“Isso aqui é um caldeirão”, diz Lília Diniz sobre o cenário cultural da cidade

Repórteres: Aline Leite e MichaellSousa

Fotos: Michaell Sousa

 

“Um ser humano à procura de respostas e em busca do autoconhecimento”, é assim que Lília Diniz enxerga a jornada que é a vida. Nascida em um povoado do interior do Maranhão e com uma educação forjada na literatura de cordel, possui atualmente seis livros publicados e um sétimo engatilhado para ser lançado, “Vozes de Mussambê”. Em, 2019, Lília Diniz completa 29 anos trabalhando e vivendo de cultura.

Formada em Artes Cênicas, pela Universidade de Brasília (UnB), com pós-graduação em Gestão Cultural e elaboração de projeto, e concluindo Metodologia do Ensino Superior; Lília Diniz, 46,além de poeta, atriz, musicista e interprete, também é membro da Academia Imperatrizense de Letras, integra o elenco do grupo de teatro Mamulengo Fuzuê de Brasília, além de ser fundadora e coordenadora de projetos da Associação Casa das Artes em Imperatriz.

Com vínculo bastante forte com a área de Direitos Humanos, e com orgulho da sua regionalidade, as temáticas de suas obras giram entorno de elementos do Nordeste, perpassando por diversos segmentos, dentre eles: discussões de gênero, trabalho escravo, violência, fantasia, infância e outros mais. Para além disso, Lília promove oficinas de teatro.

Seu primeiro livro “Babaçu, Cedro e Outras Poéticas em Tramas”, foi lançado no ano 2000 e trouxeum copilado de diversos temas.Um ano depois, publicou o “Miolo de Pote da Cacimba de Beber”, seguindo o formato de poesia e falas nordestinas. “Sertanejares”, lançado em 2011 e “Ao que Vai Chegar”, um livreto lúdico e curto de oito páginas, 2008. O livro “Mula sem Cabeça”, publicado em 2011, que constrói uma releitura da história original, com narrativa em primeira pessoa contada pela perspectiva da personagem. O “Mundo de Mundim”, é o livro do coração de Lília Diniz, que trazuma crítica social, utilizando a curiosidade e o imaginário da criança. E, por último, “Vozes de Mussambê”, que brotou por memórias, histórias, ouvidas e/ou vividas, com uma dose de ficção, no momento está sendo preparado para seu lançamento.

Nessa entrevista, Lília Diniz nos conta seu primeiro contato com as artes, suas iniciações no teatro, relembra sobre suas histórias de infância, fala também de como pensa a religião e suas práticas. Aproveita e conta em primeira mão um pouco sobre seus livros e seus processos de produção, suas influências artísticas, prêmios e plágio. Comenta sobre o cenário cultural da cidade de imperatriz, sem deixar de opinar sobre suas frustrações em torno das políticas públicas e as expectativas para o futuro cultural da cidade.

Imperatriz Notícias: Qual o seu primeiro contato com o universo das artes?

Lília Diniz: Desde que nasci, já me entendo por gente dentro dos movimentos da igreja católica e com a literatura, aprendi a ler lendo cordel. A gente morava em um povoadozinhoque não tinha energia elétrica, e, então, um dos meios de comunicação que chegavam lá era a literatura de cordel. Então, eu li muito livro de literatura de cordel e isso me formou, tanto artisticamente, como nas letras. Isso me alfabetizou. Eu lia com meus primos, a gente meio que apostava quem decorava mais rápido, quem cantava melhor, porque o cordel a gente lia cantando também. Então, já era meio que uma iniciação mesmo no universo das artes e foi um fluxo natural, porque aí fui para escola e fui fazer teatro na escola, quando dei fé que não, já estava na faculdade fazendo curso de artes.

IN: Você falou que é daqui do Maranhão de algum povoadozinho, qual?

LD: Município do Barra do Corda, que não existe mais esse povoado, na verdade eu nasci em CriolinaDubina, que é um povoado também de Tuntum, mas os meus pais moram nesse município de Barra do Corda – Alto alegre, que eu fui criada lá até os sete anos. Hoje lá é uma reserva indígena, lá não existe mais enquanto povoado. De lá viemos para Imperatriz, minha cidade-mãe.

IN: Você mencionou também que teve uma base católica na infância. Hoje, você ainda mantém esse vínculo?

LD:Eu me considero universalista, que é uma pessoa que acolhe os ensinamentos de todos os mestres que trazem elevação de pensamento, que trabalham com a questão do ser, considera o Deus, o criador, ou como diriam os indígenas “OGrandeEspírito”, como diriam uma parte dos indianos os deuses da índia, ou os deuses do candomblé. Eu acho que se é da luz e está num processo pra contribuir com a evolução, com a paz e com o amor, estou dentro! Dentro dessa prática universalista, a minha mais frequente hoje, é a partir da base dos ensinamentos de Allan Kardec, dentro do princípio reencarnacionista e também da doutrina do Santo Daime.

IN: Qual foi o momento que a sua afinidade com as artes/cultura despertou em você o start de que queria se profissionalizar e viver disso?

LD:Fluxo natural. Eu morava no Rio Grande do Norte, nessa época estava concluindo o Ensino Médio, comecei a fazer uma oficina de teatro de rua, em um movimento teatral que existe no Nordeste chamado “Escambo”, e comecei a fazer várias oficinas de formação em teatro de rua. Trabalhando a questão da dramaticidade, texto, interpretação, técnicas especificas para o teatro de rua mesmo. E aí, comecei a ministrar oficinas e depois de dez anos fazendo teatro fui para a universidade.

IN: Sobre o seu novo livro, pesquisando um pouco, descobrimos que Mussambê é uma planta medicinal que tem efeitos curativos, porque você escolheu justo esta planta para dar nome ao livro e não outra?

LD: Algumas pessoas vão chamar de misticismo, mas não sei se é essa a palavra. Mas, eu acho que o universo traz as coisas pra gente e se a gente estiver conectado com a essência, vai percebê-las. Então, quando pensei em “Vozes de Mussambê”, em primeiro momento foi pela sonoridade da palavra que é linda e bastante musical, e também tem uma coisa de infância que a gente ficava brincando, quando uma de nós fazia algo de errado a gente dizia: “eita que a mãe vai te bater, com cipó de mussambê, que é danado pra arder”. Então, tem uma poética, coisa de infância.Um tempo depois descobri que tinha um povoado em João Lisboa que tinha esse nome, aí fui olhar as propriedades da planta mussambê e vi que ela era uma planta expectorante, que tem o efeito de botar pra fora, que em sentido poético é o que essas mulheres fazem com suas dores, botar pra fora.

Então, trouxemos a Ju Del Lama, que é a ilustradora do livro. E, Juliana traz um conceito de ilustração a partir das plantas, ela fez duas xilogravuras com rostos reais, e apresentou pra mim essa proposta de ilustração, onde se pega as plantas medicinais e passa as tintas gráficas em cima que fica meio que um carimbo da planta. A partir daí que decidi o nome de cada conto, que seria de uma planta. Então, o projeto gráfico está pronto e agora vamos começar um processo de financiamento colaborativo para poder imprimir. O livro também será disponibilizado gratuito para download.

IN: Como você decide as temáticas e qual o processo na produção de um novo projeto?

“Cada livro é relativo, cada processo é diferente”

LD: Cada livro é relativo, cada processo é diferente.Em “Vozes de Mussambê”, eu comecei a escrever as histórias, a partir de histórias que escutava de uma tia minha. “Sertanejares” foi rápido, 70% dele feito em uma semana inspirada. “Mundo Mundim”, história que escrevi em 2000, mas só publiquei em 2015.Em “Sertanejares”, por exemplo, nós fomos para a segunda Bienal de projeto gráfico de livros do Brasil, nós fomos para a final. As histórias vão se definindo, quando eu fiz o “Babaçu, cedro e outras Poéticas em tramas” que é um livro com poesias de várias abordagens, conceitualmente fala de tudo. Diferentemente do “Miolo de pote da cacimba de beber”, que tinha um recorte, um linguajar, um vocabulário familiar, assim como o Sertanejares.

IN: Você mencionou que concorreu na Bienal e chegou à final, é costumeiro concorrer a prêmio, já ganhou algum e quais?

LD:Não sou muito de me inscrever, mas ano passado ganhei um prêmio em dinheiro, um prêmio da Secretaria de Cultura de Brasília,“Cultura e equidade de gênero”, em função da literatura que eu desenvolvo. Mas, eu não sou muito ligada nessa história dos concursos. Às vezes é falta de tempo, ou preguiça, ou tudo junto (risos). Acho que é mais tempo mesmo.Hoje vi dois editais em aberto, só que tenho uma fila de trabalhos pra concluir, então a gente tem que peneirar.

“Eu acho que essa cidade ainda vai surpreender muito o estado do Maranhão”

IN: Nas suas apresentações, você insere textos de outros autores, quais são os mais recorrentes?

LD:Os poetas com os quais eu trabalho são dois; Cora Coralina e Patativa do Assaré. Eu tenho, inclusive, um espetáculo de teatro montado só com poemas e contos de Cora Coralina, o faço desde os anos 2000. Fiz uma turnê em 2016, circulei o Brasil inteiro com ela. Gosto de interpretar aquilo que me toca a alma, então, o critério é esse.

IN: Então, você possui vários trabalhos, já teve algum caso de que alguém tenha te plagiado?

LD:Não sei. Não fiquei sabendo não. Mas também não tenho muito apego. É bom quanto a gente vê o nosso poema, uma citação (…) Cada um faz o que quer, cada um é dono de si, quem perde é o plagiador.

IN: E no sentido inverso você já foi acusada de algum plágio?

LD:Ainda não, mas às vezes a gente escreve alguma coisa que (…) por exemplo quando escrevi “Ao que vai chegar” eu ainda não tinha lido o mito da caverna de Platão, aí escrevi a história a partir de um sonho que tive, e veio um amigo que leu e disse: Nossa isso parece com o mito da caverna. E eu, a ignorante, que mito? Que caverna? (risos). Nisso que ele responde: Você nunca leu o mito de Platão? Aí fui atrás, e de fato tem uma semelhança, a história é de uma menina que vive em um lugar no qual não existe luz, na verdade, é um texto filosófico, porque ele não se revela assim, um lugar cinza, onde ela reconhece as pessoas pelo cheiro, pela voz. No lugar realmente não tem luz, ou seja, não é só ela. Apesar do lugar não ter borboletas, ela sonha colorido e no sonho um menino a visita e a leva para ver o dia. Quando esse livro foi trabalhado em escola, foi bem legal ver a interpretação das crianças sobre a realidade da personagem: “Ah! Eu acho que ela estava na barriga da mãe dela”, ou “ela era cega”, as crianças viajam nas possiblidades…Mas sobre o plágio mesmo não me preocupo, mas quando uso textos de outrem sempre cito a referência.

IN: Você já trabalhou na Fundação Cultural no governo do ex-prefeito Madeira, e agora na posição de Superintendente de Cultura do Estado do Maranhão. Como que você vê o incentivo à cultura na cidade de imperatriz?

LD:A gente precisa falar disso, em âmbito nacional, sabemos que as políticas públicas para cultura nunca foram prioridades. A gente teve uma melhora significativa do ano de 2003 até o encerramento do governo da presidente Dilma, é necessário fazer esse recorte, porque foi quando nós tivemos recursos voltados para a arte e a cultura de forma descentralizada do grande eixo Rio-São Paulo, porque, até então, os recursos na sua maior parte, ficava nesse corredor. E aí, quando a gente teve Gilberto Gil como ministro da cultura, depois Juca Ferreira, que demarcaram o Ministério da Cultura antes e depois deles. Que foi quando criamos o programa “Cultura viva”, o que de certa forma, obrigava os municípios e o estado a fazerem investimentos na cultura de acordo com as orientações do ministério. Em Imperatriz, tivemos um avanço bem pouquinho, que terminou estagnando, porque quando criamos a lei fundo municipal de cultura, conseguimos aprovar ainda no governo Madeira, mas a gente não tem um repasse sistemático que possa fomentar a cultura. A fundação cultural de imperatriz ainda não conseguiu acertar o passo, mas o principal problema é uma falta de compreensão do que é políticas públicas para a cultura, o que não é exclusividade da cidade, é uma coisa nacional.

IN: E o cenário cultural de Imperatriz?

LD:O pessoal da cultura tem uma vantagem, que independente do governo, dos recursos, estamos fazendo, com limitações e menos do que gostaríamos de fazer. Mas a cidade de Imperatriz produz mesmo em meio as dificuldades, e poderíamos ter um crescimento melhor se houvesse investimento. Eu acho que essa cidade ainda vai surpreender muito o estado do Maranhão. Isso aqui é um caldeirão. Por exemplo, aqui tem uma moça que conheci ano passado, chamada Rita do Samba, não sabia da existência dela. Uma mulher que canta samba maravilhosamente bem, temos grupos de danças por aí, escolinhas (…) estamos aí!

 

 

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