Imperatriz: A terra da pistolagem? Entrevista com a escritora Natália Mendes

Texto e fotos de Juliana Eugênio

Em 1999, o comediante Jô Soares, no seu programa de entrevista de humor, soltou o seguinte adágio: “Quer contratar um pistoleiro? Ligue 721 mais quaisquer números que você consegue”. Todos riram.  Ele se referia à recente publicação de uma reportagem da jornalista Luciana Pinsky  na revista Época, que tratava dos crimes  pistolagem ocorridos na cidade e inflados pela morte do deputado Davi Alves Silva, dando à Imperatriz destaque na mídia nacional.

Até as décadas de 80 e 90 do século passado, Imperatriz era destino certo para quem procurasse investigar a violência, tanto que no início dos anos 90 foram mortas mais de 200 pessoas, segundo a declaração do senador João Alberto, governador do Estado na época, em uma operação de limpeza social realizada pela Polícia Militar, sob a tutela do Estado.

O assunto pistolagem sempre foi tabu na cidade até mesmo em conversas cotidianas. No entanto essa realidade deverá mudar nos próximos anos, pois a escritora e professora licenciada em Ciências Humanas, Natália  Mendes Teixeira, que está lançando  o livro “ “A terra da pistolagem”: assassinatos, memórias, fatos, representações e lógicas sociais”, tem a intenção trazer essas discussões para os espaços sociais e segundo a própria Natália, “rememorarmos a nossa história”.

Nátália é paulistana e como muita gente que veio de outros Estados, acostumou-se a ouvir a alcunha “cidade da pistolagem” atribuída à Imperatriz. Mas, curiosa como é, resolveu investigar a fundo esse fenômeno. Dessa investigação nasce o livro, fruto de um trabalho de conclusão do curso em Licenciatura em Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão, e que toca em uma ferida tão dolorida quanto temida da história recente da cidade.

 

""Esse livro é para o imperatrizense, que não quer falar e principalmente para o imperarizense que quer legar a própria história, eu quero que ele encontre a sua história e de repente cure aí algumas chagas abertas a respeito da violência."
“”Esse livro é para o imperatrizense, que não quer falar e principalmente para o imperarizense que quer legar a própria história, eu quero que ele encontre a sua história e de repente cure aí algumas chagas abertas a respeito da violência.”

Imperatriz  Notícias: Natália, a pistolagem faz parte de um passado recente da cidade de Imperatriz, tanto que esse essa é uma ferida aberta, no seio do imperatrizense. Pensando nisso,qual o recorte temporal no livro “A terra da pistolagem”: assassinatos, memórias, fatos, representações e lógicas sociais?”

Natália  Mendes:  O tempo é a década de noventa, mas a gente acaba citando década de sessenta e setenta, que foi a construção da rodovia Belém – Brasília, a responsável por dar esse boom e esse surto da violência nessa cidade.

IN: Você afirma na introdução que livro surgiu de um projeto de extensão que tratava de memórias da cidade de Imperatriz. Visto que Imperatriz é conhecida por diversos motivos, seja pelo rio Tocantins, seja pela rodovia… Por que falar da Pistolagem?

NM: Justamente porque era um tema que se ‘repercutia’ em todas as narrativas, de todos os moradores, de quaisquer grupos sociais que eu entrevistasse; Seja o taxista, seja o  vendedor, eles falavam do fenômeno ou deixavam como  “não fala”, e eu ia percebendo sempre o silêncio e uma exclamação a respeito desse tema e instiguei por ele.

IN: Qual o perfil dos alvos da pistolagem? Quem era a pessoa morta pelo pistoleiro em Imperatriz?

NM: Sempre alguém que tava contendendo com o poder constituído, seja um político, como no caso do Renato, (Renato Cortez Moreira) que contendeu com políticos poderosos, contendeu com empresários poderosos, seja alguém que está contendendo com latifúndios, como é o caso do Josimo (Pe. Josimo)… O alvo sempre estava em posição de conflito com outros grupos sociais. É sempre alguém que se colocou em posição de ‘dívida’ com a ordem social e os poderes vigentes.

IN: Quais  teus personagens? E, principalmente, sob que ótica o livro é escrito?

NM: Os personagens assim, que eu pesquiso são os assassinatos e os assassinados Padre Josimo em 1986; o prefeito Renato Cortez Moreira, morto em 93; e Davi Alves Silva, morto em 98. A ótica é a das pessoas que viveram com eles assim, e… da história que se construiu a partir deles, assim…

IN: Esse é um assunto difícil de tratar exatamente porque ele lida com o sentimento das pessoas e com memórias recentes. Quais foram as suas maiores dificuldades em conseguir material, colher informações ou mesmo no contato com as pessoas?

NM: A dificuldade foi justamente essa, de que as pessoas não querem falar. Eu tentava criar um vínculo social, afetivo com essas pessoas antes de entrevista – las pra ver se saía mais alguma coisa, mas quando não havia esse vínculo elas não falavam e assim ,quando havia, elas falavam educadamente o básico. E  então eu tive vários problemas nisso. As pessoas ao redor, que são imperatrizenses falavam pra eu não continuar com a pesquisa.  Recebo um monte ataques assim, pessoais, não à pesquisa mas à minha pessoa, por conta da pesquisa até hoje; por que sei que é uma chaga aberta e as pessoas não querem falar. Querem fingir que não existe.  Mas o papel da história é esse.

IN: Você falou que tentava se aproximar das pessoas. Qual era a estratégia de aproximação?

NM: Tentava, por exemplo, no Mercado com o professor Jesus Marmanillo, tentava comprar coisas com os vendedores que estão lá desde a morte de Renato Moreira, tentava ir mais vezes… Começar a estabelecer meios pra criar vínculos.  Mas nem sempre era possível, e quanto menos vínculo, menos fala também.

IN: Qual foi a entrevista mais difícil de conseguir?

NM: Foram essas, das pessoas mais comuns, assim… os jornalistas falam abertamente, os historiadores, os memorialistas… Mas os taxistas, as pessoas comuns, as pessoas economicamente com dificuldades, falavam menos.

IN: E das pessoas comuns, qual foi a pessoa comum mais difícil?

NM: Annn… Seu Francisco, vendedor de verduras lá do mercado Bom Jesus… ele vende verduras lá e… Ele falava “Não sei”, “Não vi”, “Não conheço”… Eu até coloco assim a narrativa dele, ‘a gente vê que não vê’ ou seja, finge que não vê. Foi uma fala curta, ele não quis emendar a história.

IN: Agora uma última pergunta: Qual teu objetivo com a escrita desse livro? A quem você dedica a obra?

NM: Eu dedico àqueles que tombaram no chão da história da cidade de Imperatriz. Esse livro é para o imperatrizense; que não quer falar e, principalmente, para o imperarizense que quer legar a própria história. Eu quero que ele encontre a sua história e de repente cure aí algumas chagas abertas a respeito da violência. E sobre o livro, que as pessoas não julguem pela capa.  “ Imperatriz a terra da Pistolagem” não é uma afirmação, está entre aspas porque é uma representação, estou utilizando  o estereótipo e tentando desconstruir, mostrando que isso foi construído historicamente, mas que se transforma em estereótipo se nós mantivermos esse título. E espero que não julguem, mas que leiam. Eu estou completamente disposta a receber críticas de pessoas para qualquer parte do livro, desde que elas o tenham lido.