Então eu estou lá dentro da empresa junto com o dono, junto com as pessoas, discutindo, aproximando, com essa evolução a gente começa a ter mais respeito, respaldo e retorno.Antigamente não tinha, esse ano a flor teve o patrocínio da Cemar, foi apoiada pela lei de sentido estadual.AFlor tem lei de sentido estadual e lei de sentido nacional, isso agora começa acontecer, mas antes não.

 IN: Então o senhor avalia como algo positivo e que está crescendo?

 ESA:Hoje nós estamos em uma transformação, estamos num processo.Mas está bom, está melhor.Hoje as empresas abrem as portas, muito por causa da profissionalização das quadrilhas, não é mais coisa de quem não tem o que fazer.

“Quando a gente pega um tema religioso para tratar é muito complicado porque as pessoas se sentem donas de Deus né”

 IN:As cidades em que a Flor de Mandacaru se apresentou possui a maior parte da população cristã, Imperatriz, por exemplo, somou 224,382 cristãos no último censo do IBGE. Em algum momento houve receio em trazer a festa do Divino como tema? Houve medo de mal compreensão ou repercussão negativa do espetáculo?

 ESA: Sim. Mas acho que sempre tratei de forma muito respeitosa todas as temáticas. Eu queria que na época as quebradeiras de coco olhassem e se identificassem, quando trabalhei as crianças foi um pouco mais livre, na peça do Suassuna eu queria que quem tivesse lido a peça identificasse, que quem fosse pesquisador da área identificasse, tenho essa preocupação. Quando a gente pega um tema religioso para tratar é muito complicado porque as pessoas se sentem donas de Deus né, então você vai falar de Deus aqui, mas tem que falar do jeitinho delas, se não o bicho pega. Mas parei e falei, não vou deixar de fazer por causa disso. Meu medo maior não foi esse, meu medo maior foi quando você vai falar sobre feminicídio, por exemplo, que se você pega grande parte dos cristãos, acham que isso é “mimimi”. Depois de um ano político terrível que a gente teve eu fiquei, e agora?

 IN:Como o senhor vê o espetáculo considerando o atual momento político-social do Brasil?

 ESA:Acho muito legal porque ainda é muito sutil, mas não deixa de ser um movimento.Quando você pega nosso espetáculo esse ano, tem uma menina dançando de menino, porque ela se veste, ela se sente, ela se porta, então ela vai como cavalheiro.Quando eu falo damas para cá, tem três travecão (travestis) e eles estão lá sendo respeitados, sendo admirados, valorizados, não existe nenhuma diferença, não existe piada, não existe nada.Você vir num espetáculo que fala de amor e de respeito como outro, que você vem falar do cristianismo da forma mais pura que é do amor, aí minha ideia foi as pessoas pararem para pensar um pouco.Por mais que seja muito sutil, não é um grito, não é um berro, mas acho que dentro da junina surtiu efeito,e fora as pessoas ouviram, no dia do lançamento elas ouviram, nos espetáculos elas ouvem.É um jeito sutil, mas deixa uma mensagem de respeito, de amor, de cumplicidade.

 IN: Então se configuraria como posicionamento político?

ESA:Acredito que sim.Eu não vou dizer que é uma revolução política, mas tem uma pegada política sim, de propósito, era um desejo fazer isso, mas sem focar muito. A gente contou a história do divino, mas trouxe uma discussão, abriu um debate, que eu acho legal, então é um posicionamento político sim.

IN:Há um momento no espetáculo que o seu discurso fala sobre um vento forte que encheu a casa e todos ficaram cheios de amor, o senhor viveu algo desse tipo em Alcântara? Alguma experiência espiritual, digamos assim?

 ESA:Olha, Alcântara foi muito incrível, Alcântara é muito espiritual. A Erli que é professora daqui (UFMA) já tinha falado, olha, quando você entra em Alcântara você pede permissão, quando você sair diz tchau para os seres divinos de Alcântara, sabe? Quandofalo lá sobre esse vento na verdade eu faço mais uma releitura sobre pentecostes (referência bíblica), porque a Festa do Divino EspíritoSanto termina no dia de pentecostes. Para mim, quando você fala sobre religião, você fala de Deus, e Deus é amor, por isso que eu faleique nós estávamos lá e ficamos cheios de amor, começamos a agir e viver conforme o amor nos conduzia. Depois eu falo nós somos o movimento junino e ele (Deus) nos diz ide por toda terra e pregai o amor e o respeito a toda criatura, quem crer e viver conforme o amor será salvo, mas quem não fizer será condenado.Também foi uma das passagens bíblicas que eu peguei, sempre substituindo a palavra Deus por amor, porque é o mandamento maior.Então,acho que foi mais ou menos essa a intenção e claro a religiosidade em Alcântara é incrível.

 IN:O espetáculo traz uma mulher negra e grávida com um papel de destaque, também narra certa oposição ao marido que trata a esposa como objeto e a abandona conforme a lenda contada em Alcântara, além de dados sobre mortes e agressões às mulheres, essa enfatização na defesa da mulher está associada as crescentes estatísticas de feminicídio e violência?

 ESA:Sim. Está ligada,a gente sempre discutiu sobre.Quando veio a história da mulher que era noiva, eu falei, então a gente pode abordar isso, porque não gosto que não tenha contexto.Existe outra quadrilha que as vezes lança sem contexto, aí eu fico, poxa só para falar? Que sem graça! No nosso caso é uma história real, é uma história de Alcântara, que eles contam.Uma mulher foi amarrada e exilada em uma ilha até morrer, então a gente viu aqui uma possibilidade de falar, por mais que algumas pessoas digam que é “mimimi” né, sobre feminicídio. A gente tem na nossa quadrilha muito forte a presença das mulheres, elas se sentiram muito representadas.

“A gente fala muito de minoria porque a quadrilha está em um lugar de minorias”

 IN: No espetáculo há um momento em que o senhor pede licença aos religiosos, mas a quadrilha acolhe e abraça os índios, os negros, os travestis, os homossexuais… Então a gente vê que a quadrilha está abraçando as minorias e, por isso, o questionamento, se a mulher em especial estaria ligada ao feminicídio?

 ESA:Exato.A gente fala muito de minoria porque a quadrilha está em um lugar de minorias.Ela está na periferia em todos os lugares que você for.Por mais que nas cidades maiores existam quadrilhas elitizadas, aqui as nossas quadrilhas são feitas e acontecem na periferia, nos bairros mais afastados.Então quando levei o texto, eu falei para a quadrilha, olha, nós vamos falar sobre os negros, os índios, os quilombolas, os homossexuais, os transexuais e sobre as mulheres.